Plenário da Alece incendiado soma fatos históricos, de visita presidencial à morte de deputado

Edital para reforma do local deve ser lançado na próxima semana

O relógio marcava meia-noite quando o Plenário 13 de Maio começava a ser inaugurado no dia 13 de maio de 1977, no Palácio Adauto Bezerra, atual sede da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). Autoridades do Estado e do País compareceram para celebrar a nova localização da Casa do Povo cearense, situada ao redor das avenidas Pontes Vieira e Desembargador Moreira, e admirar a arquitetura modernista do prédio. Quase 50 anos depois, o palco de comemorações, vitórias e derrotas de governos, bate-bocas, discursos acalorados e emocionados foi tomado por fumaça e fogo na última quinta-feira, 20 de junho de 2024. 

Apesar do susto, ninguém ficou ferido com o incêndio. Os danos ainda não foram mensurados, mas serão reparados. Enquanto isso, o tic-tac do relógio cobra que o local volte a funcionar sob o clarão dos projetores brancos que iluminam o plenário por onde perpassa a história política do Ceará. É a Casa do Povo, da reivindicação, da comemoração, da discussão, da aprovação de leis. 

Da inauguração com direito à visita presidencial ao triste episódio da morte de um deputado que sofreu infarto no plenário, o Diário do Nordeste separou momentos históricos já vivenciados no Parlamento Estadual. Confira abaixo. 

Inauguração 

A criação da Assembleia Legislativa do Estado remota ao século XIX, mas foi em 1977 que a sede do Poder Legislativo Estadual abriu as portas da sede em que está localizada atualmente, na Av. Desembargador Moreira, no bairro Dionísio Torres. Antes, ficava na Rua São Paulo, no chamado Palácio Senador Alencar (1871-1977), onde hoje é o Museu do Ceará, mas também já esteve nas proximidades da Praça da Sé (1835-1871), ambos no Centro de Fortaleza. Autoridades daquela época, inclusive, fizeram questão de estar presentes. Dentre elas, estava o então presidente militar, Ernesto Geisel. 

À meia-noite do dia 13 de maio daquele ano, a sessão solene de abertura dos trabalhos iniciava. O comando da Mesa Diretora era do então deputado Paulo Feijó de Sá e Benevides, mas dois deputados fizeram discurso que saudaram o então presidente: Osmar Diógenes e Aquiles Peres Mota — que, em um ato simbólico, beijou o púlpito da tribuna ao final do discurso. 

Ex-presidente do Memorial da Alece e no início do mandato à época, hoje aos 92 anos, Diógenes relembra que "muitos dos grandes fatos políticos do Ceará foram vividos no plenário da Assembleia". 

"A Assembleia sempre congregou as figuras mais importantes. Foi o deputado Paulo Feijó de Sá e Benevides, que era o presidente da Assembleia à época, quem inaugurou, com a presença do presidente da República, o Geisel, o Plenário 13 de Maio. Fui eu quem fiz o discurso de saudação ao presidente. Nós temos essa fotografia lá no Memorial da Assembleia Legislativa. O plenário é o mesmo desde então" 

Ele ressalta, inclusive, que o nome "Plenário 13 de Maio" faz referência à data da abolição da escravatura pela Lei Áurea no Brasil, em 13 de maio de 1888, ainda que o Ceará tenha abolido a escravatura quatro anos antes (em 25 de março de 1884). 

Para a inauguração do Palácio Adauto Bezerra, que ocorreu nas primeiras horas do dia, no caso, ainda era noite, o presidente e outros militares chegaram no dia 11 de maio em Fortaleza para o evento. Eles foram recepcionados no aeroporto Pinto Martins e hospedados no Imperial Pálace Hotel, que ficava localiza na Av. Beira-Mar (em 1977, av. Presidente Kennedy).  

Pouco tempo antes da solenidade de abertura dos trabalhos, as autoridades políticas jantaram no Clube Náutico Cearense, que sobrevive até hoje. Pelo que lembra, aquela foi a única vez em que um presidente, ainda que do regime da ditadura, participou da abertura dos trabalhos de uma Casa Legislativa estadual, conforme narra Diógenes. 

Tumulto e infarto de deputado 

O Plenário 13 de Maio também registrou um dos mais tristes episódios do Poder Legislativo cearense. No dia 1º de março de 1985, durante uma votação tumultuada para escolher o novo presidente da Mesa Diretora, o deputado Murilo Aguiar teve um infarto no local e faleceu a caminho do hospital. 

Murilo Aguiar foi ainda um dos deputados perseguidos pelo AI-5, voltando a ocupar um assento na Assembleia em 1982, após anistia. O parlamentar, que hoje dá nome ao principal auditório da Alece, deixou legado político — o neto dele, Sérgio Aguiar (PDT) está no exercício do quinto mandato de deputado estadual atualmente. 

