Candidaturas laranjas: partidos são investigados em pelo menos dez municípios do Ceará

O Ministério Público do Ceará apura supostas irregularidades nas eleições municipais cearenses. Os casos apontam possíveis fraudes em relação à cota de gênero no pleito de novembro. Caso confirmado, pode render cassação

O Ministério Público do Ceará (MPCE) investiga, em pelo menos dez municípios cearenses, a possibilidade de candidaturas laranjas na disputa municipal de novembro deste ano. Esse número, no entanto, tende a ser bem maior, visto que há, no Estado, 109 zonas eleitorais, e os promotores atuam de forma independente nas investigações.

Os casos giram em torno da fraude de candidaturas femininas para atingir o percentual mínimo por gênero estabelecido pela legislação eleitoral, que é de 30% para homem ou para mulher.

Os partidos investigados no Ceará ainda não foram revelados pelo MPCE. Os promotores, no entanto, adiantam que abriram investigação nos municípios de Granja, Martinópole, Russas, Ocara, Jaguaribe, Nova Russas, Ararendá, Missão Velha, Mauriti e Baturité.

Criada para equilibrar a participação feminina em disputas proporcionais, a nova legislação eleitoral, através da Lei das Eleições, que também trata das cotas de gênero, é frequentemente desrespeitada, e já há ações nesse sentido desde as Eleições de 2018.

Em 2020, novas investigações foram abertas, e podem culminar em cassação. Na prática, há a proporcionalidade dos 30% e funciona assim: se um partido pretende lançar dez candidatos à disputa proporcional - ou seja, no âmbito Legislativo -, obrigatoriamente é preciso de, no mínimo, três mulheres e sete homens. Com isso, o financiamento dessas candidaturas também deve ser proporcional.

O promotor de Justiça Emmanuel Girão, coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel) do Ministério Público do Ceará (MPCE), afirma que ainda não há nenhum caso julgado no Ceará. Os processos estão em andamento e poderão ser apresentados pelos promotores até o próximo dia 7 de janeiro, quando haverá a volta do recesso de fim de ano.

Zero voto

Com objetivo de identificar possíveis ilícitos, o Ministério Público utiliza, inclusive, as redes sociais para pesquisar como se deu a conduta de possíveis candidaturas que, na prática, não existiam.

Um dos exemplos, de acordo com o MP, teria ocorrido no município de Granja. De acordo como a denúncia apresentada à Justiça, 19 candidaturas poderão ser cassadas por suposta fraude identificada quando analisada a campanha de candidatas.

Em uma das suspeitas, a promotoria aponta que o marido de uma candidata, nas redes sociais, estaria pedindo e divulgando fotos ao lado de um outro postulante à Câmara Municipal, que na prática seria concorrente de sua esposa. Nesse caso específico, a candidatura não obteve nenhum voto.

"Não restou dúvida ao MP de que o partido impugnado levou a dita candidata a registro apenas para cumprir formalmente a condição indispensável à sua participação nas eleições proporcionais, qual seja, a formação da sua lista de candidatos ao Legislativo com, pelo menos, 30% de mulheres", enfatiza o promotor Victor Borges Pinho.

"Os partidos preferem lançar mulheres que na verdade não são candidatas. Elas não fazem campanha, não têm material impresso e nem sequer pedem votos nas redes sociais", diz o promotor.

Na prática, as candidaturas chamadas "laranjas" existem apenas para cumprir a cota mínima de mulheres, o que caracteriza fraude. Em diversos casos, não há sequer movimentação financeira nas contas apresentadas pelos partidos, nem confecção dos santinhos com o número das candidatas.

A punição para esse tipo de conduta é a cassação de todos os candidatos eleitos em uma legislatura através do partido que cometeu a fraude. Para Girão, o fim das coligações em eleições proporcionais facilita esse processo de sanção.

Protagonismo

Esse é um problema primeiramente cultural, em que o machismo ainda é muito presente nas tratativas e nas decisões sociais, e também estrutural, no qual a política partidária ainda é resistente ao protagonismo feminino.

Essa é a tese que sustenta a cientista política Monalisa Torres. Ela diz ainda que os "partidos reclamam que a 'mulher não se interessa pela política, mas isso indica muito mais a resistência dos partidos (...) A fraude acaba sendo mais um indicativo da resistência da inclusão das mulheres na política", completa.

Quatro anos atrás, em 2016, cerca de 18,6% das candidaturas femininas cearenses foram consideradas fictícias, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ou seja, 792 candidatas, de um total de 4.239 mulheres que disputaram a eleição municipal, não receberam o próprio voto nas urnas.

De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disponibilizados através da plataforma DivulgaCand, o Ceará, em 2020, teve apenas 34,3% de candidatas mulheres às Câmaras. O número de postulantes do sexo masculino é de 65,6%.

Os números do TSE corroboram com o que observa o cientista político Cleyton Monte. Para ele, "a participação feminina (na política) é deficitária. Houve um aumento no número de mulheres em 2020, mas ainda muito aquém. O espaço da política ainda é muito masculino e machista, misógino e excludente. A mulher entra (em regra) como coadjuvante, como apêndice de filho ou marido", explana.

Bancada

Há, no entanto, uma tendência para que, no futuro, um passo a mais seja dado para evitar brechas às possibilidades de novas candidaturas laranjas. Isso porque, como explica Emanuel Girão, um entendimento prevê que, nas próximas eleições, as cotas sejam reservadas para as vagas dos parlamentos, e não apenas para as candidaturas. Nesse sentido, vagas para as mulheres nas cadeiras dos parlamentos estariam garantidas.

Monalisa Torres concorda com a tendência, mas salienta que "o problema é que, quando se olha o perfil do parlamento, se vê que há muita resistência por alterar essas regras", já que a maioria dos representantes que toma esse tipo de decisão é do sexo masculino.

A atual bancada cearense na Câmara dos Deputados, por exemplo, é composta por 21 deputados e apenas uma deputada. As representações no Senado são todas masculinas. Mesmo com as recentes substituições por licenciamento e renúncia ocorridas na bancada, nenhuma suplência de um parlamentar do sexo masculino é feminina. Única mulher eleita em 2018 para a Câmara, Luizianne Lins (PT) pediu afastamento na semana passada e entrou na suplência a deputada Gorete Pereira (PL).

Para 2021, as investigações do MPCE deverão ganhar o reforço de estudo feito pela Procuradoria Regional Eleitoral de Brasília. Foi utilizada uma inteligência artificial para captar possíveis candidatas laranjas no Ceará. O estudo será enviado aos promotores cearenses. "Com isso, será possível, inclusive, captar casos em que houve uso indevido do fundo eleitoral", diz Girão.