Juízes criticam falta de debate sobre reforma

Pelo País, associações de magistrados do Trabalho têm buscado contrapor argumentos em defesa da CLT

Alvo de declarações polêmicas que partiram de parlamentares nos últimos dias, a Justiça do Trabalho tem buscado reafirmar o papel de "marco civilizatório" que lhe foi atribuído enquanto acompanha - e participa - das discussões em torno da reforma trabalhista que, hoje, tramita na Câmara dos Deputados. Com avaliação quase uníssona de que mudanças na lei propostas pelo governo Temer devem significar perda de direitos historicamente assegurados aos trabalhadores, então, magistrados trabalhistas imprimem esforços a contrapor argumentos do governo, mas sem qualquer certeza de que suas vozes poderão ecoar no Congresso Nacional.

A mobilização está nas palavras do juiz trabalhista Antônio Gonçalves Pereira, titular da 1ª Vara do Trabalho de Caucaia, que preside desde 2014 a Associação dos Magistrados do Trabalho da Sétima Região (Amatra VII). Principal dirigente da entidade, que reúne 92 associados no Ceará, ele afirma, em entrevista ao Diário do Nordeste, que é uma "falácia dizer que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é velha", e também discorda da alegação de que flexibilizar a legislação é caminho para gerar empregos no Brasil.

Palavra-chave de defensores da reforma, aliás, tal flexibilização, para o magistrado, precariza as relações de trabalho e tem inconsistências constitucionais que podem ser questionadas mesmo que o projeto de lei 6787/16 seja aprovado na Câmara e no Senado Federal.

Situações questionáveis

"Com raras exceções, a grande maioria dos juízes é contra a reforma da forma como estão colocando, porque ela representa situações questionáveis", afirma. "O teor máximo é dar força de lei às convenções e acordos coletivos, querendo o patronato que o que decidirem o empregado e o empregador tenha validade superior à norma que vem do Congresso Nacional, que seria o órgão próprio para estabelecer a legislação. Na grande maioria dos juízes, você tem esse posicionamento, de que ela vem para precarizar", acrescenta.

Antônio Gonçalves Pereira diz isso porque, conforme avalia, além de os trabalhadores serem o elo mais fraco na relação entre capital e trabalho, o Brasil, de maneira geral, não tem "uma organização sindical tão forte". Ele aponta, por exemplo, que apenas 17% dos trabalhadores brasileiros são associados a entidades representativas atualmente, o que, somado "à falta de consciência política" da maioria da população, afetaria a relação que sustenta a reforma.

"Os trabalhadores brasileiros, em síntese, não têm esse nível de consciência, a exemplo da Inglaterra, da Alemanha, onde você tem participação, na vida associativa do sindicato, de um grande contingente de trabalhadores. Isso traz dificuldade enorme para se estabelecer uma norma, uma convenção coletiva, onde você não tem trabalhadores conscientes no sentido de que construam essa própria norma".

Questionado se a flexibilização proposta é juridicamente possível, o juiz do trabalho, por sua vez, cita que "as flexibilizações possíveis estão dentro da Carta Constitucional", uma vez que o texto constitucional já prevê possibilidades e limites de flexibilização na legislação trabalhista. Pereira afirma que a proposta de reforma tem "vícios de constitucionalidade".

Para ele, críticas à CLT, aliás, não têm sustentação. Enquanto o Palácio do Planalto e parlamentares da base aliada do presidente Michel Temer (PMDB) alegam que uma "modernização" das leis é necessária para impulsionar a geração de postos de trabalho, uma vez que a CLT em vigor, conforme pregam, impõe custos que comprometem a competitividade da economia brasileira, o magistrado nega que a legislação é defasada e carente de modernizações.

"Ela (a CLT) é de 1943, e já tem quase todos os seus artigos adaptados. Isso é uma falácia, dizer que a CLT é velha. Ao longo desses tantos anos de existência da CLT, ela sempre foi modernizada, teve reformas, quase todos os artigos foram modificados e novas situações vieram a ser regulamentadas. Então, não existe essa situação de modernizar. O que precisa ser feito, se existem pontos de estrangulamento, são um ou outro, insignificantes".

