Nos últimos 20 anos, Ceará acumula casos de prefeitos presos no exercício do mandato

Os motivos são diversos: vão do dano à administração pública à violência sexual contra munícipes

Indícios de uma possível fraude em contratos públicos motivaram a prisão do prefeito titular de Pacatuba, Carlomano Marques (MDB), e de outros ligados à gestão na última terça-feira (18). Este é, pelo menos, o oitavo caso de gestor preso durante o exercício do mandato registrado no Ceará nos últimos 20 anos.

O levantamento realizado pelo Diário do Nordeste detectou diversos fatores: além dos danos à administração pública, a Justiça atuou sobre casos de assassinato e violência sexual.

Em várias situações, os vice-prefeitos também foram afastados do cargo, dando lugar aos presidentes das câmaras municipais. Em outras, foi necessária a realização de eleições suplementares, levando novamente a população às urnas.

O clima de instabilidade pautou as eleições seguintes em alguns dos casos citados abaixo:

Granjeiro

Com o assassinato do então prefeito João Gregório Neto, o “João do Povo”, na véspera do Natal de 2019, a administração de Granjeiro passou para o vice Ticiano Tomé. 

Não demorou para que ele e seu pai, o ex-prefeito Vicente Félix de Souza, fossem ligados ao crime pelas investigações. Juntos, teriam articulado o homicídio com um policial militar devido a desavenças políticas que acumularam ao longo da gestão.

Ticiano foi preso em junho de 2020 pela Polícia Civil em etapa da “Operação Granjeiro”. Vicente também chegou a ser preso naquela ocasião, mas passou a cumprir prisão domiciliar em fevereiro de 2021, já que era do grupo de risco da Covid-19 devido à idade (62 anos).

Com a perda do mandato do prefeito em exercício, o presidente da Câmara Municipal, Luiz Márcio Pereira (PMN), o Marcinho, assumiu o comando do Executivo. 

O então vereador já havia chefiado a Prefeitura interinamente em fevereiro daquele ano, quando a Casa afastou Ticiano do cargo devido a infrações político-administrativas. 

Mas uma determinação judicial restabeleceu o posto de Tomé por entender que o encaminhamento do Legislativo "feriu dispositivos legais e princípios da administração pública". O mandato, contudo, não se manteve de pé com o cumprimento dos mandados da Polícia Civil meses depois.

Agora, segundo o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), os processos referentes ao caso foram remetidos para segundo grau para análise de recursos da parte dos réus contra pronúncia.

Pedra Branca

Em janeiro de 2019, o então prefeito de Pedra Branca, Antônio Gois Monteiro Mendes, foi preso provisoriamente em operação do Ministério Público e da Polícia Civil sobre fraudes em licitações de R$ 5,4 milhões.

Outras seis pessoas foram detidas, incluindo secretários, vereador e conselheira tutelar. Foram apreendidos, ainda, documentos e aparelhos celulares na sede da Prefeitura. 

Com isso, o vice Júnior do Gilberto, com quem Gois era rompido politicamente, foi promovido à chefia da Prefeitura. O posto se consolidou quando o prefeito afastado pediu renúncia à Câmara Municipal para evitar um processo de cassação por improbidade administrativa, tese rejeitada pelo seu filho Lucas Mendes, com quem o Diário do Nordeste teve contato.

A manobra, contudo, rendeu a inelegibilidade da chapa com David Melo no ano seguinte, quando foi o mais votado na disputa ao Executivo pedrabranquense. À época, a Justiça Eleitoral sequer o proclamou vitorioso porque o seu registro da candidatura já estava cassado, ou seja, ele não chegou a assumir. 

Na última semana, contudo, Antônio foi absolvido por decisão do Desembargador Relator da 1ª Câmara Criminal do TJCE devido à prescrição pretensão punitiva. Entre a data dos fatos até o recebimento da denúncia decorreram mais de oito anos.

"A Corte de Justiça cearense deixou claro que a ação penal sequer deveria ter sido iniciada, pois, naquela época, já não reunia as condições legais para processar a pessoa do ex-prefeito Antônio Góis", declarou Lucas Mendes por meio de nota assinada com a defesa do ex-gestor.

