Dos oito municípios cearenses onde prefeitos eleitos ainda não tomaram posse, um em especial chama atenção pelas idas e vindas de decisões judiciais que deixam inseguranças pairando sobre a gestão da cidade. É Viçosa do Ceará, onde o prefeito eleito Zé Firmino (MDB) ainda não assumiu o comando do município por não ter sido diplomado pela Justiça Eleitoral, mesmo tendo liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) a seu favor, determinando que a diplomação e a posse ocorressem imediatamente.
Uma cerimônia de posse, inclusive, chegou a acontecer no dia 1º de janeiro, mas o ato foi invalidado pelo juiz eleitoral da 35ª zona eleitoral, Moisés Brisamar Freire, por ter ocorrido sem diplomação.
Com isso, a determinação do STF ainda não foi cumprida, deixando a administração pública em um “limbo” até ontem, quando o presidente da Câmara Municipal, vereador Manuel Alves de Sousa (MDB), conhecido como Manuel Crente, foi conduzido ao cargo de prefeito de forma interina.
Tamanho é o imbróglio jurídico no município que é como se a cidade estivesse iniciado o período de gestão sem prefeito. Isso porque ao determinar a anulação da posse de Zé Firmino, o juiz eleitoral também “suspendeu os efeitos de todos os atos jurídicos praticados pelos promovidos” na ação, que além do prefeito inclui o vice eleito, Dr. Marcelo (MDB), e o presidente da Câmara, Manuel Crente. Brisamar Freire também determinou que o comandante do Legislativo Municipal tomasse posse de forma interina, já que a legislação o delega como responsável por assumir a administração do município na ausência do gestor titular.
Embates
A decisão do juiz eleitoral anulando a posse de Zé Firmino foi proferida ontem, atendendo a uma solicitação do Ministério Público do Ceará (MPCE), que pedia a anulação até a diplomação e, finalmente, a conclusão do empossamento do gestor no cargo. Mais tarde, o magistrado Brisamar Freire também decidiu convocar a cerimônia de diplomação para amanhã (8), às 11h, logo após nova contagem de votos – já que os sufrágios recebidos pela chapa do emedebista estavam anulados por conta da pendência judicial.
Agora, os votos serão revalidados. A deliberação cumpre, agora, a liminar do STF, expedida pelo ministro Gilmar Mendes, relator do processo, no dia 31 de dezembro do ano passado.
Todavia, antes de convocar a diplomação, o juiz eleitoral ainda questionou o ministro sobre como o ato de diplomação deveria ser realizado. As indagações à decisão da Suprema Corte foram avaliadas pelo ministro como uma forma de “resistência” ao cumprimento da ordem. Diante disso, Gilmar Mendes determinou, novamente, o cumprimento imediato da liminar e advertiu o juiz do caso.
A situação em torno das deliberações sobre o registro de candidatura da chapa de Zé Firmino levanta questionamentos sobre a atuação do Judiciário. O emedebista está com o registro de candidatura sub judice na Justiça Eleitoral por suposto abuso de poder econômico durante a campanha, por isso ele não podia assumir o comando da prefeitura. Todavia, o gestor conseguiu uma liminar que o permite tomar posse até que se esgotem os recursos em todas as instâncias jurídicas.
Para a advogada Isabel Mota, especialista em Direito Eleitoral, aponta que o caso pode ter consequências para diferentes atores envolvidos. “As consequências para o processo é o prejuízo que as partes, que no caso são os candidatos eleitos, sofrem pelo retardo do cumprimento da decisão do Supremo. Eles podem até adotar providências junto ao Tribunal Regional Eleitoral”, explica Mota.
Ainda conforme a advogada, apesar da posse de Zé Firmino realizada no dia 1º ser ilegal, o juiz poderia apenas ter diplomado o gestor. “Ao juiz só caberia diplomar, não caberia mais nenhuma decisão. Ele não devia ter anulado, porque, com a diplomação, a posse que foi feita irregularmente deixaria de ter relevância”.
Outros casos
Viçosa do Ceará não é o único município ainda não governado pelo gestor eleito em novembro de 2020. Em Barreira, o TRE-CE decidiu indeferir o registro de candidatura da prefeita eleita, Maria Auxiliadora Bezerra Fechine (PSD). A defesa entrou com recursos na Corte Regional, que foram negados. Assim, o caso chegou ao TSE. O ministro Luís Felipe Salomão negou o prosseguimento do recurso especial interposto pela defesa.
