Glêdson Bezerra aposta em corte de gastos e diálogo com a Câmara para implementar ações em Juazeiro

Na série de entrevistas "O traçado da gestão", o prefeito explica que, antes de efetivar novas políticas públicas, a prioridade é controlar dívidas do município. O planejamento das romarias e a construção de um aterro sanitário consorciado também estão no radar

Os eleitores de Juazeiro do Norte seguiram, em 2020, uma tradição consolidada na política municipal do maior município da região do Cariri: não reelegeram prefeito. O comando da Prefeitura da cidade, pelos próximos quatro anos, está a cargo de Glêdson Bezerra (Podemos) - ex-vereador que integrava a oposição ao ex-gestor municipal derrotado, Arnon Bezerra (PTB). Segundo ele, o principal desafio do início de gestão - que já norteia ações no primeiro mês de mandato - gira em torno de equilibrar as contas públicas e enxugar os gastos do município.  

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Em entrevista exclusiva ao Sistema Verdes Mares, o prefeito de Juazeiro do Norte detalha como estão as finanças municipais neste início de governo e os planos para o enxugamento, principalmente, da folha de pagamento da Prefeitura. Com a preocupação do fim do estado de calamidade pública, ele defende a necessidade de manter os gastos com pessoal dentro do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).  

Além disso, ele aposta em parcerias com o setor privado e com os governos estadual e federal para a concretização de políticas públicas em Juazeiro do Norte. A principal delas é a campanha de vacinação contra a Covid-19, inclusive pela possibilidade de retomada das romarias no município - eventos religiosos consolidados no calendário nacional e importante fonte de renda e de geração de emprego na cidade. Com outros municípios da região, uma das metas é a construção de um aterro sanitário consorciado.

Confira a entrevista: 

O senhor já está à frente da gestão desde o início de janeiro. Qual a realidade da Prefeitura, principalmente em relação às finanças municipais? 

Em números redondos e preliminares, a Prefeitura já contabilizou débitos na casa dos R$ 70 milhões. Dentro deles, tem débitos que não tem como esperar para amanhã, como, por exemplo, a empresa que faz a coleta de lixo em nosso município. Ela reclama R$ 3,9 milhões, com os quais precisa pagar seus fornecedores e funcionários. Temos um contrato vigente em andamento e estamos renegociando para baixar o valor com essa empresa.

Nós temos constatação de dívidas junto à empresa que cuida da única UPA (Unidade de Pronto Atendimento)  do nosso município e do Hospital São Lucas, único que fazia cirurgias eletivas, e nós temos mais de mil cirurgias na fila de espera. Essa empresa reclama um débito na casa dos R$ 8,8 milhões. Fornecedores das clínicas, dos laboratórios e das empresas que oferecem o serviço de atendimento domiciliar, como camas hospitalares e outros equipamentos, estão reclamando da falta de pagamentos.

Paralelo a isso, nós temos necessidades já da nossa gestão, como manter as ambulâncias funcionando, gasolina nos veículos e prédios públicos que estão com os pagamentos dos aluguéis atrasados em três meses. Apenas com iluminação pública, há uma dívida de R$ 3 milhões. (...) Pior do que tudo isso, temos uma folha de pagamento de R$ 23 milhões, que ainda é de dezembro.

Esse é o nosso maior gargalo, porque são R$ 23 milhões em débito e apenas R$ 5 milhões em caixa. Acabei de falar uma série de dívidas que não podemos deixar para amanhã, fora outras tantas que não tenho como elencar em uma única fala, mas se eu pegar esses R$ 5 milhões e não pagar nada disso - aluguel, luz, combustível... Se nada disso for pago e for utilizado apenas para pagar a folha, ainda fica um débito de R$ 18 milhões apenas de pessoal. A folha de pagamento estamos querendo enxugar para R$ 20 milhões.  

Como vai ser feita essa diminuição da folha de pagamento? 

Nós recebemos uma folha de R$ 23 milhões e acredita-se que a gente fecha, em janeiro, em R$ 20 milhões - com a diminuição de pouco mais de R$ 3 milhões. Porém, não podemos comemorar, porque vem a necessidade de convocar os concursados, que custam ao município um valor muito maior do que hoje é gasto com contratados. (...) Em números redondos, Juazeiro do Norte tinha, em dezembro, mais de 9,5 mil servidores. Arredondando para baixo, eram quatro mil temporários, quatro mil comissionados e mil concursados, o que dá em torno de 9 mil servidores na gestão anterior.

Na nossa, infelizmente, tem que estar longe desse número. Tm que enxugar muito esse número de comissionados. (...) Vou ter todo o cuidado do mundo, junto com a equipe toda, para a gente não estourar o limite de gastos de pessoal, porque em 2020 houve uma brecha, por conta da pandemia, e os gestores puderam estourar os limites com a folha de pagamento. O problema fica para a gente. 

Como será o desafio de alocar os concursados e ainda enxugar a folha? 