Ele lembrou, ainda, que, em julho de 2019, o juiz da Vara Única da Comarca de Pedra Branca já havia avalizado o mandado de segurança impetrado por Antônio, determinando a anulação do ato do então presidente da Câmara, Rodolfo Magalhães, que dava início a um processo de cassação do mandato do ex-prefeito.

Por isso, inclusive, Lucas Mendes nega que a renúncia do pai tenha acontecido com o objetivo de evitar instalação de processo administrativo contra a gestão. A desistência do mandato se deu, como afirma a nota, diante de "uma situação de grande pressão emocional, como forma de amenizar o sofrimento familiar a que foram submetidos".

Com a renúncia de Antônio Gois, Rogério Cordulino entrou em jogo. Empossado vereador em 1º de janeiro de 2021, ele foi eleito presidente da Câmara Municipal e assumiu a Prefeitura no mesmo dia, seguindo hierarquia da vacância. 

Nesse posto, ele seguiu até o fim de agosto. Naquele mês, o município realizou eleições suplementares, ocasião em que Matheus Gois, filho do ex-prefeito Antônio, saiu vitorioso. O êxito aconteceu sobre Padre Antônio (PDT), aliado do prefeito interino.

Mesmo com os trâmites regularizados, a cerimônia de posse tornou-se um objeto de disputa. A chapa foi eleita em 1º de agosto e diplomada no dia 13 do mesmo mês. Porém, afirmou Matheus à época, o presidente da Câmara em exercício, Juarez Abrantes, teria planejado a posse apenas para 1º de setembro, a fim de beneficiar o colega Rogério, prefeito interino. 

Apoiadores do prefeito eleito foram à Câmara Municipal protestar contra a demora. Após toda a polêmica, a posse ocorreu em 24 de agosto de 2021. 

(Confira nota da defesa na íntegra, ao fim do texto)

Uruburetama

Em 2018, uma série de casos de abuso sexual cometidos pelo então prefeito de Uruburetama e médico, José Hilson de Paiva, vieram à tona. Vídeos gravados por ele mesmo violando as pacientes em atendimentos no município foram divulgados e desencadearam uma série de reações jurídicas e políticas.

 

Em julho de 2019, ele foi preso a pedido do Ministério Público, sem, antes, deixar de passar por retaliações da população e da Câmara Municipal. Poucos dias antes, os vereadores o afastaram de forma unânime por 90 dias do cargo. Dois parlamentares se declararam suspeitos para participar da votação e, por isso, foram substituídos por suplentes.

São eles: Cristiane Cordeiro Costa, filha de José Hilson, e Alexandre Wagner Albuquerque Nery, filho do vice-prefeito, Artur Wagner Vasconcelos Nery. Este assumiu o comando da Prefeitura logo em seguida.

Em outubro daquele ano, já preso, o prefeito e médico teve o seu mandato cassado definitivamente pelo Parlamento.

A decisão da Câmara acompanhou o clamor da população, que realizou protesto contra o político no dia do afastamento. O encaminhamento foi comemorado por populares, que chegaram a soltar fogos na ocasião.

Em abril de 2020, ele deixou o presídio para cumprir prisão domiciliar por se enquadrar no grupo de risco da Covid-19 por dois fatores: idade e por ter insuficiência coronária. Ele foi condenado a 12 anos de prisão.

Além das penalizações jurídicas e políticos, José Hillson Paiva teve o registro de médico cassado pelo Conselho Regional de Medicina (CRM). Agora, o processo aguarda decisão da Justiça, de acordo com o MPCE.

Senador Pompeu

No ano de 2011, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) decretou a prisão do então prefeito de Senador Pompeu, Antônio Teixeira de Oliveira, em processo sobre diversos crimes. O mandado foi expedido em razão da saída do gestor da cidade em um ônibus fretado, na companhia de outros investigados. 

Pesavam acusações como lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, falsidade ideológica, peculato e formação de quadrilha, que representam um rombo de R$ 30 milhões. Parte do secretariado e dos vereadores de Senador Pompeu também foi presa.

