O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, teve o nome indicado nesta segunda-feira (27) para assumir vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele deve ocupar a cadeira deixada por Rosa Weber, que se aposentou no final de setembro. O nome de Dino era o mais forte entre os cotados para serem escolhidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e chega em um momento de tensionamento entre os Poderes.
Com trajetória política pelo Executivo e Legislativo, Dino é formado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), onde atuou como professor de Direito Constitucional. Ele também foi juiz federal durante 12 anos, antes de iniciar a carreira política.
Cientistas políticos ouvidos pelo Diário do Nordeste apontam que a indicação não é uma surpresa, mas pode ter sido acelerada devido à crise entre o Supremo e o Senado Federal na última semana, quando senadores aprovaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impede decisões monocráticas. O nome "conciliador" e com "bom trânsito" de Dino seria, portanto, um movimento para apaziguar as relações entre os Poderes — já que a reação do STF acabou atingindo também o Governo Lula.
"A PEC catalisa e acelera um processo que é anterior. O nome (de Flávio Dino) já está no circuito há muito tempo. (...) É um sujeito que passou pela magistratura, passou pela política do Executivo e do Legislativo e volta para a magistratura, ou seja, transitou pelos Três Poderes. O nome dele corrobora as qualidades que o Governo estava procurando e que a conjuntura pede", destaca a jornalista e cientista política Grazi Albuquerque.
E se o perfil de Flávio Dino foi determinante para a escolha, os apoios em torno do ministro também tiveram peso para a indicação. O nome dele agrada a ministros do STF — alguns que teriam atuado pessoalmente para efetivar a escolha, como Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes —, é um senador e pode diminuir desgastes com a base eleitoral de Lula.
"Ele tem uma trajetória política que o faz transitar no meio político de maneira desenvolta. Na juventude, foi do PT. Tem uma relação boa com setores do centro político, (inclusive) tinha uma aliança ampla no Maranhão (quando foi governador)", explica o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, Pablo Holmes. "E ele vai deixar menos arestas, porque é meio inconteste na esquerda e na base do Governo Lula".
Currículo de Flávio Dino
Formado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em 1991, Flávio Dino concluiu o Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ainda no campo acadêmico, ele foi professor de Direito tanto da UFMA como da Universidade de Brasília.
Ele foi aprovado na 1º colocação para o cargo de juiz federal, função que exerceu entre os anos de 1994 e 2006. Durante o período, chegou a presidir a Associação de Juízes Federais do Brasil e foi membro do Conselho da Justiça Federal.
Saiu da magistratura para concorrer a um cargo eletivo. Em 2007, tomou posse como deputado federal pelo PCdoB. Após encerrar o mandato, assumiu a presidência da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo, a Embratur — onde ficou de 2011 a 2014.
Em 2014, foi eleito governador do Maranhão. Flávio Dino foi reeleito e permaneceu no cargo até o início de abril de 2022, quando renunciou para concorrer ao Senado Federal. Eleito para o mandato de oito anos como senador, ele se licenciou da função parlamentar para comandar o ministério de Justiça e Segurança Pública do Governo Lula.
Pablo Holmes destaca a trajetória jurídica de Dino e como, com ela, o ministro cumpre o requisito de "notória saber jurídico" — um dos critérios da indicação ao Supremo. A isso, se soma uma "capacidade de articulação política forte", completa o professor. A junção dos elementos é "positiva" na avaliação de Albuquerque.
"O Dino é magistrado de carreira. (Então) Tem um diferencial, porque combina a noção do que é a magistratura e um grande trânsito político", reforça. A proximidade com o campo político, inclusive com a ocupação de diferentes cargos no Poder Público, não é novidade nas indicações à Suprema Corte.
Os cientistas políticos citaram, por exemplo, Nelson Jobim — ministro aposentado do STF e que, antes disso, exerceu mandato como deputado federal, inclusive atuando como constituinte. Ele foi indicação de Fernando Henrique Cardoso (FHC) para a cadeira, de quem foi ministro da Justiça.
Assim como FHC, os ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e Michel Temer (MDB) também indicaram juristas que comandavam a pasta de Justiça durante as suas gestões. Foram eles, André Mendonça e Alexandre de Moraes, respectivamente. "Caminhos políticos e institucionais que levem a uma indicação ao STF não são novidade", resume Albuquerque.
"O STF é vocacionado para selecionar, para receber figuras que trafegam nas elites do País. Ninguém vai ser indicado para o STF se não tem relações com as elites políticas. Por que? Porque o nome vai ser indicado pelo presidente e aprovado pelo Senado. Então, acontece de, muitas vezes, ser alguém que tem tráfego político. E isso não é algo só do Brasil", pondera Pablo Holmes.
