Série Influências Partidárias: a história do PT, presidido por Antônio Filho, no Ceará

A reportagem integra a série "Influências Partidárias", na qual o Diário do Nordeste traça o histórico dos partidos a um ano das eleições 2024

Sigla que atualmente comanda o Governo do Ceará e a presidência da República, o PT é o partido em mais franca ascensão desde o ano passado no Estado. A legenda, comandada no Ceará pelo militante petista de Acopiara Antônio Filho, conhecido como Conin, vem ganhando prefeitos e deputados para seus quadros, com a expectativa de ampliar ainda mais sua capilaridade no próximo ano.

Após um período de crise nacional da sigla, o dirigente partidário e seus correligionários tentam aproveitar a conjuntura favorável para ampliar o poder de influência da agremiação ao mesmo tempo em que estabelecem como prioridade a manutenção de ritos e valores petistas.

Em meio à disputa eleitoral do ano passado, o partido tornou-se a segunda maior força do Ceará em quantidade de prefeitos filiados. No fim do primeiro semestre deste ano, o PT Ceará já acumulava 32 prefeitos, ficando atrás apenas do PDT, que contabilizava 53. Contudo, neste mês, pelo menos 43 prefeitos pedetistas pediram desfiliação da legenda.

Parte desse grupo, inclusive, pode ter como destino a sigla comandada por Conin. Para a eleição de 2024, a expectativa do dirigente é eleger, pelo menos, 50 prefeitos petistas.

Nesta reportagem da série “Influências Partidárias”, o Diário do Nordeste conta a história do PT, sigla fundada em 1980 por figuras que lutaram contra a ditadura militar. O partido, que soma 1,6 milhão de filiados, é o segundo maior do Brasil, ficando atrás apenas do MDB. 

O PT ainda tem a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados e a quarta do Senado Federal. No Ceará, são 79 mil filiados, conforme dados da Justiça Eleitoral, e oito cadeiras na Assembleia Legislativa do Estado (Alece). Para 2024, a legenda busca ampliar ainda mais seu poder. 

Para conhecer mais os planos petistas, o PontoPoder entrevista, nesta quinta-feira (23), o presidente estadual da sigla, Antônio Filho, conhecido como Conin, a partir das 17 horas, no Youtube do Diário do Nordeste. A série "Influências Partidárias" busca, a pouco mais de um ano das eleições municipais de 2024, esmiuçar como os partidos cearenses estão se preparando para o processo eleitoral.

Pluralidade no nascimento

Já em sua origem, em São Paulo, o Partido dos Trabalhadores foi pensado por um grupo heterogêneo, que incluía militantes de oposição à ditadura, sindicalistas, intelectuais, artistas, parlamentares egressos do MDB e religiosos ligados à Teologia da Libertação.

No dia 10 de fevereiro de 1980, data que marca o seu nascimento, o PT lança um manifesto em que seus fundadores prometem “chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social (...) e conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores”.

A nova agremiação tem como prioridade, desde sua origem, a inserção de atores políticos até então marginalizados, colocando luz sobre os mais pobres e os trabalhadores. Também está na essência do partido mecanismos internos como as pré-convenções e os núcleos de base, que se distribuem por bairros formando espécies de subdivisões da sigla mais próximas da população.

PT Ceará

Já no Ceará, a origem do PT ocorre de forma simultânea à nacional, mas com particularidades. Quem faz essa ponderação é o pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Uece, Raulino Pessoa, em sua tese intitulada "Articulação entre as instâncias partidárias: o caso do PMDB, PT e PSDB do Ceará nas eleições de 2012 e 2014".

Segundo ele, tanto nacionalmente quanto no Ceará, os fundadores da sigla foram pessoas que lutaram durante a ditadura militar e possuíam um histórico de militância ligado a movimentos sociais ou sindicais. 

Contudo, o que particulariza o Ceará é que, embora o partido tenha começado na Capital, o crescimento da sigla ocorreu de forma intensa no Interior, com “grupos que eram vinculados às Comunidades Eclesiais de Base e aos sindicatos dos trabalhadores rurais”.

“Diferente da fundação do PT em São Paulo que se deu por meio da atuação de ativismo urbano, no Ceará a zona rural foi responsável pela expansão do partido. Isso vai de encontro à tese de que no Ceará a política na zona rural era oligárquica e coronelística”
Raulino Pessoa
Pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Uece

Professor das universidades estaduais do Vale do Acaraú (UVA) e do Ceará (Uece), Marcos Paulo Campos acrescenta que essa tendência ocorreu em todo o Nordeste brasileiro.

