De Fortaleza a Juazeiro: uma jornada pela buraqueira

Com o fim dos voos entre a Capital e Juazeiro do Norte, usuários contam apenas com a opção rodoviária. No entanto, os problemas estruturais das estradas prejudicam a viagem

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(Atualizado às 16:56, em 21 de Maio de 2019)

Viajar de Fortaleza a Juazeiro do Norte tornou-se tarefa das mais complicadas após o cancelamento dos voos entre as duas cidades desde abril. Sem a opção aérea, quem não pode esperar ou pagar uma viagem particular, precisa se preparar para uma jornada longa, poeirenta e arriscada de carro ou de ônibus por estradas esburacadas e sem sinalização. O resultado são percursos demorados e que, quase sempre, causam prejuízos materiais aos motoristas. A Avianca, empresa que operava o trecho, enfrenta um processo de recuperação judicial. Outra companhia aérea, a Azul, só vai disponibilizar voos em junho; e a Gol, que também anunciou a retomada dos voos entre a Capital e o Cariri, ainda não tem data de início do serviço.

A reportagem do Sistema Verdes Mares viajou de Fortaleza a Juazeiro do Norte de carro, e fez o trecho oposto de ônibus. O percurso permitiu ver de perto a situação das rodovias, de um ponto a outro do Estado, e entender o que vivencia a população que faz o trajeto. Motoristas relatam que, com a buraqueira, a viagem demora até três horas a mais do que antes.

De quem sai da Capital, a opção é a BR-116. E o motorista não precisa ir muito longe para descobrir o tamanho do problema que tem pela frente. Os primeiros buracos surgem em Pacajus. Há apenas uma faixa em cada sentido e um fluxo intenso de veículos pesados. Logo, Ademir Dias, catarinense, caminhoneiro há 34 anos, vem até a nossa equipe para desabafar.

"Aqui, no Ceará, é o pior lugar que tem", afirma o motorista, que faz o percurso entre Santa Catarina e Fortaleza de 10 em 10 dias. "Começa a melhorar da Bahia pra lá".

Segundo ele, na região Sul do País, a despesa com pedágio é alta, mas compensa. "Eu gasto, lá pra baixo, de pedágio, 2 mil reais por mês. Só que vale a pena. A gente anda em estrada boa e não quebra o caminhão", explica. "Se você passar num buraco é capaz de tombar a carga", diz ele. O caminhoneiro também reclama da insegurança. "É assalto direto que acontece".

De Pacajus, os problemas seguem pela BR-116 até Chorozinho. E pioram. No entroncamento da chamada "Estrada do Algodão", pegar a contramão para fugir das crateras virou rotina. Motoristas encontram não só buracos, poeira, trechos sem acostamento, mas, também, dezenas de tapadores de buraco improvisados. Homens da região, que passam o dia colocando areia nas crateras em troca de moedas e cédulas que são jogadas ao vento.

Aparecendo

"A gente sempre está aí, aparecendo nos buracos" é a explicação de Rafael Silva, de 19 anos. Alguns deles vêm de outros municípios, como Cascavel. A renda varia de R$ 30 a R$ 50 por dia. Chegam cedo, 6 da manhã, e ficam até o início da noite. "É o único ganha-pão nosso", afirma Antônio Barbosa, 39 anos. Ainda assim, ele faz questão de dizer que estão fechando os buracos, "mas não era para isso acontecer". A responsabilidade é de outras pessoas.

Os buracos diminuem, mas não desaparecem entre Chorozinho e Russas e, assim, em diversos trechos da BR-116 que seguem até a região do Cariri. Dali, a via ainda continua até Penaforte, quando entra em Pernambuco, em direção ao Sul do País.

Para quem vai a Juazeiro do Norte, é preciso prosseguir na rodovia federal até Barro, entrando, depois, na BR-230, na CE-385 e, em seguida, na CE- 060. No total, são 514 quilômetros de estrada.

Para encurtar o caminho, foi construída a Rodovia Padre Cícero, composta por vários segmentos federais e estaduais. O motorista que sai da Capital e pega a BR-116 até o município de Chorozinho pode entrar, no sentido Quixadá, pela BR-122. A proposta é diminuir em 52 quilômetros a distância entre Fortaleza e a terra do Padre Cícero. Mas, na prática, o que a rodovia encurta em quilômetros, aumenta em dor de cabeça.