Após nove dias foragido, ele e o vice-prefeito Luís Flávio Mendes de Carvalho apresentaram-se ao Quartel Central do Corpo de Bombeiros do Ceará, em Fortaleza, e foram transferidos posteriormente.

Com isso, o presidente da Câmara Municipal, Luiz Ibervan Fernandes, assumiu a Prefeitura com a responsabilidade, ainda, de nomear os novos titulares das secretarias desfalcadas.

No ano seguinte, o prefeito afastado pediu a restituição do mandato ao TJCE, que foi negado. 

Nas eleições de 2020, Antônio sofreu quatro derrotas na Justiça para viabilizar sua candidatura e tentar o terceiro mandato como prefeito da cidade, mas a chapa continuou inelegível.

Mesmo assim, ele foi votado nas urnas e ficou em segundo lugar, com 42,97%, sendo derrotado por Maurício Pinheiro, com 53,80% dos votos.

Pacajus

O ex-prefeito de Pacajus, Pedro José Philomeno, foi preso com outras nove pessoas – entre elas, sua filha, seu genro, o presidente da Câmara Municipal e secretários municipais – em 2011. A detenção se deu no âmbito de megaoperação da Polícia Civil com o MPCE em investigação sobre fraudes de até R$ 20 milhões em licitações.

Além disso, de acordo com as investigações, os suspeitos foram ligados a crimes como desvio de verbas públicas, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito, posse ilegal de armas e até formação de quadrilha. 

O prefeito, inclusive, foi autuado em flagrante pela existência de uma arma de fogo na casa dele, entre outros materiais recolhidos durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão. A polícia também encontrou no sítio do político uma caminhonete Hilux alugada por contrato em nome do Município, mas que estava a serviço da família do gestor.

Ele passou quase três semanas na Delegacia de Capturas e Polinter (Decap), mas foi solto após uma decisão do TJCE. Posteriormente, o desembargador Darival Beserra Primo decretou novamente a prisão. 

Auri Costa Araripe, então vice-prefeito, passou a chefiar o Executivo pacajuense desde a primeira detenção. Pouco tempo depois, já em 2012, Philomeno renunciou ao cargo.

Em 2016, conseguiu eleger o filho Bruno Figueiredo vice-prefeito do município, que se tornou prefeito no mesmo mandato após cassação do companheiro de chapa, Franky Chaves. Em 2020, Bruno saiu vitorioso novamente da disputa ao Executivo, dessa vez como titular.

Ao Diário do Nordeste, o MPCE comunicou que os processos relativos à prisão de Philomeno "encontram-se em tramitação regular, apesar da complexidade e do número de pessoas envolvidas" e estão na 2ª Vara da Comarca de Pacajus na esfera cível (improbidade). 

Ipu

Episódio semelhante aconteceu em Ipu, no ano de 2012. O então prefeito, Sávio Pontes, foi preso após seis dias foragido. Ele era suspeito de envolvimento no chamado "escândalo dos banheiros", por desvio de R$ 3,1 milhões destinados à construção de banheiros populares no município.

Os mandados foram emitidos contra outras sete pessoas, incluindo funcionários públicos de Ipu e de Fortaleza. A denúncia do MPCE apontou que parte dos sanitários foi finalizada de forma incompleta, enquanto a outra sequer foi entregue. Ainda segundo a promotoria, o esquema contou com a participação de Jurandir Santiago, à época titular da Secretaria das Cidades do Governo do Estado.

A pasta foi intermediadora dos contratos que estariam irregulares, usados para financiar a campanha de candidatos aliados. Quando o caso veio à tona, contudo, Jurandir já tinha se tornado presidente do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), cargo ao qual renunciou após a publicização do escândalo.

O despacho também atingiu o ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), conselheiro Teodorico Menezes. Ele foi afastado do cargo pelos colegas da Corte e, depois, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Além da prisão, a Justiça decretou o afastamento de Pontes da Prefeitura, que passou a ser administrada pelo vice Luiz de Gonzaga Timbó. A cidade ficou uma semana sem prefeito até a nova posse.

Poucos dias depois, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) revogou a prisão de Pontes e restituiu o cargo. Após três meses, outra reviravolta: a Corte o afastou novamente da Prefeitura, atendendo a mandado de segurança de Timbó.