É o que tem causado dor de cabeça para a gente, porque quando você fala em dívidas, como a gasolina de um veículo, por exemplo, é possível diminuir rotas. Para economizar, tem como deixar de fazer construções ou de implementar serviços ou programas novos, por exemplo.

Agora, quando você coloca os concursados na folha, se houver uma queda na arrecadação, e 2021 vai ser um ano de queda no Orçamento municipal, eles continuam a compor o percentual com gasto com pessoal, que deve ser menor que 54% do Orçamento. Então, é uma baita dor de cabeça. São números elevadíssimos e a gente vai ter que lidar com essa situação para atender da melhor maneira.  

Muita gente pode começar a procurar os prédios públicos, ir na UPA, no Hospital São Lucas e em outros equipamentos públicos, e enfrentar dificuldades decorrentes dessa reorganização nas contas da Prefeitura. Como a Prefeitura irá informar isso pra população? 

Vamos fazer uma verdadeira peregrinação junto às entidades. Agora, além da cobertura jornalística, vêm também as redes sociais, por onde, certamente, essa nossa voz vai ecoar e vai chegar aos ouvidos de boa parte da população. Para uma outra parte da população, que normalmente não tem muito acesso às informações, nós vamos ter que contar com a força dos nossos servidores para esclarecer tudo que está acontecendo.

Do outro lado, nós temos que implementar medidas de melhoria na arrecadação, corte desses contratos, diminuição nos valores totais de outros tantos, enxugar a folha de pagamento, gerenciar essa dívida toda e ir em busca de apoio. Nós iremos também buscar que parlamentares coloquem suas emendas aqui, especialmente para pagar essa folha de pagamento e, aos poucos, nós iremos sair dessa situação.

Embora seja um ano de Orçamento baixo e de pandemia, no qual se prevê que será o menor orçamento dos últimos tempos, nós vamos encarar esse desafio e conscientizar as pessoas. Sei que isso vai causar muitos dissabores, muitas dores de cabeça, mas o caminho inicial é esse. 

O senhor anunciou a diminuição dos cargos comissionados. Quais serão outras mudanças na estrutura administrativa da Prefeitura?

Nós já estamos transferindo servidores efetivos entre as secretarias, mas não vou mexer no organograma, até porque não tem clima político para isso. Corre-se o risco, se houver uma avaliação açodada, de colocar a administração em uma situação impraticável. Para que isso não aconteça, vamos manter a estrutura organizacional, mas na prática já estou retirando engenheiros concursados da Secretaria de Meio Ambiente, onde o serviço não era utilizado como deveria, e colocando na Secretaria de Agricultura, para evitar novas contratações.

A orientação para toda a equipe é buscar parcerias. Apesar de termos uma folha de pagamento muito elevada, existem serviços que vamos ter que implementar. Para isso,  nós vamos buscar parcerias para diminuir os custos. (...) Eu acredito na nossa capacidade de gestão, de apertar os cintos, de cortar custos e que, uma vez a casa em ordem, nós em busca de parceiros e de emendas parlamentares e com o trabalho que vamos fazer, o dinheiro vai render. Temos quatro anos para desenvolver os projetos que sonhamos e colocamos como plano de intenções no nosso programa de governo. 

Pela primeira vez, no ano passado, Juazeiro não viu romeiro na rua, não viu a economia girar impulsionada pelas romarias. Quais são os planos para esse setor turístico?   

No primeiro momento, nós não podemos falar em incremento de romarias sem envolver todo o contexto de pandemia. Estamos seguindo uma orientação junto ao Governo do Estado e às próprias ações do Governo Federal, nas quais existem limitações quanto a aglomerações. A fase agora é de muito planejamento. Temos um secretário (Padre Paulo, secretário de Turismo e Romaria) muito alinhado com a Igreja Católica, que é fundamental e crucial para que as romarias sejam fortalecidas.

Nós temos uma ideia de acolhimento humanizado aos nossos romeiros, um trânsito mais organizado, investir em saneamento e na requalificação do roteiro da fé. Queremos fazer parcerias com universidades, para termos mão de obra qualificada na hotelaria e nos serviços. Mas vale salientar: agora em fevereiro, por exemplo, não vai ter romaria. Vai ficar no campo das ideias, na fase do planejamento, para a execução a posteriori. 

Como tem sido feito o planejamento da Prefeitura em relação à vacinação (contra a Covid-19)? Existe a possibilidade de aquisição com orçamento próprio, por exemplo?  

Com relação à possibilidade de aquisição própria, existe uma necessidade de avaliação jurídica do caso. Há quem afirme que o município não pode fazer essa aquisição, portanto, juridicamente, nós temos que superar essa questão. Mas ainda que Juazeiro quisesse comprar, nós temos essa situação: sem dinheiro no caixa nem para pagar a folha. Diante disso e da necessidade urgente de vacinar nossa gente, nós estamos buscando parceiros.

