O novo presidente do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM), conselheiro Domingos Filho, tomou posse ontem (6) em clima de guerra contra o Legislativo estadual. "Tenho que defender o órgão (TCM). Se a Assembleia Legislativa tenta extinguir o Tribunal, ela é minha inimiga", afirmou em entrevista após ser empossado para o biênio 2017-2018. Entretanto, o novo presidente declarou estar "sereno" sobre a atuação da Corte de Contas e prometeu tentar aproximar o TCM da sociedade e dos órgãos de combate à corrupção.
"Se tem alguém que está sereno para fazer planejamento, esse alguém sou eu. Temos uma liminar da Suprema Corte e, por causa disso, a Assembleia não pode fazer nada (contra nós)", disse. A Assembleia Legislativa aprovou, no fim de 2016, emenda à Constituição Estadual que fundiu o TCM ao Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE). Os efeitos da medida foram suspensos poucos dias depois, em decisão liminar da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Carmén Lúcia.
Em seu discurso de posse, Domingos também não poupou deputados estaduais e o governador Camilo Santana (PT) de críticas. De acordo com o novo presidente, a aprovação da PEC que extingue o TCM, de autoria de Heitor Férrer (PSB), foi uma ação "desproporcional, desarrazoada, disforme, abusiva, imoral e inconstitucional" que contou "com uma manipulação política indisfarçada do governador do Estado do Ceará".
Rompimento
Ele afirmou que, como presidente do órgão, comandará "a cruzada política, institucional, jurídica e judicial que se fizer necessária para salvar o Tribunal dessa ação política deprimente".
Oficialmente, o Legislativo estadual decidiu fundir as cortes de contas sob o argumento de racionalizar gastos. Entretanto, nos bastidores, parlamentares apontavam que a medida seria uma retaliação a interferências de Domingos Filho e de seu antecessor, Francisco Aguiar, na eleição pela presidência da Assembleia Legislativa, que ocorreu em dezembro do ano passado.
Francisco é pai de Sérgio Aguiar (PDT), que disputou o comando do Legislativo estadual contra o atual presidente, Zezinho Albuquerque (PDT). Aguiar foi apoiado pelo grupo liderado pelo deputado federal Domingos Neto (PSD), filho do novo presidente do TCM. Ambos os conselheiros negam as acusações. "Não há um fundamento sequer, a não ser uma denúncia falaciosa do senhor Ivo Gomes", disse Domingos, referindo-se a acusações do então deputado estadual de que conselheiros estariam pressionando deputados por votos em Aguiar.
Camilo, por sua vez, já havia dito em entrevistas que retaliações não são de seu feitio, mas mostrou-se favorável à fusão das duas cortes de contas.
Francisco Aguiar, em seu discurso de despedida, foi mais discreto que o sucessor. A fala foi quase toda voltada a um balanço de sua gestão, destacando os esforços para digitalizar recursos da Corte de Contas. A única referência à emenda constitucional foi ao afirmar que, "mesmo sob ameaça de extinção", o Tribunal seguiu fazendo seu trabalho.
Conselheiro do TCM há dez anos, Francisco Aguiar foi eleito presidente para o biênio 2013-2014 e, depois, reconduzido ao posto para 2015-2016. Já Domingos Filho é conselheiro da Corte de Contas desde 2014. Ontem, também foram empossados nos cargos de vice-presidente e de corregedor do TCM, respectivamente, os conselheiros Manoel Veras e Pedro Ângelo.
Ausências
A sessão de posse foi marcada por presença maciça de parlamentares de oposição ao Palácio da Abolição. Entretanto, os líderes do Executivo, Camilo Santana, do Legislativo, Zezinho Albuquerque, e do Judiciário, a presidente do Tribunal de Justiça do Ceará, desembargadora Iracema do Vale, não foram ao evento. Nem a Assembleia nem o Governo do Estado enviaram representantes. "Ainda bem. Se eles são nossos algozes, não seriam bem-vindos", disse Domingos.
Dentre as autoridades presentes, estavam o presidente da seccional cearense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Marcelo Mota, a conselheira do TCE-CE, Soraia Victor, e o ministro da Ciência e Tecnologia e presidente nacional licenciado do PSD, Gilberto Kassab. A procuradora de Justiça Vanja Fontenele representou a Procuradoria dos Crimes contra a Administração Pública. Também compareceram prefeitos de municípios do Interior, como o de Caucaia, Naumi Amorim (PMB), aliado do governador. O prefeito da Capital, Roberto Cláudio (PDT), porém, não foi à posse. Ele é membro do grupo político dos irmãos Ferreira Gomes, que rompeu com Domingos Filho.
Opositores
Representado pela deputada Silvana Oliveira (PMDB), o senador Eunício Oliveira (PMDB), opositor do Governo, enviou carta que foi lida na solenidade. No texto, ele diz que a Corte de Contas foi extinta "a toque de caixa", sem ouvir a sociedade cearense. "É urgente que unamos forças em defesa do Tribunal de Contas dos Municípios", pediu.
Para o deputado Capitão Wagner (PR), o motivo da ausência dos governistas foi constrangimento. "Ficou muito claro o desejo do governador de extinguir o órgão. Ficou muito claro que ele usou todas as ferramentas disponíveis", declarou. Odilon Aguiar (PMB) afirmou o mesmo. "Eles estão com vergonha do absurdo que propuseram".
A assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa informou que Zezinho Albuquerque não compareceu à posse porque cumpria agenda no Interior. Roberto Cláudio, justificou a Prefeitura de Fortaleza, não foi porque participava, no mesmo horário, da inauguração da nova Central de Controle de Tráfego da AMC. A assessoria de imprensa do Governo do Estado não atendeu às ligações da reportagem.