Ritos para indicação
O presidente Lula encaminhou, ainda na segunda-feira, a indicação de Flávio Dino para o Senado Federal. Agora, o ministro da Justiça deve passar por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça da Casa e, logo depois, a escolha deve ser votada no plenário do Senado.
Apenas se for confirmado pelos senadores, é que Dino pode ser nomeado por Lula e, então, empossado pelo Supremo Tribunal Federal. Detentor de dois cargos — ministro e senador —, o processo de indicação deve ser concomitante à saída de Flávio Dino dessas funções.
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil — Secção Ceará (OAB-CE), Fernandes Neto projeta que a saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública deve ocorrer antes da sabatina. É neste período em que o indicado ao Supremo costuma visitar o gabinete de senadores e, por isso, "o ministro já não tem a condição de estar defendendo nenhuma bandeira política governamental, ou seja, do seu ministério".
"Ele deve estar mostrando a capacidade de ser isento, se é que em tese alguém possa ser isento, mas não assumindo mais nenhuma postura em defesa de um governo ou de uma ideologia específica", aponta o advogado. Pablo Holmes também considera que este é o momento em que Dino "precisa fazer sinalizações de imparcialidade".
Fernandes Neto projeta que a renúncia do cargo de senador, para o qual Dino foi eleito em 2022, só deve ocorrer no momento em que for nomeado por Lula. "A partir do momento em que ele vai exercer um cargo vitalício, até os 75 anos, na Justiça que o impede de exercer o mandato popular e o impede, inclusive, de filiação partidária", completa.
Apesar de ter protagonizado embates com senadores bolsonaristas, em ocasiões onde foi convocado para comissões temáticas no Senado, Dino já deve ter caminho pavimentado para ter a indicação aprovada. "Duvido que o Lula indicaria sem ter a leitura que a aprovação é provável", pontua Holmes.
Albuquerque também aponta que a "conversa sobre aceitação é prévia" à própria indicação. O que pode variar, segundo ela, é o nível de acolhida do nome ou mesmo a rigidez das perguntas direcionadas aos indicados durante a sabatina. Os cientistas políticos ressaltam ainda que, além de ser "hábil" politicamente, Dino irá conversar com senadores como um colega de bancada, o que também é vantajoso para o ministro.
Se eventual resistência dentro do Senado não deve ser impeditivo para a aprovação do nome de Flávio Dino, a indicação dele pode vir a ser motivo de críticas de parte da base eleitoral lulista, com foco em setores que reivindicavam representatividade na Corte, com a indicação de uma mulher — o STF só tem uma mulher atualmente, a ministra Cármen Lúcia.
"O Lula nunca sinalizou que ia atender essa pauta identitária. Ele vem indicando, para outros tribunais, nomes que possam atender a essas demandas, mas existe uma escala de prioridade. O governo precisa de governabilidade. Hoje, a prioridade é essa", argumenta Grazi Albuquerque.
Impacto para Governo Lula
A indicação de Flávio Dino também terá desdobramentos diretos no Governo Federal, já que irá deixar uma vaga aberta na Esplanada dos Ministérios. Nos bastidores, já existem alguns nomes sendo cotados. Um deles é o de Ricardo Cappelli, atual nº 2 do Ministério da Justiça e Segurança Pública, nome preferido de Dino para substituí-lo.
Quem também é ventilado é o de Jorge Messias, titular da Advocacia-Geral da União. Ele era um dos nomes que disputava a indicação para o Supremo — próximo ao líder do Governo no Senado, Jacques Wagner (PT) e que teria a preferência dos dirigentes petistas. Outros dois nomes ventilados são os da atual ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e do advogado Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas.
Existe ainda a possibilidade, que chegou a ser cogitada em outros momentos de 2023, de desmembrar a pasta, criando assim um ministério exclusivo para a Segurança Pública.
Independente da escolha de substituto, Holmes aponta que "vai ser difícil colocar no cargo alguém que tenha a capacidade de articulação" de Flávio Dino, mas que isto não é algo "irreparável" para o Governo Lula. Grazi Albuquerque concorda: "é um risco que está totalmente calculado".
"O governo vai perder um grande nome, mas vai ganhar em outro canto", ressalta a pesquisadora. Ela ressalta que, quando empossado, Dino deixa de ser um "agente do Governo", mas que será, dentro do STF, alguém com perfil capaz de "apaziguar os conflitos entre os poderes", chamada por ela de "a grande demanda da República brasileira" atualmente.
Ela cita, por exemplo, que ele será um ministro recém-saído do Senado Federal e que chega ao Supremo — os dois protagonistas da atual crise institucional vivenciada em Brasília. "Ganha em diálogo", ressalta.