O Ministério Público do Ceará (MPCE) ajuizou, nesta quinta-feira (29), uma ação civil pública contra o deputado estadual André Fernandes (Republicanos) por suposta prática de nepotismo na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), após ele empregar dois parentes – cunhado e tio – no seu gabinete. O órgão enquadra o ato como improbidade administrativa e pede à Justiça a suspensão dos direitos políticos do parlamentar e o pagamento de multa.
Em publicação nas redes sociais, André Fernandes admitiu que nomeou parentes para o gabinete. Disse ainda que irá "provar na Justiça que tudo que fiz foi legal".
De acordo com a ação ingressada pelo promotor de Justiça, Ricardo de Lima Rocha, o parlamentar nomeou o cunhado, Edilanio Louro de Sousa (esposo da irmã Cinthia Fernandes de Moura), e o esposo da tia, Bruno Wendel de Sousa Araújo (marido de Ruth Fernandes Sousa), como assessores parlamentares.
Os casos foram denunciados de forma anônima em janeiro deste ano ao Ministério Público.
Familiares exonerados
No dia 11 de fevereiro deste ano, após a denúncia, o MPCE consultou o portal da transparência do Legislativo e constatou o nome dos dois na lista de servidores ativos. Ambos estavam lotados no gabinete de André Fernandes.
Bruno Wendel e Edilanio Louro ocuparam os cargos de fevereiro de 2019 até o início deste ano. Após a abertura da investigação, eles foram exonerados. Wendel em fevereiro e Edilanio em março.
Nepotismo é proibido pelo STF
Na ação, o MPCE demonstra o parentesco dos dois com o deputado estadual em um quadro feito com base em jurisprudência estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 2008, o STF aprovou a Súmula Vinculante nº 13, que proibiu a contratação de parentes até 3º grau para cargos de confiança, de comissão e de função gratificada nos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Súmula vinculante é um entendimento firmado pela Corte para ser seguido por outros tribunais em ações que tratarem do mesmo assunto.
Veja o que diz a Súmula nº 13:
"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal."
No caso envolvendo André Fernandes, o Ministério Público aponta que Edilanio Louro, sendo cunhado, é parente de 2º grau do parlamentar, e que Bruno Wendel, esposo da tia de André Fernandes, é considerado tio dele e, portanto, parente de 3º grau.
"Não tenho dúvida do parentesco. Eles se manifestaram numa petição simplérrima, não juntaram nenhum documento. No processo, inclusive, tem a pesquisa que foi feita, constatando que eles não estão mais na Assembleia. Depois que eles foram notificados, foram exonerados, demonstrando que efetivamente são parentes".
Defesa dos familiares
Os agora ex-servidores foram convocados pelo órgão para prestar depoimento virtual, no último dia 18 de março, mas nenhum deles compareceu às oitivas. Edilanio Louro informou que o depoimento virtual não seria possível “por motivo de força maior”. Já Bruno Wendel disse que estava trabalhando na iniciativa privada.
Dias depois, eles enviaram ao MPCE a defesa por escrito.
Bruno Wendel informou que não era mais assessor de André Fernandes e que, mesmo se fosse, não estaria cometendo nepotismo, porque, segundo ele, não é parente do parlamentar.
“O que ocorre é que sou casado com uma tia do deputado, porém, são parentes por afinidade o sogro, a sogra, a nora, o genro e os cunhados. Além disso, mesmo se eu fosse parente, como se trata de cargo político, não se encaixa na hipótese de nepotismo”, argumentou.
Edilanio Louro também disse que não integrava mais o quadro de funcionários do deputado e que não era parente dele.
“Sendo certo que o nepotismo apenas atinge aqueles que possuem grau de parentesco direto com autoridade pública, não vejo como se enquadrar nesse requisito. Em verdade, fui nomeado como assessor pela qualidade da minha atuação e pela confiança que me é depositada”, defendeu.
André Fernandes também foi intimado a apresentar defesa, mas não se manifestou.
Cargos políticos?
Tanto Edilanio Louro como Bruno Wendel alegam que foram indicados para cargos políticos e não comissionados, porque anos depois da aprovação da Súmula Vinculante nº 13, o STF abriu uma exceção na aplicação da regra, permitindo a nomeação de parentes para cargos de “natureza política”.
O mesmo argumento foi usado por André Fernandes. Ao admitir que havia empregado parentes no gabinete, o deputado criticou uma suposta diferença de tratamento.
"Vou provar na Justiça que tudo que fiz foi legal. Ou a hipótese de nomear (parentes) para cargo de confiança só funciona para outros da esfera política?", questionou o parlamentar.
Ele citou jurisrpudência no caso do ex-governador Cid Gomes que nomeou o irmão, Ivo Gomes, para cargo de chefe do Gabinete do Executivo. Na época, o STF decidiu que a nomeação de parente para o exercício de cargo eminentemente político não contraria a Súmula Vinculante nº 13.
Este argumento, contudo, gera debates no meio jurídico e, segundo o promotor de justiça, Ricardo de Lima Rocha, não há um entendimento definido no Supremo. “O STF tem considerado a permissão em casos de primeiro escalão, mas a jurisprudência dominante com relação a isso é de que não pode”, sustenta.
Punições
O Ministério Pública configura os atos como improbidade administrativa e, como punição, pede à Justiça para os três envolvidos: a suspensão dos direitos políticos por um período de três a cinco anos; pagamento de multa de até 100 vezes o valor da remuneração recebida pelos ex-servidores; além da proibição de firmar contrato com o poder público ou receber benefícios fiscais durante três anos.
A ação foi protocolada no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) e vai tramitar em uma das varas da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza. A partir daí, o juiz designado para o caso deve intimar o deputado André Fernandes para apresentar defesa e, depois, abrir uma instrução para julgamento da ação.
O parlamentar foi procurado pelo Diário do Nordeste para comentar o teor da ação, mas não se pronunciou até a publicação desta reportagem.