Voto feminino no Brasil completa 89 anos; mulheres ainda enfrentam sub-representação

Pesquisadoras relembram movimento sufragista e ressaltam necessidade de aumentar participação feminina nos cargos políticos

Em 24 de fevereiro de 1932, há 89 anos, o voto feminino foi permitido no Brasil. Essa foi a primeira conquista das mulheres no direito eleitoral. Pesquisadoras ouvidas pelo Diário do Nordeste explicam que o marco é digno de comemoração, mas ressaltam que ainda há muitas barreiras para das mulheres na política. 

Inicialmente, o direito ao voto era concedido apenas para mulheres casadas, com autorização dos maridos, e viúvas com renda própria. Dois anos depois, na Constituição de 1934, foi reconhecido o sufrágio às mulheres que tinham profissão remunerada. A doutoranda em Direito e professora de Direito Eleitoral, Jéssica Teles de Almeida, explica que as mobilizações para garantir o sufrágio feminino começaram antes, mas se fortaleceram nas décadas de 30 e 40. 

Antes de 32, mulheres poderiam lutar na justiça pelo voto, solicitando Fundamental Alistamento Eleitoral. Jéssica ressalta a luta de Diva Nolf Nazário, que tentou se alistar em 1922, mas foi negada inicialmente. 

"O juiz negou sob o argumento que, quando a constituição falava em homens, eram homens mesmo. Que poderiam votar e lutar em guerras", explica. 

Outra protagonista do movimento é Bertha Lutz, paulista deputada da Câmara Federal em 1936. A líder fundou o primeiro congresso feminista do país, após intenso contato com sufragistas da Inglaterra. 

Lutz foi representante do Brasil na Assembleia-Geral da Liga das Mulheres Eleitoras, da ONU, em 1922, e se elegeu vice-presidente da Sociedade Pan-Americana. 

"Tem estudos, que dizem que o movimento da igualmente de gênero só está na Carta da ONU é por conta da atuação de mulheres latino-americanas", segundo Jéssica. 

A professora afirma que o movimento pelo sufrágio era formado, em sua maioria, por mulheres brancas e de classe média, que tinham acesso à educação e contato com outras culturas. A participação feminina em espaços políticos formais teve seu avanço mais significativo em 1988.

"Esse sufrágio universal, eliminando qualquer barreira de classe, gênero, educacional, promoveu uma inclusão maior das mulheres na política, porque elas eram também a maior da população que não tinha alfabetização, não tinha acesso à renda".

Desde então, um número maior e mais diverso de mulheres ingressou na mobilização política. A professora ressalta o papel importante dos movimentos feministas na Assembleia Constituinte de 1988,  lutando contra as barreiras da Ditadura Militar para a redemocratização.

O maior desafio atual, analisa Jéssica, é aumentar o percentual de mulheres votadas e eleitas para cargos de representação política.

A outra face da democracia

As marcas institucionais e estruturais do machismo dificultam o acesso de mulheres a cargos políticos. Para Monalisa Soares, professora de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, a sub-representação feminina ainda é muito significativa. 

"Ainda que nós sejamos a maioria da porcentagem da população e a maior porcentagem do eleitorado, nós ainda vivemos situações de representação muito ínfima", analisa.

A análise também está presente em números. Nas eleições de 2020, apenas 16% dos vereadores eleitos são mulheres. Na Câmara Municipal de Fortaleza, 9 das 43 cadeiras são ocupadas por mulheres - 20,9% do total.

Em Brasília, a bancada feminina na Câmara dos Deputados tem 77 representantes, o equivalente a 15% do parlamento. Na Assembleia Legislativa do Ceará, há apenas seis deputadas estaduais.  

Nos cargos de votação majoritária, também há participação ínfima. Apenas uma mulher comanda a prefeitura de uma capital e uma foi eleita governadora. 

Para Monalisa, os números indicam que os temas relacionados diretamente  às vidas das mulheres continuam sendo pautados e decididos por homens. "Ter mais mulheres na política significava que a vida, a experiência, as discussões mais propriamente relativas às vidas das mulheres estariam sendo pautadas por elas e decididos por elas nesses espaços de representação", argumenta. 

A pesquisadora afirma serem necessárias medidas institucionais para garantir o acesso das mulheres ao espaço de poder, como a continuidade das cotas de candidaturas e reservas de fundos, e a adoção de reserva de cadeiras em cargos proporcionais. 

"Para além da lista de candidaturas, que fosse possível garantir a reserva de vagas na lista de eleitos. Para que assim nós pudéssemos ter a garantia que as mulheres pudessem efetivamente ocupar os espaços de poder", defenda. 

A professora Jéssica também reconhece a necessidade de os órgãos eleitorais tomarem ações mais efetivas e ressalta que os partidos reforçam a exclusão, como quando colocando mulheres em candidaturas laranjas. 

"A gente nota que, a medida em que o sistema jurídico se fortalece na proteção desse direito, algumas formas mais sofisticadas de burlar esse direito acabam surgindo na dinâmica política", explica. 

Conforme a doutoranda, é necessário avançar no reconhecimento das barreiras enfrentadas pelas mulheres para proteger a democracia.

"Temos que reconhecer a responsabilidade do estado brasileiro de promover essa inclusão. Se a exclusão foi legitimada pelo sistema jurídico, esse mesmo direito e esse mesmo estado devem que tem que buscar essa reparação", aponta.