Após falas polêmicas associando nordestinos ao analfabetismo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) volta ao Ceará, neste sábado (15), com o desafio de tentar reduzir a diferença entre ele e seu adversário no segundo turno, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No Estado, Bolsonaro recebeu 25,38% dos votos válidos (1.377.827), enquanto Lula obteve 65,91% (3.578.355) no primeiro turno.
A 15 dias da votação, a ofensiva do presidente em Fortaleza deve contar com o apoio de mais aliados, tendo em vista que lideranças importantes de oposição entraram abertamente na campanha do mandatário depois do resultado do primeiro turno.
É o caso do deputado federal Capitão Wagner (União), por exemplo, que, até 2 de outubro, evitava a nacionalização da disputa e se colocava aberto ao diálogo com qualquer um que fosse eleito. Wagner ficou em segundo lugar na disputa pelo Governo do Ceará, com 31,72% dos votos válidos (1.649.213) – mais votos do que o total obtido por Bolsonaro no Estado.
Além dele, o segundo deputado federal mais votado no Estado, Junior Mano (PL), também passou a fazer acenos públicos ao presidente após o resultado de 2 de outubro. Antes de ser reeleito, Mano evitava colar a imagem diretamente à do presidente na campanha. Inclusive, durante a corrida eleitoral no primeiro turno, chegou a cumprir agenda em municípios ao lado de pedetistas.
Sem ter um palanque no Ceará à época, Bolsonaro acabou não cumprindo agenda de campanha no Estado durante o primeiro turno. A última vez que ele esteve no Ceará foi em julho, ainda na pré-campanha, para participar da "Marcha para Jesus".
Agora, o chefe do Poder Executivo Federal retorna com o desafio de aumentar a popularidade e diminuir a distância de Lula nas urnas. Diante desse cenário, a mobilização de lideranças e parlamentares aliados será essencial, como apontam especialistas.
A importância do Nordeste
Especialistas apontam que a agenda de Bolsonaro no Ceará, especificamente em Fortaleza, faz parte de uma estratégia nacional de campanha que mira nas capitais nordestinas para reduzir a distância entre ele e Lula na região.
No Nordeste, o petista venceu em todos os 9 estados com uma vantagem expressiva sobre Bolsonaro. Em números absolutos, Lula atingiu mais de 21 milhões de votos, enquanto o presidente obteve mais de 8,7 milhões. A diferença entre os dois é de quase 13 milhões de votos – o que acabou revertendo a derrota do petista em outras regiões, como Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Por esses motivos, a cientista política e professora universitária Priscila Lapa avalia que não restam alternativas a não ser reduzir os danos no Nordeste.
"Não resta muita alternativa para Bolsonaro a não ser reverter no Nordeste. Em São Paulo, apesar de ser muito dividido, ele tem uma posição nesse momento mais confortável. Em Minas Gerais, que é outro estado muito decisivo, ele recebeu apoio do governador reeleito. Então, para conseguir assegurar uma vitória, ele precisa muito dos votos do Nordeste para retirar a desvantagem que ele teve em relação ao Lula no primeiro turno"
Para o cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleyton Monte, a aposta do mandatário nas capitais da região no segundo turno se deve ao fato das cidades oferecerem maior possibilidade de ampliação de seu capital eleitoral.
"Ele tem potencial de crescer mais nas capitais, porque no resultado do primeiro turno no Nordeste, no geral, nas pequenas e médias cidades, deram uma votação maior ao Bolsonaro. E ele teve uma votação menor nas capitais se comparado ao resultado dele próprio no primeiro turno de 2018", analisa Monte.
Diante desse cenário, Bolsonaro reforçou a agenda no Nordeste no segundo turno, que conta inclusive com a ajuda da primeira-dama Michelle Bolsonaro e da senadora eleita pelo Distrito Federal, Damares Alves (Republicanos). Para dar início às investidas, ele começou com atos de campanha no Recife, em Pernambuco, na quinta-feira (13).
Na sexta-feira (14), Michelle e Damares começaram a agenda no Nordeste por Teresina, no Piauí, em busca de fortalecer o eleitorado feminino.