Tivemos reuniões com o Secretário de Atenção Especializada em Saúde (do Governo Federal), coronel Franco Duarte, e fizemos esse pedido para Juazeiro do Norte, para que tenhamos essas vacinas a partir desse olhar do Governo Federal. Buscamos encontro entre os prefeitos, com o presidente da Assembleia Legislativa e o Governo do Estado, uma vez que, diante da situação em que Juazeiro se encontra, estamos sem dinheiro para resolver esses problemas, mesmo que juridicamente fosse possível.  

Há alguns anos a população de Juazeiro, mais precisamente na Palmeirinha, reclama da fumaça e de diversos problemas provenientes do lixão. Como o senhor pretende agir nesse sentido? Há intenções de resolver essa questão em diálogo com os municípios vizinhos? 

Com certeza a união de esforços poderá baratear o custo com a destinação final do resíduo sólido, que é muito elevado. Porém, paralelo a isso, nós temos que chamar atenção para essa questão do lixo da Palmeirinha. Ainda que a gente venha a resolver o problema do lixão ao transformá-lo em um aterro consorciado - e nós vamos empreender esforços para isso -, aquele lixão (da Palmeirinha) ainda vai continuar entrando em combustão durante muito tempo, por conta da grande quantidade de material ali depositado.

São muitos gases. Teremos que investir muito para sanar o problema daquele fumaceiro existente ali. Quando nós tivermos o lixo sendo pago através de uma balança que funcione, o município vai se sentir pressionado a diminuir a quantidade de resíduos sólidos e buscar essas políticas transversais como coleta seletiva, como a parceria com essas associações de catadores, até com investimentos com uma bolsa para catadores.

Isso não é fácil, mas esse desafio precisa ser encarado, porque é um dos contratos mais elevados do município - até dezembro, o município estava pagando R$ 4,5 milhões só para recolher lixo, tirando o aluguel do lixão. Se não temos dinheiro e precisamos economizar, o incremento das políticas transversais é necessário. 

 

Em diferentes ocasiões, o senhor mencionou a necessidade de auditar as contas da Prefeitura. Essas auditorias vão ocorrer?

De certo modo, é o que os secretários estão fazendo neste momento. Apresentei números muito curtos e muito diretos de dívidas pontuais. Cada secretário está fazendo um pente fino em relação a várias situações: (Possibilidade de) Existência de servidores fantasmas, contratos com medições não realizadas e pagas, enfim, tem muita coisa a ser avaliada.

Fora isso, é nossa intenção a contratação de uma empresa que faça o controle externo permanente das nossas contas e, fatalmente, vai identificar o que aconteceu na gestão anterior. Queremos, agora, ter esse acompanhamento permanente e ter o controle da situação do nosso próprio governo.  

Como a sua experiência no Legislativo, tendo sido parlamentar por vários mandatos e presidente da Câmara Municipal, vai ser determinante na relação com o Legislativo?   

Acredito que a experiência vai me dar a maturidade necessária para entender o momento e saber que estamos vivendo um momento que certamente não será compreendido por todos. Até dezembro, o município tinha 4 mil contratos temporários. Até para possíveis indicações políticas, era uma margem muito grande. Isso fora os mil comissionados. Nós não podemos ter isso, já começa por aí. E, muitas vezes, a pessoa que está lá na ponta, sendo pressionada também, não consegue compreender que não dá mais para fazer esse tipo de composição.

Vou ter que usar experiência para saber o momento de cada um, a dificuldade de cada um, entender que eles têm as demandas deles também e ter muita humildade para apresentar números e dados e ser o mais transparente possível.

A experiência demanda e orienta que, com transparência, você pode até não agradar, mas pode convencer. E quando você não convence, você pode, pelo menos, calar. Nós estamos aqui dispostos a conversar com todos, mostrar a realidade do município, essa mudança de paradigma que estamos enfrentando, e acredito que, aos poucos, venha um grande número de pessoas nessa corrente positiva de tentar melhorar a situação da cidade.  

O seu vice-prefeito, Giovanni Sampaio (PSD), tem uma ligação com o governador Camilo Santana (PT), e o senhor citou essa disponibilidade para o diálogo com ele. Como vai ser a relação com o Governo do Estado? 

Realmente, o Dr. Giovanni tem essa amizade particular com o governador, e acredito que Juazeiro do Norte ganha quando ele conta com dois gestores muito responsáveis. É ilógico um prefeito de uma cidade na situação de Juazeiro, da forma como Juazeiro é - e qualquer outro município - se dar ao luxo de querer se colocar em situação de oposição ao governo.

Nós fomos eleitos para administrar e temos que administrar com o Governo do Estado e com o Governo Federal. Estou muito tranquilo com relação a isso. Inclusive votei no governador.

Mas, independente do meu voto ou não, sou um prefeito de uma cidade de 276 mil pessoas e tenho a humildade de reconhecer que, sozinho, Juazeiro não tem força suficiente. Contamos com a responsabilidade e com a grandeza do governador em olhar para Juazeiro do Norte com o mesmo olhar que sempre teve.