Comissão especial da Câmara dos Deputados adia votação de reforma eleitoral

Após quase duas horas de uma reunião marcada por obstrução de partidos contrários à PEC, a análise foi suspensa

A comissão especial da Câmara dos Deputados que discute a reforma política desistiu, na madrugada desta quinta-feira (5), de analisar o projeto que muda o sistema de eleição de deputados federais, estaduais e distritais para o pleito de 2022. Sem consenso entre líderes dos partidos, o presidente da comissão, Luís Tibé (Avante-MG), concordou com o adiamento da votação

O texto substitutivo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 125/2011 institui a adoção do modelo "distritão" no lugar do atual sistema "proporcional".

  

O adiamento ocorreu após quase duas horas de uma reunião marcada por obstrução de partidos contrários à PEC, que usaram o tempo de liderança para retardar a votação do relatório de Renata Abreu (Podemos-SP).  

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deve convocar sessões para sexta-feira (6) e segunda-feira (9) para se completar o prazo regimental de 40 sessões e a PEC possa ser levada diretamente ao plenário na terça-feira (10). 

Enquanto isso, líderes e deputados favoráveis à medida marcaram reuniões para sexta-feira, com intuito de tentar votar o texto antes disso. Eles calculam ter entre 320 e 370 votos de deputados a favor da mudança no sistema eleitoral. Para aprovar uma PEC, são necessários pelo menos 308 votos em dois turnos. 

'Na calada da noite' 

A sessão da comissão especial começou pouco antes das 23h da quarta-feira (4) e entraria pela madrugada, em horário incomum, o que dificultaria o acompanhamento pela sociedade. Deputados contrários ao sistema, governistas e oposicionistas, reclamaram da operação "na calada da noite". 

"Essa discussão açodada e repentina, no momento em que diversos outros temas de interesse da população estão sendo discutidos, como a reforma tributária e a pandemia, nos constrange
Capitão Wagner (PROS-CE)
deputado federal

A relatora da proposta, deputada Renata Abreu (SP), presidente nacional do Podemos, sugeriu alterações de última hora no texto, mas depois desistiu de formalizá-las por falta de consenso.

A parlamentar chegou a propor a adoção do "voto preferencial", o que implicaria no fim do segundo turno em eleições para o Executivo, mas recuou. Nesse modelo, o eleitor vota não apenas em um candidato a presidente, mas em até cinco, em ordem de preferência.  

O "distritão" já foi rejeitado duas vezes pelo Plenário da Câmara, durante votações de minirreformas eleitorais. Em 2015, atingiu somente 267 votos. Em 2017, foram apenas 238 votos. 

O que é o Distritão?

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A medida mudaria substancialmente a forma de eleição de candidatos à Câmara dos Deputados e aos Legislativos Estadual e Municipal. Atualmente, o sistema vigente é o proporcional, que considera a contagem de votos nos partidos a partir de uma lista de candidatos que cada legenda apresenta individualmente.

A contagem de votos é realizada em duas etapas: primeiro, é contabilizado o total de cada partido e calculado o quociente partidário, que estabelece uma espécie de nota de corte a ser usada na próxima fase. A segunda é a do quociente eleitoral, que determina quais candidatos ocuparão as vagas determinadas para cada legenda anteriormente.

Com o distritão, a ideia é abandonar o sistema proporcional e adotar o majoritário também no pleito de vereadores e de deputados estaduais e federais. Dessa forma, os candidatos que receberem maior número de votos são eleitos sem haver uma distribuição maior de cadeiras para garantir uma variedade partidária. 

Outras mudanças propostas pela PEC

O texto original (PEC 125/11), elaborado pelo deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), tratava apenas do adiamento das eleições em datas próximas a feriados, mas a relatora Renata Abreu (Pode-SP) ampliou os temas abordados, tratando, por exemplo, de sistema eleitoral, fidelidade partidária, democracia direta e incentivo à participação feminina na política. 

Com as mudanças, a PEC passou a determinar que decisões do STF e do TSE precisam cumprir o princípio da anualidade, em que os efeitos são produzidos apenas um ano após a publicação.

O relatório estabelece ainda que a eleição de senadores conta para evitar que partidos sejam pegos na cláusula de desempenho – que retira recursos de legendas com baixa votação – e traz ainda a previsão de mandatos coletivos.

A PEC veda também a eleição em data próxima de feriados, e muda as datas de posse de governadores, prefeitos e presidentes –do dia 1º de janeiro para 5 e 6 de janeiro.

Participação feminina

Com as alterações realizadas pela relatora, a PEC passou a estabelecer cota de 15% das cadeiras para mulheres na Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas nas eleições de 2022. Na prática, a medida acabaria com a exigência de que os partidos lancem ao menos 30% de candidatas nas eleições e destinem recursos de campanha a elas nessa proporção.

A proposta é considerada um retrocesso por especialistas porque a cota de 30% é uma das principais medidas de estímulo da participação feminina na política. A cota de 15% de cadeiras não representa avanço, já que esse foi o percentual de deputadas federais eleitas em 2018.

Em seu relatório, Abreu ainda mudou as regras envolvendo a participação feminina nas três próximas eleições gerais. Ela estabelece que o percentual de representação nas cadeiras da Câmara dos Deputados, das Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais será de 15% na primeira eleição geral e municipal, de 18% na segunda e de 22% na terceira.

O relatório diz que, se não for alcançada a cota de 30% de mulheres, a vaga poderá ser preenchida por candidatos do sexo masculino. Também não será necessário retirar candidaturas masculinas para que o percentual seja obtido.

Além disso, mesmo que não for atingido o mínimo, não haverá efeitos na destinação de recursos públicos utilizados pelos partidos políticos para propaganda no rádio e TV e para financiamento de campanhas eleitorais femininas, inclusive majoritárias, que deverá se dar na proporção do número dessas candidaturas em relação ao total de candidatos, observado o mínimo de 30%.

A relatora manteve a ação afirmativa de atribuir peso "dois" aos votos dados a candidatas mulheres para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas entre 2022 e 2030, para fins de distribuição entre os partidos de recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral.

Ou seja, a medida, em tese, estimularia partidos a lançar mulheres na disputa, já que os fundos públicos são hoje a principal fonte de receita das legendas.