Sequência

Em Quixadá, o motorista vai enfrentar 40 quilômetros de estrada destruída até o próximo município, Banabuiú. "Não tem acostamento, muita buraqueira, não tem sinalização, é muito difícil você ver uma placa", reclama o caminhoneiro Mardônio Viana. "Tanto é mais cansativo, porque a gente tem que diminuir o ritmo, quanto aumenta o perigo de assalto", conta.

A advogada Crislaine Barbosa também reclama dos prejuízos. "É pneu, é manutenção do carro, né? A gente sempre tem que arcar e custear com isso aí", explica. Para ela, o trecho é a única opção de trajeto, mesmo com tantos buracos. A alternativa "era por Morada Nova, só que aumentaria em torno de 180 quilômetros, porque teria que pegar a cidade de Ibicuitinga. Então, fica inviável", conta.

Atraso

Saindo de Banabuiú, outro trecho complicado surge no distrito de Cascudo, em Icó, até o município de Cedro, pela CE-153. Os buracos na região também atrasam a viagem. "A estrada aí tá horrível, toda esburacada", explica o aposentado Antônio Francisco. "Quando está chovendo, isso aqui fica cheio d'água", conta.

O trecho da rodovia Padre Cícero depois de Cedro, que passa por Lavras da Mangabeira, Caririaçu e, por fim, Juazeiro do Norte, está bem sinalizado e sem relevantes problemas estruturais.

Opção de ônibus

A única empresa que faz o trajeto rodoviário de Juazeiro do Norte a Fortaleza, e vice-versa, é a Guanabara. São 38 viagens por dia, ida e volta. Uma multidão de aproximadamente 1.200 pessoas transita, diariamente, entre os dois destinos. Com o fim da operação aérea da Avianca, houve incremento de quase 19% no número de viagens e de passageiros nos quatro trajetos possíveis que a empresa oferece: via BR-116, via Cedro, via Iguatu e via Penaforte.

Nossa equipe acompanhou o trajeto via Cedro, saindo da região do Cariri rumo a Fortaleza. Lucimar Fideles, de 73 anos, foi uma das passageiras da longa jornada. São 12 horas, 18 paradas. Ela estava indo à Capital por questões de saúde. A filha, que a aguardava em Fortaleza, já tinha avisado: "mamãe, não tem buraco, tem cratera".

A aposentada Fátima de Lima viajava com a neta, Rariana Lourenço, de 22 anos. A idosa explicou que precisava visitar uma irmã na UTI. "A última vez que eu fui, me senti tonta, com gastura, passei mal dentro do ônibus", contou a aposentada. "Doze horas, praticamente. Realmente, é bem cansativo", confirmou a neta.

O ônibus segue de Juazeiro do Norte para Crato e, depois, para Farias Brito pela CE-386. A estrada está cheia de remendos. Segundo um usuário que faz semanalmente o trajeto, mas preferiu não se identificar, o problema é o tipo de material utilizado no asfalto.

"É de péssima qualidade. Eles fazem um serviço e, com uma semana, o buraco está aberto novamente. Pode ver que já está afundado. O serviço foi feito agora, e os buracos já estão abertos".

Mesma situação pode ser vista no trecho entre Missão Velha e Barbalha. "Foi feita a duplicação. Só que a obra não foi nem inaugurada ainda e já está toda remendada. Já tem locais que estão afundando", reclama o passageiro. "A gente via fila de carro de passeio com pneu estourado. Quando estoura o pneu, quebra roda, estoura amortecedor, é prejuízo" afirma.

Bagagens caem

Assim como quem viaja de carro, a maior reclamação é o trecho entre Banabuiú e Quixadá, na BR-122. Segundo Manoel Duarte, de 73 anos, que faz o percurso de 15 em 15 dias, o "sacolejo" nesse trecho é tão grande que "as bagagens caem por cima da gente". "O ônibus não é como o avião. O avião tem a gavetinha, que tranca. Aqui é solta. Quando o carro solavanca muito, a mala cai".

