Enquanto o cenário de incertezas vislumbrado pelos governadores nordestinos desde o início do Governo Bolsonaro se ratifica, em termos práticos, com a queda de repasses federais, os gestores se mobilizam para, das dificuldades, buscar soluções. Carta assinada nesta segunda-feira (29) no Centro Administrativo da Bahia, ao fim da primeira reunião do Consórcio Nordeste após a oficialização do grupo como pessoa jurídica, traz proposições que podem beneficiar os estados dos pontos de vista econômico e gestorial.
No próximo mês, os governadores devem lançar um primeiro edital de licitação para aquisição conjunta de produtos, com o intuito de reduzir gastos. "Devemos relacionar itens na área de saúde e educação para que possamos fazer compras conjuntas, dos nove estados do Nordeste. Com isso, faremos compras para uma escala de 55 milhões de habitantes, e isso deve trazer uma economia grande pra cada estado do Nordeste", afirmou o governador da Bahia, Rui Costa (PT), presidente do colegiado.
A visão é compartilhada pela governadora potiguar, Fátima Bezerra (PT). "É uma ferramenta de gestão que contribui muito para a economicidade, para a eficiência. Veja bem quantas parcerias nós vamos poder fazer agora em conjunto", disse. O plano de trabalho foi assinado por sete governadores, por Luciano Barbosa (MDB), vice do governador alagoano Renan Filho (MDB), e por Izolda Cela (PDT), que representou o também ausente Camilo Santana (PT), que justificou o não comparecimento por problema de saúde.
O planejamento conjunto da Região também prevê a apresentação de um programa de oferta de médicos para a atenção básica da população carente em substituição ao Mais Médicos; a integração de dados estaduais e sistemas de informação em áreas como Saúde, Educação e Segurança Pública; a criação de um fundo e de uma agência de desenvolvimento empresarial, assim como um projeto para conectar a região por fibra ótica e uma agenda internacional para atrair investimentos.
Durante entrevista coletiva, o governador Rui Costa reforçou que ampliar fontes de receita é mais importante para a saúde fiscal dos estados nordestinos, no momento, do que a inclusão deles na reforma da Previdência.
"É muito mais urgente, muito mais necessário, se definir fontes de receitas, buscando equilíbrio fiscal e equilíbrio previdenciário, do que necessariamente o debate da inclusão ou não dos estados na reforma da Previdência", afirmou. "Os valores podem mudar um pouco, mas, mesmo que os estados sejam incluídos, se adotarem aquilo que está previsto no teto máximo de cobrança, chegariam, no máximo, próximo a 20% do que é o déficit anual. Essas ações são para alavancar a economia e sobrar um pouco de recurso. Não podemos ficar esperando, já que o Brasil não acena, não aponta a retomada do crescimento".
Outra questão tratada como primordial pelos governadores foi a Segurança Pública, com a proposta de um Sistema Integrado e a cobrança para que o Governo Federal libere a verba do Fundo Nacional de Segurança Pública, que atualmente tem R$ 1,1 bilhão contingenciados.
"Como a sociedade brasileira, os governadores do Nordeste também consideram urgente o item Segurança Pública, portanto esse dinheiro não pode ficar lá parado, sem uso. A sociedade clama por reforço na Segurança Pública", cobrou Rui Costa.
A próxima reunião do Consórcio acontece em agosto, em Teresina, onde o planejamento integrado dos estados deve ser apresentado mais detalhadamente. "Agora é a implementação prática de medidas de desenvolvimento regional, de proteção ao Nordeste. E mostrar ao País o Nordeste que dá certo, o Nordeste que trabalha muito, que cresce, que se desenvolve, que gera empregos. É isso que o Consórcio representa", afirmou o governador maranhense Flávio Dino (PCdoB).
'De paraíba'
A reunião em Salvador aconteceu dez dias após a polêmica envolvendo Jair Bolsonaro e os governadores da Região, em especial Flávio Dino, a quem o presidente chamou de "o pior" entre os "governadores de paraíba", utilizando expressão notabilizada pela conotação pejorativa em referência aos nordestinos. Os governadores preferiram adotar o discurso institucional, sem prolongar a polêmica.
"Para a gente, são águas passadas. Não interessa esse tipo de disputa. Para os governadores, interessa ter uma relação republicana e de respeito, que os estados merecem. Merecem pelo povo nordestino. E é isso que nós vamos buscar. Os governadores representam, acima de tudo, a voz desse povo que exige respeito do Governo Federal, que, a partir de suas demandas apresentadas, quer solução para isso. E isso nós vamos buscar. A relação republicana, independente de quem esteja sentado na cadeira de presidente, tem que estar acima de qualquer outro tipo de relação", afirmou o governador paraibano João Azevêdo (PSB), que ainda descontraiu com a situação. "Durante a campanha, toda as vezes que eu me apresentava eu dizia que meu nome era João. Depois disso eu passei agora a ser também João Paraíba", brincou.
Pacto Federativo
A Carta dos Governadores do Nordeste é finalizada com alguns temas que vão exigir diálogo e articulação com o Governo Federal, e, portanto, que a crise, de fato, seja coisa do passado. Os gestores nordestinos pedem "a imediata aprovação das regras do Novo Fundeb, implementação do Plano Mansueto para equilíbrio fiscal, compensação pelas perdas na arrecadação tributária decorrentes da Lei Kandir, securitização que permite transformar dívidas em títulos públicos para serem vendidos pelos estados e garantia de repasse de recursos provenientes da cessão onerosa do pré-sal".
Por outro lado, a proposta de aumentar a oferta de médicos em áreas mais carentes e distantes já foi um bom indicativo de reaproximação institucional. "Esta medida foi apresentada e aprovada pelo grupo, mas, como esta semana o Governo Federal anunciou que iria fazer um evento para lançar um programa chamado Médicos pelo Brasil, apesar de não ter sido detalhado, resolvemos, antecipadamente, declarar apoio ao Ministério da Saúde, e nos colocar à disposição para contribuir com o projeto, inclusive conhecendo os detalhes previamente e incluindo os secretários estaduais de saúde no processo de ajustes para aperfeiçoamento do programa", completou o governador Rui Costa.