A troca de acusações públicas entre o deputado estadual Renato Roseno (Psol) e o ator e jornalista Ari Areia evidenciou, nesta semana, atritos internos no Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Uma parte dos filiados saiu em defesa do parlamentar, enquanto outro grupo acompanhou o ex-filiado da legenda. O impasse também deixou claras as disputas de força de um partido em crescimento no Estado, apesar de ainda ser uma sigla “jovem”.
Criado há quase 20 anos como uma dissidência mais à esquerda do PT, o próprio Psol passa por um abrandamento no discurso, que segue ainda notadamente à esquerda. A avaliação é da cientista social Isabel Carneiro, que atribuiu a esses movimentos uma consequência do crescimento da sigla.
“À medida que o partido ingressa nesses espaços, há uma necessidade de ter mais consolidado o que fazer com esse instrumento, de como utilizar o mandato, como se articular com outras forças políticas. Quando se era um partido sem muita chance eleitoral, havia um discurso mais revolucionário, com apresentação de candidatos para fazer propaganda, agora, quando se tem um mandato, é preciso apresentar projetos, precisa de votos, então é preciso dialogar, conquistar apoio e fazer articulações”
Atualmente, no Ceará, o Psol conta em seus quadros com o deputado estadual Renato Roseno. Na Capital, foram eleitos, em 2020, o vereador Gabriel Aguiar e o mandato coletivo Nossa Cara. À época, ainda foi eleito o prefeito de Potengi, Edson Veriato, atualmente no PT.
“O Psol tirou como tática demarcar suas bandeiras com candidaturas próprias e o crescimento no Estado vem mostrando que existe a perspectiva de apostar também nas nossas bancadas. De uns tempos para cá estamos apontando em um processo de oxigenação, então temos muitos quadros valorosos como, em Fortaleza, o Gabriel e o mandato coletivo, temos a importância do mandato do Renato, além de referências como a Adelita Monteiro, o João Alfredo, a professora Anna Karina e o Ailton Lopes”, avalia o presidente estadual do partido, Alexandre Uchôa.
Agora, a expectativa da sigla é driblar os recentes desgastes públicos e ampliar a bancada nas eleições do próximo ano.
“A própria candidatura em Fortaleza é um debate que vamos passar, temos pessoas hoje que estão na base do Governo Elmano, há uma corrente que critica, então esse momento merece um debate mais amplo”
Desgaste público
O desgaste público entre Ari Areia e Renato Roseno é um desses choques de visões dentro do Psol. O ator e jornalista Ari Areia anunciou a desfiliação do partido no dia 28 de junho, dia do Orgulho LGBTQIA+, quando criticou o "esvaziamento sistemático, o enfraquecimento proposital e a inviabilização inevitável" de quadros ligados à pauta no partido.
Na última segunda-feira (17), o ex-psolista citou supostos problemas trabalhistas com o Psol Ceará — após o atraso no pagamento por serviço prestado a ele — e atribuiu ao deputado estadual e ao grupo político liderado por ele a responsabilidade por essa falta de pagamento.
"Antes de sair do Psol, eu deixei a minha cidade, porque essa gente me fez perder o desejo de viver aqui e estava me fazendo perder o desejo de viver. O ápice da perseguição do deputado e de sua facção interna foi quando tentaram bloquear que o partido me pagasse por um mês de trabalho"
Segundo Ari Areia, existe um "aparelhamento do partido para fins de perseguição". O jornalista também cita "processo de apagamento" que teria vivido dentro do partido e que impactou em sua saúde mental. "Foi um processo que me maltratou muito. Um processo violento de apagamento, que são violências que deixam marcas na pele, que são muito fortes", disse.
Em nota, Renato Roseno chamou de "postagens inverídicas" as feitas por Ari Areia.
"As acusações publicadas nas redes sociais são, na verdade, uma campanha de desinformação que parece ter como único objetivo: a autopromoção e para ferir a minha imagem, do nosso mandato e do nosso partido. Para muitos interessa tornar ‘todos iguais’ ou operar a criminalização da política - o que infelizmente também ficou evidente nas postagens que chamaram uma organização política de ‘facção’. Ao contrário, a política é, para nós, instrumento de debate, organização e, inclusive, de discordância respeitosa”
Ele ainda afirmou que não faz parte da direção do Psol Ceará e "tampouco o campo político que integro possui maioria na Executiva do partido". "As acusações de que exerci influência sobre qualquer processo de desligamento nesse período são, portanto, infundadas", completa.
Em nota, a atual Executiva do Psol Ceará confirmou o atraso no pagamento do ex-filiado, mas disse que o motivo foi o bloqueio temporário das contas.