Damião Machado, de 61 anos, teve muito prejuízo. Ele já tinha comprado a viagem de ida e volta para Juazeiro de avião, pela Avianca. "Esse horário, eu estaria viajando para São Paulo. Só que a Avianca quebrou, perdi a passagem, aí tive que comprar uma da Latam, de Fortaleza, pagando mais que o dobro do preço", revela.

O trecho final da viagem de ônibus é a BR-116, circulando no mesmo pedaço poeirento e estreito do início da matéria, o que torna as horas finais da jornada ainda mais longas.

"É risco de vida, como já aconteceu aqui, na BR-116. Um caminhoneiro foi desviar de um buraco, virou o caminhão e morreu", lembra outro passageiro, cansado e revoltado com o descaso na via.

Quem sai às 9h30 de Juazeiro, chega na Rodoviária Engenheiro João Tomé por volta das 21h. Hora de recolher as malas, esticar as pernas e deixar o veículo pra trás. O casal de idosos Antônio Lisboa e Antônia Fernandes estava bem exausto. "Muito cansativa a viagem. Cansativa demais", diz ele, com seus 71 anos de idade. "Pra gente que já tem a idade, não dá mais não, viu?", diz ela, com seus 62 anos.

Reconhecem problema
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela gestão das rodovias federais no Ceará, afirmou, em nota, que com relação à BR-116, novas licitações foram realizadas, e já estão em fase final, para contratação de empresas que executem os serviços de manutenção e conservação na via.

Vão ser contratadas três empresas e realizados serviços de tapa-buraco a partir de junho. Já para as soluções mais definitivas, como recuperação e restauração da capacidade estrutural da rodovia, existe o projeto Crema que, atualmente, está em fase de estudo de campo e depende de "disponibilidade orçamentária fornecida pelo Governo Federal". Ou seja, não tem prazo.

Com relação à BR-122, o contrato ativo é com a Construtora E&J Ltda-ME e prevê execução dos serviços de conservação e manutenção, inclusive no trecho entre Quixadá e Banabuiú.

O Dnit afirma que a empresa foi notificada quanto aos atrasos no cronograma de execução e exigiu "melhorias na qualidade dos serviços realizados". Já o projeto de restauração completo da via está em fase final mas, também, vai depender de recursos do Governo Federal para implantação.

De acordo com o engenheiro da Construtora E&J, Daniel Gadelha, o contrato com o Dnit só foi assinado em março para cobrir os 150 quilômetros da BR-122. Ele afirma que os trabalhos específicos entre Quixadá e Banabuiú, que incluem capinação e tapa-buraco, foram iniciados em maio e devem demorar cerca de três meses para ser finalizados devido "ao passivo enorme de buracos". O investimento total é de 7 milhões e 600 mil reais em 2 anos.

O Departamento Estadual de Rodovias (DER) informou que, próxima semana, vai enviar equipes para realizar a manutenção da CE-153, entre os municípios de Icó e Cedro. Além disso, o órgão confirma que ensaios laboratoriais realizados na obra de duplicação na CE-293, entre Missão Velha e Barbalha, reprovaram a consistência do pavimento utilizado.

A empresa responsável foi notificada e está executando as correções. Com relação à CE-386, entre Crato e Farias Brito, o órgão afirma que está elaborando um projeto de restauração.

Quanto à questão da segurança e fiscalização, no caso da BR-116, o inspetor Flávio Maia, da Polícia Rodoviária Federal, explica que tem realizado rondas noturnas constantes e auxiliado usuários que enfrentam pane mecânica. Já no que diz respeito aos assaltos, garante que, "praticamente não temos registros". As vítimas devem procurar as Unidades operacionais da PRF em Chorozinho ou Russas.

Já a segurança na BR-122, mesmo sendo uma via de jurisdição da PRF, é feita pela Polícia Rodoviária Estadual. "Nós chamamos de rodovia estadual sobreposta", explica o coronel Lourival Lima, comandante da PRE, "e, por isso, somos responsáveis pelo patrulhamento". Ele explica que existe um posto na cidade de Quixadá responsável por cobrir a região. São cinco policiais em sistema de revezamento que realizam fiscalizações, principalmente, "nos locais com buracos onde, de fato, acontecem mais assaltos e furtos".

Algumas pessoas tapam os buracos nas estradas para receber algum dinheiro pelo "serviço"