“De forma geral, o elemento que também estava presente na formação dos diretórios do Partido dos Trabalhadores era a luta contra as oligarquias rurais, contra os donos de fazendas. Naquele momento, eles tinham uma posição muito radicalizada contra qualquer processo de reforma agrária e, ao mesmo tempo, eram parte da elite política do Nordeste, porque o apoio ao governo militar se ampara muito nas oligarquias políticas do Nordeste e boa parte delas tinha base no mundo rural”, afirma.

O PT entra nas disputas eleitorais

Em seus primeiros anos, o PT sofreu em um cenário político ainda muito acostumado ao bipartidarismo da ditadura militar. Tanto que os partidos que “saem na frente” na disputa pelo poder são aqueles que aproveitam a estrutura partidária e o capital político dos partidos vigentes no período da ditadura, conforme aponta o pesquisador. 

No primeiro pleito do processo de redemocratização, em 1982, a legenda recém-criada teve um desempenho irrelevante, sem a eleição de quadros. À época, a agremiação apresentou candidatos em apenas 24% dos municípios cearenses. 

Já no pleito seguinte ocorre um evento que muda a história política do Ceará. Na disputa municipal de 1985, vence a corrida pela Prefeitura de Fortaleza a então deputada estadual Maria Luiza Fontenelle, uma histórica militante de esquerda que apostou na proximidade com lideranças de bairros periféricos da Capital e derrotou caciques políticos como Paes de Andrade, do PMDB, e Lúcio Alcântara, do PFL.

Mais que um marco dentro do PT, a eleição de Maria Luiza foi um marco na participação feminina na política, já que ela foi a primeira prefeita de Capital eleita no Brasil. A administração petista, no entanto, foi conturbada. Ela recebeu críticas de servidores públicos, enfrentou o Estado sob comando do tucano Tasso Jereissati e foi alvo de denúncias propagadas por correligionários.

Depois de Maria Luiza, o PT só volta novamente ao comando da Prefeitura de Fortaleza em 2005, quando Luizianne Lins (PT) é eleita — e reeleita em 2008 — para comandar o Executivo da Capital.

Entre uma gestão petista e outra, no entanto, o PT não ficou imóvel. A sigla teve uma trajetória oscilante ao longo dos anos 1980 e 1990, mas pouco a pouco montou uma estrutura organizacional perene que se mantém até hoje. Nos anos 2000, o PT Ceará lançava candidatura municipal em mais da metade dos municípios cearenses. 

Para Marcos Paulo Campos, essa estrutura interna da legenda é o que a diferenciam de outras siglas. 

“O PT tem um número bem menor de comissões provisórias se comparado a outros partidos. Normalmente, o PT, quando se organiza em uma uma cidade, constitui um diretório com condições autônomas de organização e decisão política. O partido também tem mecanismos internos que contemplem muito a participação dos filiados, além de um conjunto de secretarias setoriais que contemplam espaços onde os seus filiados atuam”, aponta.

PT chega ao poder

A consolidação das candidaturas do PT Ceará ocorre a partir de 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) derrota o tucano José Serra (PSDB) e leva o PT, pela primeira vez na história, à Presidência da República.

No Ceará, Luizianne venceu a disputa em 2004, mas em um cenário desfavorável com os petistas, já que as cúpulas nacional e estadual do partido atuaram, no primeiro turno em prol do candidato Inácio Arruda, do PCdoB. Nos oito anos em que chefiou a gestão, a petista experimentou o alinhamento com o Governo Federal e teve, no Estado, apoio do então governador Cid Gomes.

Contudo, no fim do segundo mandato, a prefeita tentou emplacar como sucessor Elmano de Freitas (PT), o que provocou o rompimento entre a gestão estadual e a municipal. No fim, saiu vitorioso o candidato lançado por Cid Gomes, Roberto Cláudio (PDT). Luizianne ainda disputou a Prefeitura em outros dois pleitos, mas nem sequer chegou a ir ao segundo turno. 

Por outro lado, a nível estadual, o PT ganhou espaço mesmo durante o governo Cid, quando o vice-governador na primeira gestão do político era um quadro histórico do PT, o Professor Pinheiro. Já em 2014, o então governador indicou como sucessor um petista que comandou pastas em suas duas gestões: o então deputado estadual Camilo Santana. Desde então, o PT passou a comandar o Executivo do Ceará.

O mandatário, no entanto, mesmo sendo integrante da sigla desde 2002, era mais identificado por sua proximidade com o grupo Ferreira Gomes, liderado por Cid Gomes e pelo ex-ministro Ciro Gomes.