"Um dos pagamentos ficou em atraso devido ao bloqueio temporário das contas partidárias. Resolvida a questão burocrática, o pagamento foi devidamente efetuado. Gostaríamos, ainda, de deixar nítido, que as contratações feitas via direção partidária não têm qualquer relação com mandatos dos parlamentares do partido"
O partido ainda agradeceu "ao tempo de dedicação militante", mas afirmou que não seria "saudável" as acusações trazidas por ele nas redes sociais. "Toda e qualquer questão levantada sobre nossa atuação política e parlamentar deve ser feita de forma a manter o respeito e cuidado com a trajetória de todos e todas", diz o texto.
Ainda no ano passado, outro impasse interno do partido também virou público. À época, o diretório estadual decidiu retirar a pré-candidatura ao Senado Federal de Paulo Anacé para apoiar o ex-governador Camilo Santana (PT) na corrida ao cargo, o que provocou um racha interno no Psol do Ceará, inclusive com manifestações insatisfeitas em redes sociais de filiados do partido.
Origem nacional
Fundado em 6 de junho de 2004, o Psol surge como uma dissidência do PT, tanto que sua origem é liderada pela senadora Heloísa Helena e outros nomes até então petistas, como os deputados João Batista Araújo, o Babá (PA), João Fontes (SE) e Luciana Genro (RS).
Esse grupo passou a demonstrar insatisfação com o PT e com Lula ainda em 2002, antes da campanha eleitoral. Helena não aceitava a aproximação do petista com José Alencar — que viria a se tornar vice-presidente da República.
Na montagem do Governo — já com Lula eleito — as insatisfação continuaram. Ela reclamou da indicação de Henrique Meirelles (então no PSDB) para a presidência do Banco Central, e de José Sarney (MDB) para comandar o Senado Federal.
Os parlamentares ainda viraram críticos da política econômica do primeiro Governo Lula, incluindo a privatização de bancos e a reforma da Previdência. O tensionamento foi tanto que os parlamentares acabaram expulsos do PT em dezembro de 2003.
Conforme a cientista social Isabel Carneiro, esse distanciamento dos petistas fica marcado no início do partido. “Eram falas no sentido de uma dissidência em que se pretende construir uma alternativa de esquerda, já que o PT não cumpria mais esse papel. O marco fundacional era o antipetismo para poder resgatar essa construção na classe”, avalia.
Na esteira desse movimento, o partido surge também no Ceará.
“No início, a esquerda petista não veio nessa articulação do partido, veio depois, conforme as críticas ao Governo Lula foram aumentando. Nossa ideia era ter um partido de base, horizontal, com a formação de núcleos e outras formas organizativas”
Organização partidária
Em sua organização, o Psol é formado por núcleos de base, que têm por objetivo "organizar a militância para debater temas de atualidade política, realizar cursos de formação e impulsionar as atividades decorrentes das diretrizes do Congresso e/ou Convenção Nacional, dos Diretórios regionais, municipais e do Diretório Nacional".
A sigla tem ainda tendências internas que incluem a Primavera Socialista (PS), a Revolução Solidária (RS), o Movimento da Esquerda Socialista (MES), a Resistência, a Insurgência, o Subverta, entre outras.
“As tendências internas travam disputa nos congressos e continuam atuando na direção. Embora essas organizações internas comunguem de um programa do partido, existem diferenças sobre conjuntura, coligações e financiamento, por exemplo”, aponta Isabel Carneiro.
Seguindo a tendência nacional, o Psol no Ceará também sempre marca posição nas eleições, sejam municipais, sejam estaduais. Para Isabel Carneiro, essa estratégia garante mais visibilidade ao partido.
Já em 2006, primeiro ano em que a sigla apareceu nas urnas, o advogado Renato Roseno foi candidato a governador do Ceará, somando 106,1 mil votos nas urnas.
Dois anos depois, o hoje deputado estadual foi candidato a prefeito, somando 67 mil votos. Já naquele ano, o Psol no Ceará acumularia um resultado positivo nas urnas, com a eleição de João Alfredo, um dos primeiros filiados da legenda, a vereador da Capital.
Em 2010, a sigla teve Soraya Tupinambá como candidata ao Governo do Ceará, totalizando 38,5 mil eleitores, o equivalente a 0,97% dos votos válidos. Em 2012, o partido conseguiu dobrar a bancada na Câmara de Fortaleza, reelegendo João Alfredo e elegendo Toinha Rocha.
O ano de 2014 foi a estreia da sigla na Assembleia Legislativa do Ceará, com a eleição de Renato Roseno para a Casa, que ainda foi reeleito em 2018 e 2022.
Tanto nas eleições municipais quanto nas estaduais, a sigla sempre apresentou candidatura à Prefeitura de Fortaleza e ao Governo do Ceará. O melhor resultado nas urnas do partido no Ceará foi em 2020, com a eleição de dois vereadores para a Câmara de Fortaleza: Gabriel Aguiar e o mandato coletivo Nossa Cara; além da eleição do primeiro prefeito da sigla no Ceará, Edson Veriato, de Potengi, que deixou a sigla no ano passado rumo ao PT.