A bancada de parlamentares cearenses em Brasília vê com preocupação a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil. Ainda sem recursos definidos para financiar o novo programa para o ano que vem, deputados questionam, também, a falta de garantia da continuidade dos repasses para além de 2022. O assunto está longe de ser uma equação solucionada no Congresso Nacional.
Com a PEC dos Precatórios aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados, a expectativa, a preço de hoje, é de que a matéria não passe no Senado Federal. O governo tenta adiar o pagamento de dívidas judicializadas com milhares de brasileiros para conseguir pagar o reajuste nos valores do auxílio dentro do teto de gastos.
Caso a matéria não seja aprovada no Senado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem como carta na manga uma Medida Provisória pronta que garante o recurso, porém furando o teto de gastos — o que causa insegurança do ponto de vista do investimento nacional, intensificando ainda mais as críticas do Parlamento e desconfiança do mercado.
Parte dos deputados e senadores critica os dois modelos de financiamento colocados pela gestão federal. O “calote” aos precatórios e o furo ao teto até agora foram as únicas alternativas levadas pelo Planalto ao Congresso Nacional. Cearenses, no entanto, apontam caminhos.
Criado por força de lei em janeiro de 2004, o Bolsa Família reuniu diversos programas em uma política de continuidade garantida nos anos posteriores. Por outro lado, o Auxílio Brasil tem previsão legal para 2022, sem qualquer menção formal para o futuro. O parlamento critica a ausência de garantias da política social.
Bancada do Ceará
Procurada pelo Diário do Nordeste, parte da bancada de parlamentares cearenses se pronunciou sobre o assunto. Deputados federais colocaram a continuidade do mecanismo social como uma das principais incógnitas.
O deputado Moses Rodrigues (MDB) reforça a importância do aumento no valor, mas expõe a insegurança quanto ao futuro do auxílio. “Embora a gente esteja elevando o valor para R$ 400 — o que nesse momento é muito necessário sobretudo depois dessa grande pandemia onde todos os países sofreram — a gente tem certeza que é muito importante essa ampliação”, diz.
No entanto, o emedebista ressalta que, apesar do reajuste esperado, “a preocupação que fica é ter que estar discutindo a cada ano no orçamento a continuidade do programa”. “Porque nós tínhamos um programa, que era o Bolsa Família, de forma permanente e agora nós temos um programa para o ano de 2022. E isso, na realidade, era pra ser uma política pública permanente”, cobra.
A opinião é compartilhada pelo deputado Eduardo Bismarck (PDT), quando afirma ser importante ter “uma renda mínima para pessoas carentes que não têm condições de sustento, mas o ideal era que fosse um programa de estado, sem data de término”.
Eleições 2022
Outra crítica feita por parlamentares do Ceará é que a natureza do programa — com mudança de nome, reajustes além do teto e incertezas quanto ao financiamento — é uma saída eleitoreira, tendo em vista a queda de apoio popular do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Para Luizianne Lins (PT), "é um absurdo o fim do Bolsa Família, decretado pelo governo Bolsonaro, programa instituído pelo ex-presidente Lula há 18 anos e que é referência mundial de combate à fome e à miséria".
A petista afirma que o partido defende o fortalecimento e ampliação do Bolsa Família, além de um auxílio emergencial no valor de R$ 600 para as pessoas que não têm renda e que estão na informalidade ou trabalhando em condições precárias. "Ou seja, R$ 200 a mais do que o auxílio de Bolsonaro, eleitoreiro e que termina em 2022", diz.
Apontando a iniciativa como estratégia eleitoral, o deputado Célio Studart (PV) argumenta que a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil "é mais uma manobra eleitoreira dado o prazo de término anunciado pelo governo".
"De todo modo, é preocupante ver um programa consagrado, de baixo custo fiscal e muito impacto social, ser trocado pela promessa de um novo programa, ainda não totalmente desenhado, feito às pressas, cujo alcance se encerra logo após as eleições de 2022".
Apesar da crítica, o parlamentar diz não ser contra a medida em razão da crise inflacionária e da fome do brasileiro que são as questões de extrema urgência para o País.
Em entrevista ao jornalista Roberto D'Ávila, da GloboNews, o senador licenciado Tasso Jereissati (PSDB) diz que o auxílio é previsto para 2022 por ser exatamente um ano eleitoral. "Não é um auxílio que fica estabelecido ao longo do tempo, não. É um auxílio para o governo Bolsonaro com vistas às eleições. No dia 1º de janeiro ele termina", critica.
Saídas
O deputado Denis Bezerra (PSB) critica o modelo adotado pelo governo para o financiamento do programa. "O espaço fiscal aberto, caso a PEC prospere definitivamente, será de mais de 90 bilhões de reais, quase o dobro do necessário para patrocinar o pagamento do Auxílio Brasil, programa temporário que substituirá o Bolsa Família de caráter permanente e reconhecido mundo afora", lamenta o parlamentar.
O socialista sugere a adoção de imposto sobre grandes fortunas, o fim dos super salários e a taxação de lucros e dividendos, por exemplo, como forma de garantir o espaço fiscal para os repasses sociais.
Em meio à discussão do assunto na Câmara, o deputado André Figueiredo (PDT) ressalta que a saída para resolver o impasse é constitucionalizando programas sociais. O pedetista é relator da PEC 383 que trata do sistema único de assistência social.
"Na PEC 383 nós vamos colocar um dispositivo que torna o programa de transferência de renda um programa de estado e não de governo. Vai entrar na Constituição", promete o parlamentar.
Relator do PLN 26/2021 que abre reserva de R$ 9,3 bilhões para o pagamento do Auxílio Brasil ainda neste ano, o deputado federal Danilo Forte (PSDB) critica o uso da PEC dos Precatórios como forma de financiamento do novo programa social.
"A PEC dos Precatórios acho que não se sustenta. Precatório não é despesa orçamentária. Precatório é uma dívida constituída a partir de um processo em trânsito e julgado no qual o governo tem obrigação de pagar", afirma o tucano.
Uma saída para abrir reservas, segundo Danilo, é encontrar no próprio orçamento possibilidades concretas. "Nós temos 1 trilhão e 700 bilhões de orçamento. Achar R$ 40 bilhões para pagar o programa não é difícil. Vários itens do orçamento não são executados", pontuou.
O relator afirmou ainda que "a tendência do mundo hoje é ter um programa de distribuição de renda mínima", e que o Brasil precisa seguir essa tendência de proteção aos mais vulneráveis.
Apoio
O deputado cearense Heitor Freire (PSL) defende a instalação do mecanismo social como forma de auxiliar os menos necessitados e de ajudar na retomada da economia interna.
"O novo Auxílio Brasil veio integrar saúde, educação, emprego e renda em um só programa. O Brasil está passando por um momento delicado e agora é a hora de priorizar a nossa gente. Precisamos usar os recursos da União para reconstruir a nossa economia, estimulando as pessoas a buscar pela independência financeira e não ficar dependente do governo para sempre", esclarece.
A reportagem também entrou em contato com os deputados Capitão Wagner (Pros) e Dr. Jaziel, mas não houve resposta até esta publicação.