Manoel de Oliveira Sales Neto, responsável legal pela empresa Lucas e Sales Locação de Veículos, que tinha contrato com a Prefeitura de Mucambo entre os anos de 2013 e 2016, era apenas um laranja. Ele atuava como "empresário" em um esquema milionário no município cearense de apenas 14 mil habitantes.
O prefeito Wilebaldo Aguiar era o verdadeiro dono da locadora de veículos que firmou 17 contratos com a própria administração municipal no valor de R$ 14 milhões - muitos deles sem licitação. Manoel recebia 10% do valor pago pelo governo e transferia o restante para o gestor público em depósitos.
A narrativa é do vereador André Luís (PDT), que confessa ter participado de um esquema criminoso de desvio de recursos públicos em um município em que a renda da população gira em torno de um salário mínimo.
Preso em maio deste ano durante a terceira fase da Operação Sales, coordenada pelo Ministério Público Estadual, o parlamentar decidiu formalizar acordo de colaboração premiada e responde o processo atualmente em liberdade.
Em fevereiro deste ano, o Diário do Nordeste trouxe à tona diversos casos de corrupção nos municípios. Levantamento mostrou que 25 gestores foram afastados entre 2016 e 2019, enquanto oito foram cassados pela Justiça por diversas irregularidades. Outra reportagem, em maio deste ano, mostrou que 26 prefeitos estão, atualmente, implicados judicialmente.
No depoimento, ao qual o Diário do Nordeste teve acesso, André relata os bastidores de como o esquema era organizado, e aponta os principais personagens que desviaram dinheiro público do primeiro ao último ano de governo.
A primeira denúncia apresentada pelo MPCE, e relatada com detalhes pelo vereador, trata de uma Hilux que fazia o transporte do prefeito. Nos autos, a promotoria argumenta que Wilebaldo comprou o veículo na concessionária Brilhe Car, e depois entregou para aluguel no município que governava. A empresa, ainda nos autos, confirma a venda.
Logo depois que deixou o cargo, o tucano pediu a José do Egito, um dos braços direito dele no esquema, para vender o veículo. Depois de cumprir prisão temporária, Egito também decidiu formalizar acordo de colaboração com os investigadores.
Nos autos, o denunciado apresentou conversas de WhatsApp negociando a venda do carro e também comprovou depósitos feitos na conta de Wilebaldo. A prática se repetiu com quatro veículos da marca Fiat Uno, e caminhões utilizados durante a gestão.
Para não levantar evidências, a titularidade da propriedade dos veículos junto ao Departamento Estadual de Trânsito do Ceará era alterada regularmente. Uma Mercedes Benz, por exemplo, chegou a ter a titularidade de José do Egito, Francisca Ribeiro Silva, mãe dele, e Carla Maria Ribeiro Silva, a irmã. Tudo em um intervalo de três anos. As transferências passavam por familiares e funcionários dos envolvidos nas fraudes.
Colaboração premiada
Popularizada durante a Operação Lava Jato, a colaboração premiada chega ao Ceará e pode ajudar a desvendar novas nuances de irregularidades em Mucambo. Segundo a promotoria no município, investigações podem alcançar novas fraudes em licitações da mesma gestão, inclusive chegando a outros municípios.
O método é utilizado para incentivar réus confessos a ajudar investigadores na reunião de provas. Há duas maneiras de formalizar a delação. Na primeira, o investigado revela informações na expectativa de, no futuro, a cooperação ser levada em consideração pelo juiz quando houver a aplicação da pena.
Na segunda, o colaborador entra em acordo com um contrato escrito com os responsáveis pela investigação. No documento, são estipulados os benefícios que serão concedidos e as condições para que a cooperação seja premiada.
A fraude nas licitações na Região Norte do Estado
A promotoria de Mucambo acusa o ex-prefeito Wilebaldo Aguiar (PSDB), considerado o chefe do esquema, de liderar fraudes em licitações garantindo a vitória da empresa dele na concorrência dos contratos. Boa parte dos envolvidos nas investigações responde por dispensa ilegal de licitação e de benefício ilegal à locadora de veículos. No processo, constam documentos formalizados pelo departamento técnico de licitação da Prefeitura.
A disputa se configurava como um teatro. O único lance real era o da empresa Lucas e Sales Locação de Veículos LTDA em todas as concorrências das quais participou.
Os empresários Francisco Jorge Gomes de Mesquita, dono da F. J. Gomes de Mesquita ME, e João Harrison Galvão Barreto, responsável pela J. H. Locadora de Veículos, que constam nos documentos oficiais da gestão, prestaram depoimento. Ambos alegaram desconhecer a participação no processo de licitação.
Mesquita declarou aos investigadores que “nunca havia estado em Mucambo”, e “que nunca teve carros disponíveis para aluguel durante a atividade empresarial”. Harrison assegura que não participou de cotação e que também “nunca esteve no município”.
Através dos advogados e das assessorias jurídicas, todos os denunciados citados no texto foram procurados. A reportagem ligou para o local de atendimento da defesa do ex-prefeito e chegou a deixar recado, mas não houve retorno mesmo depois de novas tentativas.
A defesa de José do Egito afirmou que o cliente não iria se pronunciar sobre o caso. “Ele não tem nada a declarar. A manifestação é toda nos autos”, disse o advogado. Os demais citados foram procurados, mas não houve disponibilidade para entrevistas. A defesa de Katiane Cavalcante do Vale e Alvaro Silva Lucas Linhares chegou a agendar entrevista, mas não se mostrou disponível diante das diversas tentativas nesta sexta-feira (28).
O Diário do Nordeste está aberto a receber as versões oficiais dos citados na reportagem. As investigações foram iniciadas em 2016 e seguem sem previsão de encerrar diante de novas evidências de irregularidades.