Durante as gestões Camilo, nacionalmente, o PT enfrentou suas maiores crises, sendo alvo de denúncias de corrupção. A presidente Dilma Rousseff (PT) sofreu impeachment em 2016 e Lula, principal liderança do PT, foi preso em 2018 na esteira da Lava Jato. Ainda assim, o governador do Ceará conseguiu ser reeleito com uma votação histórica somando quase 80% dos votos em 2018.

“O anti-petismo nunca teve, no Nordeste, o enraizamento que ele tem no Centro-Sul do Brasil, então isso permitiu ao Camilo não só continuar no PT como não ter que fazer um distanciamento de imagem pública tão gigantesco em relação ao partido, muito pelo contrário”
Marcos Paulo Campos
Professor da UVA e da Uece

“Inversão de lideranças”

Principalmente ao longo da segunda gestão, Camilo Santana confirmou seu nome como liderança política do Estado. Após se licenciar do cargo para disputar o Senado, em 2022, o petista se aproximou definitivamente de seus correligionários ao ver antigos aliados, como o ex-ministro Ciro Gomes e o ex-prefeito Roberto Cláudio, contrariando sua indicação para sucedê-lo. 

O petista defendia o nome de Izolda Cela (sem partido), enquanto a ala pedetista alinhada a Ciro indicou Roberto Cláudio. Na queda de braço, Camilo liderou um processo que lançou como cabeça de chapa o petista Elmano de Freitas, um dos mais tradicionais quadros da agremiação. 

Em uma campanha que exaltou o alinhamento entre Elmano, Camilo e Lula, os três petistas foram eleitos. O governador cearense conseguiu a vitória ainda no primeiro turno. Já Camilo conquistou uma nova votação histórica.

O professor Marcos Paulo Campos aponta que neste momento há uma “inversão de lideranças no Ceará”. 

“O Camilo é a maior liderança política do Ceará e o senador Cid Gomes tenta encaixar uma sobrevivência política a partir da relação com o PT, inclusive observando o partido como possibilidade para ser seu abrigo em meio a essa disputa aberta com seu irmão mais velho, Ciro Gomes”, afirma.

“Portanto, a relação do PT com o Governo Cid foi uma relação constitutiva. Hoje, a relação do Cid com o PT é uma relação necessária de sobrevivência, o Cid precisa ter no PT um aliado para construir a sua continuidade na política, o que é uma novidade se você observar o quadro dos últimos 20 anos” 
Marcos Paulo Campos
Professor da UVA e da Uece

De fato, o ano de 2023 para o PT Ceará começou fértil. Além do alinhamento de gestões entre Elmano e Lula, o senador eleito Camilo Santana foi nomeado ministro da Educação pelo presidente. Soma-se a isso, a indicação do deputado federal do Ceará e vice-presidente nacional da sigla, José Guimarães (PT), como líder do Governo na Câmara dos Deputados.

Com alinhamento e uma rede de contatos no primeiro escalão de Brasília, o PT passou a aglutinar prefeitos egressos de outras siglas, além de deputados, tornando-se a segunda maior força do Estado em número de prefeitos, por exemplo, mas a principal força de influência da política local.

PT ontem e hoje

De acordo com Marcos Paulo Campos, o PT já passou por problemas por ser pequeno demais, como nos anos 1980; “enfrentou as dores do crescimento”, nos anos 1990; em seguida, encarou o sucesso da aceitação popular, no início dos anos 2000. Nos anos 2010, para o professor, a sigla enfrentou os problemas de um grande partido em xeque, que ficou muito tempo no poder e teve seu maior líder preso.

 “Depois, o mesmo PT consegue refazer a própria história, ressurgir. Lula sai da prisão, recupera os direitos políticos, torna-se líder das pesquisas, monta uma frente ampla, vence a eleição e constitui um grupo ministerial invejável com ex-candidatos à Presidência: Marina Silva, Simone Tebet, Fernanda Haddad e Geraldo Alckmin” 
Marcos Paulo Campos
Professor da UVA e da Uece

No caso do Ceará, para ele, Elmano de Freitas terá de encarar os desafios de um partido em “contexto de grandeza, sob o terceiro mandato consecutivo no Estado e em linha com o Governo Federal”.

“Portanto, tem o desafio de apresentar novidades sendo continuidade. E tem o desafio de acomodar bem os interesses de suas lideranças, de sua base social, para executar o programa que contratou nas urnas com a população sem parecer obsoleto, desgastado e incapaz de dar conta dos desafios que o Estado está colocando”, conclui.