Auxiliadora teve as contas desaprovadas, em julho de 2018, pelo então Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM-CE). As acusações que pesam contra ela são da época em que a prefeita eleita geriu o Fundo Municipal de Saúde de Barreira. Procurada pela reportagem, a assessoria da prefeita eleita informou que Auxiliadora Fechine ainda aguarda julgamento de recurso no TSE e acredita que conseguirá reverter a situação no Tribunal.
Em Caridade, a acusação que recai sobre a prefeita eleita, Maria Simone Fernandes Tavares (PDT), é também de contas de gestão reprovadas. No pleito, ela teve a candidatura deferida pelo juiz eleitoral, mas a promotoria eleitoral recorreu. No último dia 18 de novembro, o TRE-CE indeferiu, por unanimidade, o registro de candidatura da pedetista. Em 2 de dezembro, o caso chegou ao TSE, após recurso da defesa da prefeita eleita.
O processo teve como relator o ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, que emitiu parecer mantendo o indeferimento do registro de candidatura. O Tribunal votou em unanimidade. Assim, em 18 de dezembro do ano passado, a Corte determinou a realização de novas eleições no município.
A rejeição de contas de gestão é, ainda, impeditivo para a posse do prefeito eleito de Juaguaruana, Roberto Barbosa Moreira (PDT). A candidatura foi autorizada pelo Juízo da 75ª Zona Eleitoral, mas o caso foi parar no TRE-CE. Em dezembro, a Corte rejeitou o registro de candidatura do político. A defesa de Roberto recorreu ao STF, mas o recurso foi rejeitado pelo relator do caso, o ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.
Em Martinópole, James Martins Pereira Barros (PP), conhecido como James Bel, respondeu a processo administrativo por abandono de emprego. Após ter a candidatura indeferida pelo Juízo da 25ª Zona Eleitoral, a chapa liderada por ele apresentou recurso junto ao TRE-CE. A Corte Regional contrariou parecer do Ministério Público Eleitoral e deferiu a candidatura. A Procuradoria Eleitoral recorreu da decisão e o caso chegou ao TSE. A Corte acatou pedido para enquadrar o candidato na Lei da Ficha Limpa.
De acordo com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, James Bel tornou-se inelegível ao ser demitido do cargo de professor da rede municipal. O julgamento, porém, foi suspenso pelo ministro Luís Roberto Barroso. O caso deve ser retomado apenas após o recesso do Judiciário. Nas redes sociais, o prefeito demonstra estar confiante para assumir o comando do município.
Em Missão Velha, Washington Luiz Macêdo Fechine (MDB) é condenado por improbidade administrativa quando foi prefeito da cidade entre 2009 e 2012. Em 4 de novembro, o TRE-CE decidiu, de forma unânime, pela impugnação do candidato. O caso foi parar no TSE, a pedido da defesa. Na Corte, o ministro Edson Fachin negou seguimento do recurso no último dia 18 de dezembro.
O prefeito eleito de Pedra Branca, Antonio Góis Monteiro Mendes (PSD), teve o registro indeferido pela 59ª Zona Eleitoral por inelegibilidade. Em 5 de novembro, o TRE-CE apreciou recurso apresentado pela defesa, mas manteve o indeferimento. Após a decisão, a defesa do prefeito apresentou recursos à Corte Regional, que foram apreciados, mas a decisão não foi revista. Góis encaminhou recurso especial eleitoral ao TSE.
“O que tinha que ser feito na Justiça Eleitoral já foi. A gente tá esperando a decisão do TSE”, disse o gestor eleito. “Tenho confiança que vou reverter a situação no começo de fevereiro”, completou.
Em Ereré, prefeito se recupera da Covid-19
Otoni Queiroz (PDT) foi diagnosticado com Covid-19, precisou ser hospitalizado e, pelo estado de saúde, não tomou posse. Segundo aliados, o pedetista segue internado e está estável, em processo de recuperação.
Vice comanda a gestão interinamente
Por conta disso, no último dia 1º de janeiro, a vice-prefeita, Emanuelle Martins (PDT), tomou posse interinamente no comando da gestão municipal. Trata-se do único caso de prefeito não empossado que não envolve disputas jurídicas no Ceará.