No dia 1 de março de 1985, ele disputava a presidência da Casa com o adversário Castelo de Castro. Após uma votação secreta, ele teve o próprio voto anulado pelo então presidente da Mesa, Aquiles Peres Mota, que era aliado de Castelo de Castro. É o que conta Diógenes, que foi presidente do Memorial da Casa até julho de 2023, função que exerceu por 25 anos após encerrar a carreira política. 

"Na minha visão, um dos fatos que marcaram muito a nova Assembleia foi a eleição para presidente da Mesa Diretora de 1985, onde disputaram o Castelo de Castro e Murilo Aguiar. E foi lá que o Murilo Aguiar teve um infarto e faleceu no plenário", destacou. 

Ele narra que o infarto ocorreu em meio a tumulto na apuração da votação. Tinha dado empate, 23 a 23, mas um dos votos para Aguiar tinha sido anulado — já que, em caso de empate, o mais velho seria eleito, o que beneficiaria o patrono da família Aguiar. Segundo Diógenes, o voto anulado era justamente o do próprio Murilo. Todavia, cédulas foram rasgadas após pedido de recontagem, o que impossibilitou a averiguação da apuração. Com isso, o resultado permaneceu pró-Castelo de Castro. 

"O Murilo Aguiar ganhou a eleição, mas o deputado Aquiles Peres Mota, que presidia o pleito, anunciou a vitória do Castelo de Castro. Aí o Murilo saiu da bancada dele e foi até a Mesa Diretora, e falou 'amigo velho, como você faz isso comigo?' e infartou ali mesmo. Foi levado para o hospital e lá faleceu. Para o enterro do Murilo Aguiar, esteve presente o vice-presidente da República" 
Osmar Diógenes
Ex-deputado estadual e ex-presidente do Memorial da Alece

O episódio virou um marco e a memória de Murilo Aguiar foi homenageada dando nome ao maior auditório da Casa. 

Assembleia Constituinte 

Outro acontecimento histórico da Alece foi a promulgação da Constituição do Ceará. Depois da Carta Magna Cidadã de 1988, criada com a redemocratização, os estados tinham que redigir uma nova Constituição Estadual aos moldes da Federal. Após um ano, no dia 5 de dezembro de 1989, o texto foi promulgado. 

Para deputados constituintes, participar da construção da Carta Magna Estadual foi uma honraria que sempre será lembrada, principalmente por prever maior participação da população e dar fim a um Código Antigo que validava o regime militar. 

"Houve muita participação de universitários, da população, na elaboração da Constituição. As pessoas procuravam a Assembleia para dar opinião sobre direitos que queriam. O País vivia uma renovação política, e a Constituição representou essa renovação no Estado. A gente procurou atender os anseios da população", disse a ex-deputada estadual constituinte Maria Lúcia ao Diário do Nordeste em 2019, ano em que o texto completou 30 anos. 

Ela era uma das duas mulheres que compunham a Alece à época. A outra era a ex-deputada Maria Dias, que também ressaltou, em 2019, a importância de fazer um regramento que rege os direitos e deveres dos cidadãos cearenses. 

"De forma geral, uma Constituição representa o contrato de convivência social, política e legal em um determinado território. E este é o papel da Carta cearense. Enxergo este avanço pela sua amplitude e sociabilidade", frisou. 

Em 2019, ao Diário do Nordeste, o advogado e ex-deputado estadual constituinte Paulo Quezado também apontou o momento como único. Para fazer o texto, os parlamentares ouviram todas as regiões do Estado.  

"Nós viajamos o Estado inteiro para debater questões importantes com a população, ver as necessidades, ouvir todas as regiões. Nós tínhamos acabado de sair de uma era ditatorial. Houve muita mobilização de proposta, da sociedade, de sindicatos, de grupos políticos", afirmou. 

Para Osmar Diógenes, que acompanhou muitos desses momentos — ora como parlamentar, ora como presidente do Memorial da Assembleia —, a recuperação do plenário deve ocorrer com celeridade, uma vez que "as grandes datas comemorativas e históricas são sempre festejadas no plenário". 

Resposta do presidente da Alece 

Em coletiva de imprensa realizada nesta sexta-feira (21), no Palácio da Abolição, o presidente do Parlamento Estadual, Evandro Leitão (PT), disse que uma perícia no local está sendo realizada para identificar as causas do incêndio. Todavia, uma licitação para a reforma do Plenário 13 de Maio deve ser lançada na próxima semana. 

"A partir da próxima semana estaremos lançando uma licitação para que, o quanto antes, uma empresa possa executar o serviço de recuperação do nosso plenário", afirmou. 

No início da tarde, após reunião intersetorial, o presidente informou que não haverá interrupção de processos, serviços ou atendimentos. "Somente o Plenário e as funções legislativas funcionarão temporariamente no formato remoto a partir da próxima semana, sem prejuízo para a condução e votação de projetos", diz nota da Assembleia.