Samu: profissionais relatam comprometimento com realização de um bom serviço para a população

Veteranos do Serviço relembram primeiros momentos na profissão. Pandemia da Covid-19 trouxe novos desafios para o cotidiano dos socorristas

Responsável pelos atendimentos pré-hospitalares nas ruas ou casas e pelo transporte de pacientes pelo Ceará para unidades hospitalares, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) demanda agilidade, capacidade técnica e habilidade de se conectar com a situação do paciente por parte dos profissionais que atuam na linha de frente. 

Segundo Mirena Noronha, enfermeira que já acumula 15 anos de atuação junto ao Samu, os primeiros momentos de socorrimento foram de “dúvidas, medos e ansiedade”. Com apenas seis meses de formada, a enfermeira foi integrante das primeiras levas de profissionais do segmento que começaram a integrar as Unidades de Suporte Avançado do Samu. Em relação à experiência adquirida, Mirena destaca que, apesar do enfrentamento cotidiano de situações adversas, o preparo técnico e científico garante um atendimento de qualidade. 

“O fato de você conseguir, atuar, assistir, cuidar do paciente no momento mais necessitado da vida dele, em condições, às vezes, inóspitas, é gratificante”, reflete Mirena. Após 12 anos atuando na área de intervenção do Samu, nos atendimentos diretos, a enfermeira hoje trabalha na parte de gestão do Serviço, como gerente da frota na Central de Regulação, que recebe os chamados. Apesar de já não estar no contato cotidiano nas ruas, para ela, os mais de 10 anos de experiência auxiliaram na percepção das necessidades de investimento e suporte do Samu. “Se não tivesse tido essa experiência no front, talvez não fosse tão hábil para gerenciar. Consegui passar e conhecer várias partes do Serviço que se encaixam, para ter conhecimento do que é o Serviço e me agrega muito. Mas ainda tenho coração de interventora.” 

Sobre os anos que passou na área de intervenção, Mirena relata que os momentos mais marcantes não foram as condições chocantes de alguns casos, mas o sentimento envolvido nas situações. “A pessoa jovem vir passar férias e no primeiro dia sofrer um acidente no quadriciclo e ficar tetraplégico. O jovem que foi mergulhar e ficou tetraplégico. Ver uma mãe chorar porque perdeu um filho pro crime. Esses sentimentos subjetivos que você presencia. O pai chorando porque acabou de perder o filho. Essa dor que passa pra você também. Dores vividas e que o profissional da saúde acaba absorvendo também.” 

“É um serviço tão específico que o profissional precisa ter perfil. Ele precisa ter algumas habilidades. Trabalhar sob pressão, ter altruísmo, empatia, capacidade de se colocar no lugar do outro, além de disciplina e qualificações técnicas.”

Segundo o coronel João Vasconcelos, diretor geral do Samu Ceará, o processo para contato com o Samu é: o cidadão liga para o 192 e é atendido por um profissional que realiza uma série de perguntas técnicas para determinar a situação do paciente. Após avaliação de um médico, é escolhida qual unidade de suporte irá para a ocorrência: básico, intermediário, avançado ou o aeromédico. 

Acompanhamento desde a origem

Na capital cearense, antes do Samu ser implantado, o trabalho de transporte pré-hospitalar era realizado pelo SOS Fortaleza, que acabou sendo convertido no Serviço no início dos anos 2000. Gisleno Dias, hoje coordenador de enfermagem do Samu Fortaleza, entrou como motorista socorrista em 1992. Desde então, realizou formações na área da Saúde até chegar ao cargo atual, no qual é responsável por cuidar da parte técnica e operacional da gestão municipal da entidade.

Mesmo com a atribuição, Gisleno relata que ainda mantém no cotidiano os atendimentos diretos à população, pois considera importante permanecer na linha de frente para conhecer as demandas dos outros colegas. “É bom a gente estar atuando na linha de frente porque temos uma percepção da governança de forma mais completa, de dentro pra fora.” 

Acerca de momentos marcantes dentro da profissão, o coordenador relembra o sequestro de Dom Aloísio Lorscheider, ocorrido em 1994. Além desse momento, para Gisleno também foram marcantes os acidentes envolvendo crianças, por conta da emoção do momento. “Mas, ao longo do tempo, muitas crianças vieram à luz pelo meu auxílio, pelas minhas mãos. A gente faz o auxílio no trabalho de parto. É o salário emocional, ajudar as pessoas e ver a recuperação.”

Desafios da Covid-19

Principal tema mundial de 2020, a pandemia da Covid-19 afetou diretamente o cotidiano do Samu. Segundo Gisleno Dias, cerca de um terço do efetivo em Fortaleza foi contaminado, o que levou a afastamentos. “Tivemos que nos adaptar a essas atividades, primeiro no desabastecimento na parte de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), porque esse desabastecimento mostrou-se no mundo inteiro, não só em Fortaleza. Tivemos que improvisar, criar mecanismos de controle para minimizar o risco do nosso grupo de trabalhadores.”   

Na Capital, entre março e setembro, foram realizados 2.506 atendimentos de suspeitas ou confirmações de Covid-19 pelo Samu municipal, o que corresponde a 6,1% do total. Em nível estadual, os atendimentos relativos à Covid-19 foram responsáveis por 8,06% das ocorrências, segundo dados disponibilizados pela Secretaria da Saúde do Estado. 

Acerca dos primeiros meses de enfrentamento à doença, Mirena Noronha relembra que toda a situação era bastante assustadora, por ser um problema desconhecido. Contudo, hoje a enfermeira percebe que há mais preparo para os cuidados. “O Samu Ceará criou protocolos, como se fosse uma cartilha, com procedimentos operacionais que os colaboradores devem seguir”, relata. Outro desafio logístico é que, no caso de um paciente com Covid, é necessário que a ambulância passe por um processo de sanitização e desinfecção completo.  

De acordo com o coronel João Vasconcelos, também há a presença de um profissional da psicologia em cada base do Samu Ceará, para garantir o suporte para a equipe, além de atendimentos via videoconferência. 

Contexto regional

Sob gestão do Governo do Estado, o Samu Ceará cobre os 184 municípios. Hoje, cerca de 2 mil profissionais, entre enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, médicos, motoristas socorristas e motociclistas atuam no Serviço. De janeiro a outubro deste ano, foram realizados mais de 51 mil atendimentos, com acidentes de moto sendo a principal demanda, respondendo por 11,28% das ações de socorro. 

A frota ativa do Samu Ceará é composta por 30 Unidades de Suporte Avançado, duas Unidades de Suporte Intermediário, 129 Unidades de Suporte Básico e três motolâncias. Durante o ano de 2020, foram adquiridas mais 67 ambulâncias.

Além do Samu Ceará, também há a gestão municipal do Serviço em Fortaleza, de forma distinta, com equipamentos e socorristas próprios. O corpo de funcionários é formado por 540 profissionais, que atenderam mais de 40 mil ocorrências entre janeiro e outubro deste ano. 

De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), a frota do Samu Fortaleza é composta por 25 ambulâncias ativas, 10 motolâncias e o Bike Vida, que presta atendimento na Avenida Beira-Mar. Além disso, existem 10 bases descentralizadas do Serviço em pontos estratégicos da Capital.