Modernização relativa

Alguns destes pontos, aponta Antônio Gonçalves Pereira, dizem respeito a aspectos processuais, como ao fato de que reclamações arquivadas na Justiça do Trabalho interrompem a prescrição. Ele afirma, porém, que o empresariado tem usado chavões em nome de uma modernização sem esclarecê-la. "O que tem que modernizar? Cortar salário, aumentar a carga de trabalho? Como você vai modernizar se todo o arcabouço legal mínimo, o que tem na Constituição Federal, no artigo sétimo, é o mínimo que o legislador disse razoável para que o trabalhador possa se manter, juntamente com sua família?", questiona.

O magistrado demarca, ainda, que não é estatisticamente comprovado que a flexibilização das leis trabalhistas é impulso para gerar postos de trabalho. "Tivemos, nos últimos governos, um índice de empregabilidade altíssimo, um índice de desemprego pequeno, (de) 4,7%, e não foi preciso destituir a Justiça do Trabalho. O que gera emprego é desenvolvimento, é melhoria da infraestrutura. A Justiça do Trabalho é um marco civilizatório para diminuir essa acidez do conflito entre patrão e empregado, é uma maneira de pacificação social", defende.

Tal sentença, inclusive, vem em tom de resposta a declarações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que, no último dia 8, afirmou que a legislação vigente gera desemprego e insegurança a empregadores. Ele também acusou que juízes trabalhistas vêm tomando "decisões irresponsáveis", que quebraram, por exemplo, "o sistema de hotel, bar e restaurantes no Rio de Janeiro", para depois dizer que "a Justiça do Trabalho não deveria nem existir".

Para Antônio Gonçalves Pereira, "irresponsável" é a declaração de Maia. "Não são os magistrados que quebram os setores. A economia em si, os governos é que quebram, a iniciativa privada é que não consegue operar e quebra, é do sistema", analisa. "O que leva os empregadores à Justiça? O descumprimento da lei. O empregador não vai lá por diletantismo do empregado. Só vai empregador que não cumpre com os seus deveres", completa.

Impacto

Perguntado, então, sobre qual seria o impacto da reforma, se aprovada, na Justiça do Trabalho, o magistrado diz que vem "de muito tempo" uma tentativa de desconstrução da jurisprudência trabalhista. Segundo ele, apesar de ter "perdido força" durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), uma reforma trabalhista esteve "latente" desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Além disso, o juiz expõe que a Justiça do Trabalho sofre perdas desde o fim do governo de Dilma Rousseff. Exemplo disso foi o contingenciamento orçamentário de 2016, com diminuição de 90% nos gastos com investimento e de 30% em despesas de custeio. "Para manter sua condição, (a Justiça) não poderia ter sofrido aquele abalo no seu custeio, tanto é que diversas situações foram minimizadas", lembra.

No atual cenário, porém, Antônio Gonçalves Pereira frisa que 24 associações regionais de magistrados trabalhistas, além da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), estão engajadas no debate acerca da reforma. Ele reclama, contudo, que não vê interesse do governo e do Congresso em promover "ampla discussão" com a sociedade sobre necessidades de mudanças à legislação.

Sem debate

"Tudo nesse governo tem sido de afogadilho, tudo tem sido apressado, justamente para que a sociedade não debata. Existe um consenso entre eles de que há necessidade da reforma e não existe discussão, tanto é que se estabelece o calendário de quando a reforma deverá ser aprovada", critica. Até lá, entretanto, ele projeta que haverá "muita resistência" da classe trabalhadora nas ruas e, mesmo que virem lei, as alterações poderão ser questionadas judicialmente.

"Muitas discussões aparecerão sob o ponto de vista constitucional: se é possível essa reforma, se aquela cristalização das possibilidades mínimas é só daquelas previstas no artigo sétimo da Constituição ou se realmente o legislador poderia alterar e permitir que o empregado e o empregador pudessem estabelecer dentro dessas várias hipóteses, se a Constituição permite que isso aconteça", enfatiza o juiz.

Críticas

"Ela (a CLT) é de 1943, e já tem quase todos os seus artigos adaptados. Isso é uma falácia, dizer que a CLT é velha. (...) Ela sempre foi modernizada, teve reformas"

"Tudo neste governo tem sido de afogadilho, tudo tem sido apressado, justamente para que a sociedade não debata"

Antônio Gonçalves Pereira
Juiz do Trabalho e presidente da Amatra VII