Ceará
No mesmo dia, as duas cumpriram agendas em Fortaleza semelhantes às que fizeram no Piauí. Na Capital cearense, elas participaram de encontro com mulheres e de um culto em uma igreja evangélica.
Neste sábado (15), é a vez do chefe do Poder Executivo Federal cumprir agenda na Capital, com a realização de um comício no Conjunto Ceará. No bairro, Bolsonaro alcançou 17.739 votos, enquanto Lula conseguiu 22.964.
A escolha do bairro não foi à toa, como explica o deputado federal Capitão Wagner (União), que tem participado ativamente da campanha do presidente no Estado no segundo turno. Lá, Wagner obteve 20.706 votos na disputa pelo Governo do Ceará, vencendo no local.
Ainda que tenha saído derrotado das urnas na disputa pelo Palácio da Abolição, o presidente do União Brasil no Ceará obteve 1.649.213 votos no primeiro turno. O número de cearenses que depositaram confiança em Wagner, inclusive, foi maior do que os que escolheram Bolsonaro (1.377.827). A quantidade de votos obtidas pelo mandatário no primeiro turno de 2022 no Estado, no entanto, é 29,85% maior que o total de votos no primeiro turno de 2018 (1.061.075).
Questionado sobre como deve convencer seu eleitorado que não votou em Bolsonaro no primeiro turno a migrar neste segundo turno, Capitão Wagner ressalta que vai comparar os projetos dos dois candidatos à Presidência.
"A gente vai apresentar os dois projetos que estão no segundo turno. O projeto que está reduzindo o desemprego, que está contendo a inflação mesmo com a crise mundial, com a recessão mundial. A Argentina com uma inflação de quase a 100%, o Brasil está com a previsão de inflação de 7% nesse ano. Com o combustível caindo de preço, enquanto a média mundial é de aumento de preços. Mostrar o desemprego que bate recorde positivo histórico, da ordem de menos de 9%. Então, comparar os projetos e mostrar que há um risco em fazer uma mudança em um momento em que todo o mundo enfrenta uma crise"
Para Cleyton Monte, as investidas de Capitão Wagner na campanha de Bolsonaro no Ceará podem render frutos ao presidente, tendo em vista que o dirigente venceu em Fortaleza e a estratégia de Bolsonaro mira nas capitais. O obstáculo, no entanto, é o pouco tempo de campanha para influenciar os eleitores a mudarem o voto.
"Se o Capitão Wagner conseguir que a sua base política vote no Bolsonaro, você vai ter um movimento muito importante para o Bolsonaro. Mas o Wagner não fez esse movimento no primeiro turno, o mote dele é que iria dialogar com quem fosse o presidente. Então, eu não sei se em tão pouco tempo ele vai conseguir que essa base se aproxime de Bolsonaro"
Mobilização do Legislativo
Além da importância de lideranças como Capitão Wagner para a campanha do chefe do Poder Executivo no Ceará, os bolsonaristas eleitos para o Legislativo com resultados expressivos também serão fundamentais. É o caso de André Fernandes (PL), que foi o deputado federal mais votado no Estado, e Carmelo Neto (PL), o mais votado para a Assembleia Legislativa.
"Essa votação no legislativo é fundamental para impulsionar a votação do candidato no segundo turno, tendo em vista que a tendência é que haja uma desmobilização dessas bases do primeiro para o segundo turno, porque os deputados já garantiram suas vitórias. Então, o fato de Bolsonaro ter candidatos muito bem votados que possam continuar animando as bases é fundamental para tentar reverter a desvantagem expressiva que teve no primeiro turno"
Cleyton Monte também corrobora com a tese de Priscila e reforça que são "os puxadores de votos" que podem conseguir mobilizar os eventos de campanha do presidente no Estado.
"A ideia dele é unificar a sua base e tentar reduzir a sua diferença com os puxadores de votos. O André Fernandes é o coordenador da campanha, ele quem está fazendo a mobilização, a agenda. Da mesma forma o Carmelo Neto, o PL local. Eles podem conseguir que esses eventos estejam lotados", finaliza Monte.