Luís Miranda avisou equipe de Bolsonaro sobre ‘corrupção pesada’ em compra da Covaxin

Em março, o deputado da base aliada do governo trocou mensagens com um ajudante de ordens do presidente

Horas antes de se encontrar com Jair Bolsonaro e alertá-lo sobre suspeitas de corrupção na compra da Covaxin, em março, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) avisou um ajudante de ordens do presidente sobre o esquema. Ele disse estar "rolando esquema de corrupção pesado" na Saúde. "Tenho as provas e as testemunhas", escreveu o deputado. O conteúdo da conversa foi revelado nesta quarta-feira (23) pelo Estadão.   

O aviso foi enviado às 12h54 de 20 de março pelo aplicativo WhatsApp. O auxiliar do presidente respondeu apenas com uma bandeira do Brasil. Uma hora depois, Miranda, que pertence à base aliada do Governo, insistiu:

"Não esquece de avisar o PR [presidente]. Depois não quero ninguém dizendo que eu implodi a República. Já tem PF e o caralho no caso. Ele precisa saber e se antecipar"
A resposta foi outra bandeira do Brasil.  

Às 16 horas, Miranda informou ao ajudante de ordens que estava "a caminho" do palácio. O encontro em que Luís Miranda teria alertado Bolsonaro sobre supostas irregularidades na compra ocorreu em um sábado e não está registrado na agenda oficial do presidente. Naquele dia, Miranda publicou nas redes sociais uma foto ao lado do presidente.  

Segundo deputado, na ocasião, o presidente disse que acionaria a Polícia Federal para apurar o caso. Nesta quinta-feira (24), a PF disse não ter encontrado registro de algum inquérito sobre a compra da Covaxin. 

Após 48 horas, o político voltou a procurar o auxiliar de Bolsonaro.

"Pelo amor de Deus... isso é muito sério!", escreveu o deputado em 22 de março. Sem resposta, ele voltou ao assunto no dia seguinte. "Bom dia irmão, o PR está chateado comigo? Algo que fiz?". O auxiliar do presidente respondeu: "Negativo, deputado. São muitas demandas. Vou relembrá-lo".  

O deputado enviou ao ajudante de ordens uma fatura de compra, em nome da empresa Madison Biotech, no valor de US$ 45 milhões, referente à importação da Covaxin. O pagamento, porém, dependia da assinatura de seu irmão Luís Ricardo Miranda, chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, que se recusou a subscrever o documento sob a alegação de que havia ali várias irregularidades.  

Apesar dos avisos de Miranda, o Governo Federal seguiu com o negócio em que prevê pagar por cada dose da vacina um preço 1.000% maior do que o anunciado pela própria fabricante seis meses antes.  

O contrato de compra de 20 milhões de doses da Covaxin, no valor de R$ 1,6 bilhão, é alvo de investigação do Ministério Público Federal. O preço unitário da dose foi fechado em US$ 15, quando, seis meses antes, havia sido estimado em US$ 1,34. O preço é o mais alto dentre todas as vacinas adquiridas pelo Ministério da Saúde. A pasta afirma que só fará o pagamento quando receber os lotes.  

CASO SERÁ LEVADO À CPI  

O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), viu como "preocupante" a denúncia de Miranda. Aziz classificou as acusações de irregularidades na contratação da Covaxin como "gravíssimas" e disse ter pedido informações à Polícia Federal para saber se Bolsonaro havia solicitado que as suspeitas fossem apuradas.  

"Temos que ter muito cuidado porque talvez tenha sido a denúncia mais grave que a CPI recebeu até agora", afirmou o senador.   

A comissão aprovou, na quarta-feira, a convocação do deputado Luís Miranda e do irmão, Luís Ricardo Miranda. 

Investigação da Polícia Federal

Com uma série de ameaças ao deputado Luis Miranda, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, afirmou na quarta-feira que o presidente Jair Bolsonaro determinou uma investigação da Polícia Federal sobre o parlamentar e seu irmão, o servidor Luis Ricardo Fernandes Miranda. O motivo são as denúncias sobre um esquema de corrupção na compra de vacina contra Covid-19.

"Ele vai se entender com Deus e com a gente também", disse o ministro em pronunciamento no fim da tarde no Palácio do Planalto.

"O presidente determinou que a Polícia Federal abra uma investigação sobre o que disse o deputado Luis Miranda, sobre as atividades do seu irmão, servidor público do Ministério da Saúde, e todas essas circunstâncias expostas hoje", disse Onyx, explicando, em seguida, que o alvo da apuração não serão as suspeitas de corrupção no governo, mas os denunciantes. "Quero alertar o deputado Luis Miranda que o que foi feito hoje é no mínimo denunciação caluniosa e isso é crime tipificado no Código Penal", completou o ministro.

No pronunciamento, em que não permitiu a jornalistas que fizessem perguntas, Onyx afirmou que Miranda pode ter apresentado documentos falsos para reforçar o relato. Com uma cópia de um desses papéis na mão, insinuou que parte dele foi forjado. "A má-fé é clara, a suspeita da falsificação é forte. A Polícia Federal e os peritos é quem vão determinar", disse o ministro.