Foi o achado do ‘pé direito’ na Mina Pedra Branca, em Nova Olinda, que fez vibrar grupo de cientistas, incluindo paleontólogos, com o fóssil do que se acredita seja a espécie mais antiga no Ceará, Brasil, América do Sul, ou melhor, do supercontinente Gondwana, que existiu há mais de 200 milhões de anos e abrangia América do Sul, Antártida, África, Índia e Austrália.
Enquanto outra espécie foi descoberta há seis anos na mesma região do Estado, a Kaririavis mater é a mais antiga representante das aves viventes (que não sofreram extinção). A partir dos fósseis dessa única parte inferior, os cientistas estudam como seria o animal por inteiro e seus hábitos.
“Foi necessário um trabalho grande, liderado por nossos colegas da Argentina (Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia) com Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e financiamento da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap)”, explica José Xavier, coordenador da pesquisa e cientista-chefe da Saúde no Ceará.
Ainda bem que o pé direito que encontramos está conservado de uma forma ainda razoável. Mostra uma espécie de combinações e características estranhas”
Garras
Xavier aponta como característica mais importante o formato do pé da ave ser em parte semelhante às espécies que não voam (tem unhas, não garras), com ossos grossos (como as emas), mas, ponto intrigante, no segundo dedo possui uma garra.
“Essa garra faz com que o animal não tenha uma característica de andar ou correr muito, mas ainda não conseguimos colocar qual o hábito dela. Geralmente, quando as aves têm garras são de rapina ou se empoleiram em florestas, mas a Kaririavis mater parece uma mistura”.
O mistério vai encontrando outras características. O ambiente em que o fóssil foi encontrado apresentava, no tempo dos dinossauros, lagos muito rasos. “Tem, realmente, uma chance muito grande de a ave ter uma vida associada a lagos e comer peixes por lá. É tudo o que a gente pode concluir por enquanto”, explica Xavier.
Sendo o fóssil do mais antigo ancestral das aves modernas, a espécie encontrada no Ceará amplia o georreferenciamento na paleontologia, que antes só via espécies assim em outros continentes. Por meio da paleoarte foi possível ‘dar vida’ ao que seria Kaririavis mater. Embora, de fato, nunca houve registro do corpo inteiro, os cientistas fazem investigação sobre a possível aparência do animal.
Mas é importante dizer que a arte que criamos se trata de uma licença poética. Temos esperança de um dia encontrar um fóssil de corpo inteiro que nos ajude a responder”
Fóssil está no Rio de Janeiro
Embora encontrado na região do cariri cearense, o fóssil da Kaririavis mater está sob os cuidados da coleção de macrofósseis do Instituto de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de onde está a parte nacional da pesquisa.
“O importante é que ele está onde tem mais condições de ser estudado, de forma profunda e com mais recursos pela própria equipe que descobriu. A segurança é uma questão muito importante”, ressalva o pesquisador José Xavier, diante de não raros questionamentos sobre o porquê de não ter ficado no Ceará - a coleção macrofósseis da UFRJ é reconhecida pela qualidade e segurança das peças.
Ceará: mina paleontológica
Em junho de 2015, o Diário do Nordeste anunciava a descoberta na Chapada do Araripe da ave mais antiga do Brasil. “O achado fóssil da espécie Enantiornithes, foi anunciado ontem, por pesquisadores da Universidade Regional do Cariri (Urca) e Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O material possui cerca de 115 milhões de anos e é da formação Crato. Trata-se do registro mais completo de todo o antigo continente de Gondwana. Essa espécie de ave era conhecida anteriormente apenas em poucos afloramentos da China e Espanha”, dizia a nota.
A Cratoavis cearensis é ancestral das aves já extintas, enquanto a Kaririaves mater representa as espécies viventes, portanto não-extintas.