Ameaçada de morte, a vereadora de Fortaleza Larissa Gaspar (PT) viu um suspeito do crime ser preso na última semana, pouco mais de 12 horas após denunciar o caso. A detenção de acusados ou autores desse tipo de intimidação, no entanto, não parece coibir novos atos.
De acordo com pesquisadores, além de mais frequentes, essas ameaças começam a se transformar em ações concretas, obrigando que parlamentares abandonem seus mandatos em busca de refúgio até em outros países.
Diante desse cenário, as ameaças também levantam discussões sobre o que provoca essa escalada de intimidações virtuais e quais ações podem ser tomadas para coibir tais práticas criminosas. No caso da vereadora petista, a ameaça também tinha como alvo a família da parlamentar.
"Estamos planejando a sua morte, então cuidado com sua família ou na hora de sair de casa", dizia a mensagem. A parlamentar também teve o nome marcado em um vídeo em que um homem exibia armas.
Depois de tornar públicas as ameaças, Larissa recebeu mensagens de solidariedade de dezenas de eleitores, ativistas sociais e políticos, entre eles o governador do Ceará, Camilo Santana (PT).
O chefe do Executivo estadual foi vítima recente de um caso semelhante. Em março, quando decretou novas medidas de isolamento social no Ceará, o petista foi ameaçado de morte em um áudio que circulou pelo Whatsapp.
Na gravação, o suspeito, que foi preso, chamou o governador e outros políticos cearenses de “bandidos” e relatou que tinha “amigos militares” que teriam “o olho quente”.
Quem também já denunciou casos de ameaças foi o deputado estadual André Fernandes (Republicanos). Segundo ele, as intimidações ocorrem principalmente por redes sociais e via Whatsapp.
Ameaças
De acordo com o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), historicamente, há uma proximidade entre a política e episódios de violência no Ceará.
“Definitivamente, não é um fenômeno recente, basta pegar a história para ver que há troca de tiros, casos de pistolagem, espancamentos, entre outros”, aponta.
Ele, no entanto, pondera que, seja no Estado seja no Brasil, a forma como essa violência se manifesta passou por transformações nos últimos anos. “A partir de 2014, a disputa política trouxe muito de ódio, de passionalidade e de anulação do outro. Nas redes sociais, isso ganhou outra dimensão, principalmente porque elas se apresentam como um ambiente propício por conta da sedução do anonimato, então as pessoas acreditam que podem fazer tudo”, afirma.
Para Monte, a eleição de 2018, que levou à Presidência Jair Bolsonaro, é um indício dessa mudança.
“Bolsonaro não criou esse modelo, mas surfou nele. Até 2013, o que se tinha era uma visão romântica das redes sociais, de que iriam aprimorar a democracia. No entanto, elas demonstraram ser uma faca de dois gumes, porque facilitam realmente a participação, mas também repercutem essa violência. Após 2014, o ódio e as ameaças se estendem nas redes sociais, então Bolsonaro chegou para disputar as eleições de 2018 nesse clima antipolítico e antissistema, propício à violência”
Escalada antidemocrática
Análise semelhante é feita por Luiz Fábio Paiva, professor de Sociologia e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC. Ele acrescenta que esse discurso beligerante cria um risco iminente à democracia.
“Tivemos o advento de uma postura política extremamente agressiva, violenta e desrespeitosa. O presidente já fez menções de metralhar seus adversários, fez insultos de todos os tipos, então esse comportamento tem um efeito social sobre suas bases. Ele transforma adversários em inimigos a serem derrotados e até eliminados”, afirma.
Para o pesquisador, em meio a essa escalada, minimizar essas ameaças virtuais é um risco.
“Criou-se a ideia de que se pode tecer acusações graves e jurar pessoas de morte nas redes sociais porque nada vai acontecer. No geral, essas ameaças não se reproduzem no dia a dia, mas não podemos confiar que vai ser assim sempre. Temos que reagir a este tipo de conduta, não podemos naturalizá-las como se fossem democráticas”
Temendo que tais ameaças se concretizem, ao menos dois parlamentares do Psol resolveram deixar o Brasil nos últimos anos. Eleito em 2018, o ex-deputado federal Jean Wyllys nem sequer assumiu o terceiro mandato. À época, ele disse ter recebido várias ameaças de morte. Desde a morte da ex-vereadora Marielle Franco, em março de 2017, Wyllys vivia sob escolta policial. Atualmente, o ex-parlamentar mora na Espanha.
Em maio deste ano, foi a vez da vereadora Benny Briolly – a primeira parlamentar trans eleita em Niterói, no Rio de Janeiro – deixar o Brasil após receber ameaças de morte. Segundo a denúncia, as intimidações começaram no início do ano e exigiam que ela deixasse o cargo, do contrário, seria executada.
Como denunciar
Integrante da Comissão de Direito da Tecnologia da Informação da OAB-CE, o advogado Eduardo Porto afirma que difamar, injuriar ou difamar alguém através das redes sociais é passível de punição, assim como ocorreria se o crime fosse praticado presencialmente.
“O crime virtual não pode passar impune, ele não deixa de ser crime por ser feito de forma virtual. O tipo penal é o mesmo, a diferença é apenas o meio usado para disseminar a atividade delitiva”
Ainda segundo ele, independentemente se a vítima é ou não pessoa pública, o procedimento de denúncia deve ser o mesmo. “O primeiro passo é reunir registros das ameaças ou injúrias. Depois, deve-se buscar uma delegacia para oficializar a denúncia. As investigações, através do Marco Civil da Internet, poderão requerer auxílio das empresas de tecnologia e dos serviços de telefonia para identificar o autor das ameaças, ainda que o perfil seja anônimo”, explica.
O advogado acrescenta ainda que há três tipos criminais em que essas práticas podem ser enquadradas: injúria, quando os ataques atingem o decoro, a classe social, a raça ou a sexualidade da vítima; difamação, quando atribui algo ofensivo à reputação; e ameaça, que se caracteriza pela intimidação contra a vítima ou seus familiares.