Como o Auxílio Brasil turbinado pode ser usado nas estratégias de campanha de Bolsonaro, Ciro e Lula

Neste mês, o valor do benefício passou de R$ 400 para R$ 600

Com o início do pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 neste mês, o incremento em programas de transferência de renda para a população em situação de vulnerabilidade já está presente nas propostas dos candidatos à Presidência da República.

Diante de uma inflação que parece não dar trégua, a pobreza e miséria são temas centrais das campanhas deste ano, como apontam especialistas.

Apesar de parecer invisível aos olhos dos mais abastados, a fome está presente na rotina de pelo menos 33 milhões de brasileiros, das comunidades rurais às urbanas. Os números retratam crianças, adultos e idosos que estão às súplicas por comida e emprego.

33 milhões
É o número de pessoas passando fome no Brasil

Os dados são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, da Rede PENSSAN, que mapeia a insegurança alimentar no Brasil em 2022.

Principal política de transferência de renda para pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, o Auxílio Brasil já têm ganhado contornos eleitoreiros.

Aprovado com cunho político-eleitoral, o incremento no Auxílio, que passou de R$ 400 para R$ 600 neste mês, deve durar até dezembro, assim como outros benefícios fixados pela PEC Kamikaze - que driblou regras eleitorais e instituiu um novo estado de emergência para que o Governo Federal ampliasse e criasse novos benefícios fora do teto de gastos.

Com isso, o investimento no programa passou de R$ 7,3 bilhões para R$ 12,1 bilhões de julho para agosto, conforme dados do Ministério da Cidadania. O número de famílias beneficiadas também aumentou, saltando de 18,8 milhões para 20,2 milhões de um mês para o outro.

Show more

Ao todo, há 21,6 milhões de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza no Brasil cadastradas no CadÚnico, conforme os dos mais atualizados - de maio.

Propostas para 2023 

O cenário incerto sobre o valor da política assistencial no ano que vem já tem sido utilizado como tema de campanha dos candidatos. O presidente Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, promete a manutenção do valor de R$ 600 a partir de 2023, se reeleito. Em reação, os outros dois principais candidatos também já têm feito compromissos sobre o assunto.

Enquanto isso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer ampliar o Bolsa Família (agora chamado de Auxílio Brasil) - inclusive já tendo declarado em entrevista que tornaria o valor de R$ 600 permanente.

Já o ex-ministro e ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, propõe um programa de renda mínima unificado - que englobaria os pagamentos do Auxílio Brasil, do Seguro Desemprego e da Aposentadoria Rural.

As ideias constam nos planos de Governo dos presidenciáveis apresentados à Justiça Eleitoral.

1,4 milhão
de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza ainda estão de fora do programa

A turbinada no Auxílio Brasil e as dificuldades financeiras da população, no entanto, não devem se resumir às propostas e devem estar presentes nas estratégias eleitorais dos candidatos, sejam de ataques ou de defesa. É o que projetam especialista.

O tema deve ganhar fôlego em discursos, propagandas de rádio e TV e nos debates, como avaliam. O impacto da medida em capital eleitoral, porém, deve depender do cenário inflacionário.

Pontos estratégicos

Um dos pontos que devem ser utilizados é o aumento do valor e de beneficiários contemplados em agosto deste ano.

Segundo Marcos Paulo Campos, professor de Sociologia da Universidade Estadual do Vale do Acaraú (Ueva) e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), Jair Bolsonaro deve utilizar a popularidade da medida para demonstrar que "tem sensibilidade com a condição social da população, que foi ele quem garantiu os R$ 600", numa tentativa de diminuir a sua rejeição. 

Em paralelo, o ex-presidente Lula deve argumentar que o PT já havia defendido esse valor antes, "que o partido foi favorável a esse benefício e que sempre foi atento ao sofrimento do povo", pontua o professor.

65,9%
Foi o aumento percentual do investimento no Auxílio Brasil de julho para agosto
Ciro, por sua vez, deve mostrar como a matéria foi aprovada para expressar a "calamidade social" do Governo Bolsonaro, discutindo a questão do endividamento daqueles que, devido à situação de vulnerabilidade, optem por fazer empréstimos consignados ao valor do benefício - nova modalidade permitida pelo Governo Federal com a PEC Kamikaze. É como avalia Marcos Paulo.

"O Bolsonaro vai apresentar essa nova fase para identificar que ele também é solidário à população. O Lula vai trabalhar a ideia que o PT já havia defendido esse valor no ano passado e o Ciro o risco de endividamento, porque desde 2018 ele discute o endividamento da população"
Marcos Paulo Campos
Professor da Ueva e pesquisador do Lepem

Apesar dos pontos levantados, Marcos Paulo pondera o "superdimensionamento do Auxílio Brasil", tendo em vista o contexto econômico do País.

"Em todos os estados do Nordeste, há mais pessoas recebendo o Auxílio Brasil do que com carteira assinada. Mesmo assim, a gente tem que ter cuidado para nao superdimensionar o papel do Auxílio, porque ele está chegando num momento que a inflação continua alta, principalmente a de alimentos, que é para onde a maior parte desse recurso vai", justifica.

A professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e pesquisadora do Observatório das eleições (INCT/UFMG), Luciana Santana, também corrobora com a tese de Marcos Paulo. Todavia, ela acrescenta que os candidatos de oposição ao Governo Federal devem também relembrar que a primeira proposta sobre a medida foi fixar o valor em R$ 250.

"Só conseguiu se chegar a R$ 600 porque houve uma pressão muito grande dos governadores e do próprio Congresso Nacional", avalia.

Memória afetiva

Ela acrescenta, ainda, que os candidatos devem, também, apelar para a memória afetiva dos eleitores para remeter a cenários melhores. No caso de Lula, por exemplo, ele deve exaltar que o Bolsa Família foi apresentado em 2003 como carro-chefe do seu governo, que era um programa de redistribuição de renda a longo prazo, com indicadores a serem batidos.

"O Bolsa Família era um programa de redistribuição de renda de longo prazo, que as pessoas recebiam, mas também tinha contrapartidas a dar, como garantir a permanência das crianças na escola, o rendimento escolar. Ele deve mostrar que egressos dessas políticas entraram na universidade e ascenderam socialmente. Hoje, o auxílio brasil tem critérios para você receber, que é atrelado à renda, não contrapartidas"
Luciana Santana
Professora de Ciência Política da Ufal e pesquisadora do INCT/UFMG

Em contraponto, conforme a professora, Bolsonaro deve mostrar que o valor que concedeu é o maior em relação a governos anteriores e que não foi reprovada nem pela oposição

"O Bolsonaro encontrou um tema que ele poderia melhorar as condições políticas dele. E ele conseguiu emplacar junto aos congressistas essa proposta que dificilmente seria reprovada pela oposição. Não dá para você ir contra sabendo que mais de 30 milhões de pessoas no País com fome. Ele vai dizer 'eu fiz, porque estava preocupado' e vai culpar a pandemia e a guerra na ucrânia pela crise", enfatiza.

Em paralelo, Ciro deve tentar desconstruir a narrativa dos outros dois presidenciáveis alegando que "tem um projeto estruturado" e um plano de longo prazo para melhorar as condições de vida nos mais amplos aspectos, projeta Luciana Santana.

"Por mais que você tenha R$ 100 na conta, você está dando conta de ter o que as pessoas tinham há 10 anos? Ele (Ciro) vai tentar construir uma agenda positiva de dizer que ele faria nessa situação, que tem um plano, trajetória política. Ele deve mostrar a fragilidade desse processo de garantir esses benefícios sociais aprovados três meses antes da eleição", finaliza.