Aprovado apenas em primeiro turno na Câmara dos Deputados, o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios provocou um racha no PDT. Um acordo costurado com a participação de pedetistas cearenses foi a justificativa para a maioria da bancada votar a favor da proposta enviada pelo Governo Federal. No entanto, outro grupo de pedetistas não se convenceu do acordo e votou contra a matéria, provocando cobranças públicas e troca de acusações entre os correligionários.
Para tornar o clima na legenda ainda mais tumultuado, o principal nome da sigla no Ceará e no País, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), decidiu suspender a própria pré-candidatura à Presidência da República no próximo ano por discordar da posição dos parlamentares, incluindo alguns aliados de primeira ordem no Ceará.
Dos 24 parlamentares pedestistas da Casa, 15 votaram a favor da PEC, que já vinha sendo constantemente criticada por Ciro Gomes. O pré-candidato à Presidência chama a proposta de PEC do Calote, já que precatórios são dívidas da União com estados.
A ideia inicial do Governo Federal era estender o prazo para o pagamento dos montantes por até 10 anos. Esse prazo foi reduzido para três anos, após articulação dos deputados. No caso do Ceará, dos cinco parlamentares do PDT, quatro votaram a favor da proposta e apenas um votou contra.
O voto divergente
Idilvan Alencar, a exceção entre os deputados cearenses do PDT, foi cobrado por correligionários por supostamente “descumprir” o acordo. “Não estou te entendendo. Dentre os muitos argumentos para nossa posição, o que mais somou foi sua posição a favor. Você propôs o acordo para os professores, você conversou com o sindicato. Você me convenceu. Agora faz isso…decepção”, publicou nas redes sociais o deputado Mário Heringer, presidente do PDT de Minas Gerais.
Quem também se mostrou confuso com o voto do colega foi o deputado federal cearense Eduardo Bismarck (PDT). “É natural que algumas pautas mais duras tenham votações contrárias, tem uma minoria que vota diferente. Neste caso, teve o Idilvan, que me estranhou (o voto), já que fechou o acordo, participou do diálogo e depois voltou atrás”, lamentou o deputado.
No início da sessão informei ao líder Wolney e ao dep. André Figueiredo que votaria contra, isso bem antes de todas as votações. Cheque com eles e veja se estou mentindo.
— Idilvan Alencar (@IdilvanAlencar) November 4, 2021
E completei: não atacarei quem votar a favor. Para a educação o texto melhorou em relação a proposta original
Nas redes sociais, Idilvan justificou a decisão divergente da bancada. “No início da sessão informei ao líder Wolney (Queiroz) e ao deputado André Figueiredo que votaria contra, isso bem antes de todas as votações”, disse. “Não atacarei quem votar a favor. Para a Educação, o texto melhorou em relação à proposta original. A minha base pediu para eu votar contra e assim o fiz. Nada escondido e tudo comunicado”, acrescentou em resposta ao deputado Heringer.
O motivo do apoio
Presidente estadual do PDT no Ceará, André Figueiredo participou diretamente das articulações para o acordo que resultou na aprovação, em primeiro turno, da PEC dos Precatórios. “Tomamos a posição com muita convicção em cima do substitutivo que nós dialogamos com professores, com deputados da bancada da educação e com governadores”, ressaltou o parlamentar.
No caso do Ceará, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), esteve em Brasília ao longo da última quarta-feira (3) e participou da reunião para discutir o assunto antes da votação. Conforme revelou o colunista Inácio Aguiar, a reunião durou mais de uma hora, mas os parlamentares saíram de lá sem uma posição conclusiva.
Ainda segundo Figueiredo, o acordo garantiu avanços para a Educação e reduziu os impactos da proposta inicial do Governo Federal.
“Conseguimos tirar o parcelamento do Fundeb, que também estava no bolo dos 30 anos, reduzindo para três anos, ficando 40% no primeiro ano, 30% no segundo e 10% no terceiro; e conseguimos fazer o PL 10.880, relatado pelo deputado Idilvan Alencar, ser pautado para a próxima semana, garantindo segurança jurídica para os 60% que os professores têm direito nos precatórios do Fundeb”, listou o parlamentar.
O posicionamento do pedetista vai ao encontro do defendido pelo senador Cid Gomes (PDT). Nesta quinta-feira, horas após a votação da PEC, o senador disse ter encarado a posição da maioria da bancada do partido na Casa, favorável à medida, como uma “redução de danos”.
“Primeiro, o que tenho a dizer é que você fazer um adiamento (parcelamento) de precatórios é o absurdo dos absurdos, no aspecto jurídico. Isso é a oficialização do calote. Neste caso, pelo que acompanhei das negociações, alguns parlamentares optaram por atenuar os danos”, disse o senador Cid Gomes ao colunista Inácio Aguiar, referindo-se à possibilidade de pagamento proposta inicialmente pelo governo federal em dez anos. Depois do acordo, o prazo foi reduzido para três parcelas.
Pré-candidatura suspensa
Mesmo com todas as justificativas dos parlamentares e a votação a favor da proposta dos deputados André Figueiredo, Leônidas Cristino, Eduardo Bismarck e Robério Monteiro, aliados de primeira ordem, Ciro Gomes anunciou a suspensão de sua pré-candidatura à Presidência da República em 2022.
Há momentos em que a vida nos traz surpresas fortemente negativas e nos coloca graves desafios.
— Ciro Gomes (@cirogomes) November 4, 2021
É o que sinto, neste momento, ao deparar-me com a decisão de parte substantiva da bancada do PDT de apoiar a famigerada PEC dos Precatórios.
Na publicação feita nas redes sociais, Ciro garante que está fora da disputa até que o PDT “reavalie sua posição”. Ele acrescenta ainda que há uma chance de os parlamentares se realinharem. “Temos um instrumento definitivo nas mãos, que é a votação em segundo turno, para reverter a decisão e voltarmos ao rumo certo", disse.
Parlamentares ouvidos pelo Diário do Nordeste demonstraram surpresa com a decisão de Ciro. Segundo eles, desde a noite de quarta-feira, a executiva nacional da sigla, da qual Ciro é vice-presidente, estava ciente do acordo e do voto dos deputados.
Irmão do ex-ministro, Cid Gomes nem sequer sabia da decisão do familiar de suspender a pré-candidatura na manhã desta quinta-feira. Entre os deputados, o entendimento majoritário é de que Ciro deve recuar da decisão, já que o acordo firmado entre os parlamentares será mantido no segundo turno de votação da PEC.
“O partido está tranquilo, foi uma decisão tomada de forma convicta, através de muito diálogo. A Câmara é a Casa do diálogo, alguém tem que ceder. Mesmo que a gente não votasse a favor, o presidente (da Câmara) Arthur Lira (PP) conseguiria arregimentar votos para aprovar. O que fizemos foi nos antecipar e reduzir os danos da PEC”, disse Eduardo Bismarck.
Para ele, o impasse envolvendo a posição do partido na Câmara e a decisão de Ciro deve ser resolvido pela executiva nacional da legenda. “Lógico que precisa haver um diálogo, esperar a poeira baixar e explicar o motivo pelo qual votamos assim. Nós não vamos voltar atrás na posição porque foi o acordo, a não ser que o texto mude”, finalizou Bismarck.
Também vice-presidente no diretório nacional, André Figueiredo reforçou a decisão de que o voto dos parlamentares não deve ser revisto. “Estamos dispostos a debater com quaisquer outras forças para justificar o voto do PDT, que foi um voto a favor do Brasil. Um voto a favor de quem mais precisa”, concluiu.