Pouco mais de nove décadas separam dois bodes que entraram para a história da política cearense como candidatos inusitados em eleições do Estado. Enquanto em 1922 o bode Ioiô foi 'eleito' vereador em Fortaleza, em 2016 foi a vez do "Bode 90" ser apresentado como candidato à Prefeitura de Jati.
Mesmo sem registro na Justiça Eleitoral, a 'candidatura' contava com comitê eleitoral, panfletos, redes sociais e o 'candidato' caprino participava de atos pelo município, seja a pé ou na garupa de uma motocicleta.
Assim como no caso do Bode Ioiô, a candidatura do Bode 90 era uma forma de protesto de uma parcela da população de Jati, cidade que, em 2016, tinha apenas uma candidatura ao Executivo municipal.
O Diário do Nordeste relembra a história nesta reportagem que integra uma série sobre casos inusitados na política cearense.
Candidatura de protesto
Em 2016, o município de Jati contava com apenas uma candidatura ao Executivo municipal: a prefeita Maria de Jesus Nogueira, conhecida como Neta, concorria à reeleição.
Na época, a oposição à então gestora acabou não registrando candidato. O médico Dr. Jarbas, que iria concorrer no pleito, não conseguiu se descompatibilizar do Programa Mais Médicos do Governo Federal no prazo estabelecido pela Justiça Eleitoral.
O grupo opositor acabou então não conseguindo entrar em consenso e acabou não lançando um novo nome. Assim, sem uma candidatura oficial para disputar a eleição municipal, surgiu a ideia da candidatura do "Bode 90" - número vinculado ao animal no Jogo do Bicho.
No município, não havia partido com esse número concorrendo à prefeitura em 2016, portanto caso digitasse o 90 na urna, o eleitor anularia o voto.
Campanha eleitoral
Os organizadores da 'candidatura' chegaram a realizar atos eleitorais com a participação do Bode 90 por todo o município de Jati. Ele participou, por exemplo, de carreata pelas ruas da cidade.
Além disso, há registros do caprino em uma cesta na garupa de motocicleta passeando pelo município. Uma réplica do bode em plástico também era utilizada para evitar "desgastes" do animal durante a campanha eleitoral.
No comitê, feito em espaço cedido para a campanha do 'candidato', havia distribuição de cartazes e adesivos. E apesar de não haver registro de nenhum discurso oficial do então 'candidato', slogans foram criados para a campanha, como "na falta de opção, bode é a solução".
Segundo reportagem do Diário do Nordeste de 2016, as lideranças do grupo opositor negavam ser os idealizadores da candidatura do Bode 90. Eles atribuíam a mobilização a um grupo de jovens que queriam protestar contra a então gestora de Jati – que acabou sendo reeleita.
Apesar da 'candidatura-protesto', a eleição em Jati em 2016 nunca correu risco de ser anulada, por exemplo. Isso porque quando há candidatura única, como era o caso no município, o candidato precisa apenas conquistar a maioria dos votos válidos – ou seja, são descartados votos nulos (como seria o caso de eventuais votos no Bode 90) ou votos em branco.
Sumiço do Bode 90
Poucos dias antes das eleições municipais de 2016, que ocorreram no dia 2 de outubro daquele ano, o Bode 90 desapareceu. A informação foi publicada na página do Facebook do então 'candidato'.
A notícia foi divulgada no dia 26 de setembro, faltando menos de uma semana para a data da votação. A publicação afirma que não se sabe se o animal foi roubado ou mesmo sequestrado.
“A certeza é que ele não está no seu local de vivência”, ressalta a publicação. O comunicado ainda aponta a hipótese de um "crime de motivação política".
Ao final da eleição, a prefeita Neta foi reeleita com 100% dos votos válidos – o equivalente a 3.971 votos. Por outro lado, foram 1.533 votos nulos e 229 votos brancos. Além disso, houve 532 abstenções.
Animais candidatos não são novidade
A candidatura do Bode 90 – e do Bode Ioiô – não foram fatos isolados dentro da política brasileira. Outros animais também foram candidatos em disputas eleitorais e, em alguns casos, chegaram a ser eleitos.
O caso era mais comum na época em que a votação era feita por meio de cédula de papel, como é o caso do Bode Ioiô, que foi 'eleito' em 1922. Inclusive, a ideia de um bode como candidato foi adotada em outro estado nordestino.
Na década de 1960, em Pernambuco, o Bode Cheiroso foi eleito vereador do município Jaboatão dos Guararapes, vizinho à capital pernambucana, Recife.
Já em São Paulo, os cidadãos elegeram um rinoceronte para uma das cadeiras da Câmara Municipal. Estima-se que a rinoceronte Cacareco recebeu quase 100 mil votos em 1959 na disputa por uma vaga no legislativo municipal.
Também existiram alguns 'candidatos' do mundo animal nas disputas por prefeituras no Brasil afora.
O chimpanzé Tião foi candidato em 1988 à Prefeitura do Rio de Janeiro. Ele ficou conhecido após jogar excrementos em alguns políticos que visitavam o zoológico onde o primata vivia na capital carioca.
Já na cidade de Vila Velha, no Espírito Santo, o candidato escolhido era bem menor: quase 30 mil eleitores escrevem "mosquito" na cédula da disputa pela prefeitura.