Nova Russas

Em 2011, o então prefeito de Novas Russas, Marcos Alberto, foi preso duas vezes e afastado do cargo durante as investigações sobre improbidade administrativa e enriquecimento ilícito. Em maio, ele foi detido preventivamente por decreto do TJCE – ficando, inclusive, foragido –, mas solto no mesmo mês por recurso da defesa. Em junho, novas denúncias surgiram contra ele, levando-o ao encarceiramento na Delegacia de Capturas, em Fortaleza. 

Segundo o Ministério Público, o prefeito teria desviado dinheiro de um contrato público firmado com um empresário, que receberia 5% do valor declarado no documento da negociação. Promotores apontaram que Marcos movimentou R$ 430 mil, em 2008, e R$ 2 milhões, em 2009, quando assumiu a Prefeitura. O esquema teria resultado em um desvio de mais de R$ 15 milhões do Executivo durante a sua gestão.

Com o afastamento consolidado pela Câmara Municipal, que cassou o prefeito, o vice-prefeito Paulo César Evangelista passou a assumir o cargo. À época, ele afirmou ao Diário do Nordeste que os contratos apontados como irregulares pelo MPCE foram suspensos e novos convênios com outras empresas assinados. 

A reportagem buscou atualizações sobre o caso junto ao MPCE, mas o órgão informou, por meio da 1ª Promotoria de Justiça de Nova Russas, que os processos tramitam em segredo de Justiça.

Nota da defesa de Antônio Gois, de Pedra Branca

O ex-Prefeito Antônio Góis foi absolvido pela Justiça, de todas as acusações referentes às operações realizadas no ano de 2019, pelo Ministério Público e pela Polícia Civil, com relação aos supostos fatos narrados na matéria jornalística.

Na data de 18/04/2023, por decisão do Desembargador Relator da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos autos do Habeas Corpus nº 0624534-14.2023.8.06.0000, foi determinado o trancamento da Ação Penal nº 0000604-14.2019.8.06.0143, ajuizada no ano de 2019, com o reconhecimento da extinção da punibilidade.

Dessa forma, o Tribunal absolveu Antônio Góis da denúncia que havia servido de base para a ordem injusta de afastamento do seu mandato. A Corte de Justiça cearense deixou claro que a ação penal sequer deveria ter sido iniciada, pois, naquela época, já não reunia as condições legais para processar a pessoa do ex-prefeito Antônio Góis.

Por sua vez, em 22/07/2019, o Juiz estadual da Vara Única da Comarca de Pedra Branca já havia julgado procedente a ação de Mandado de Segurança impetrada pelo ex-Prefeito (Processo nº 0001256-31.2019.8.06.0143), determinando a anulação do ato do Presidente do Legislativo Municipal que recebeu a denúncia e deu início ao processo de cassação junto à Câmara de Vereadores, em maio de 2019. A denúncia em questão se referia aos mesmos fatos investigados na ação penal acima referida.

Diante de todo esse contexto, a renúncia ao mandato, efetivada pelo sr. Antônio Góis em 23/05/2019, foi motivada por uma situação de grande pressão emocional, como forma de amenizar o sofrimento familiar a que foram submetidos. Ao contrário do que afirmou a matéria jornalística, não se tratou de uma “manobra”, mas de ato praticado com a finalidade de resguardar o importante legado deixado ao Município de Pedra Branca pelo ex-Prefeito Antônio Góis, até que ele pudesse afastar na Justiça todos os ataques à sua honra, como de fato o fez.

Após todos esses ocorridos, o ex-prefeito ainda venceu mais duas eleições, marcando a sua trajetória política vencedora, com o expressivo apoio popular recebido em todos os pleitos que veio a concorrer.

Hoje, não existe condenação judicial alguma que paire sobre a honra e a imagem do sr. Antônio Góis, que segue provando sua inocência em todas as instâncias. Como prova de tudo quanto dito até aqui, seguem as cópias das decisões judiciais, da carta de renúncia e das certidões negativas expedidas pelos órgãos de controle e fiscalização.