Aprovada na Câmara, privatização da Eletrobras gera polêmica e joga pressão para o Senado

Senadores terão que analisar o projeto criticado por especialistas em meio aos trabalhos da CPI da Pandemia

O Senado Federal tem até o dia 22 de junho para votar a Medida Provisória 1031/21, que viabiliza a privatização da Eletrobras.

Aprovada na última quinta-feira (20) pela Câmara dos Deputados, em meio a uma disputa jurídica com a oposição e à margem do debate público, a proposta deixa mais dúvidas que certezas, na avaliação de especialistas, e pode ter uma discussão mais ampla também suprimida no Senado, onde as atenções estão majoritariamente voltadas para a CPI da Covid-19. 

O projeto, parte da agenda liberal do Governo Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê emissão de novas ações para a estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia. 

Além de darem direito a voto, as ações ofertadas à iniciativa privada irão reduzir o controle da empresa por parte da União, que passará a ser acionista minoritária, com 45% das ações, enquanto hoje a fatia é de 51,82%, com mais 16,78% para bancos públicos de desenvolvimento e 3,62% para fundos do Governo.  

A MP permite, ainda, que a União venda sua própria participação, em outra oferta de ações, mas, por outro lado, traz um mecanismo de contrapeso.

O Governo Federal teria poder de veto em decisões da assembleia de acionistas, para evitar que algum grupo controle mais de 10% do capital votante da empresa. 

Principais pontos da Medida

  • União deixa de ser a maior acionista
  • Obrigação para construções de usinas térmicas
  • União terá poder de veto em situações específicas
  • Obrigatoriedade de investimentos regionais
  • União terá controle da Eletronuclear e Itaipu
  • Empregados da Eletrobras poderão ser realocados em outras estatais

Polêmica

Na Câmara, alguns pontos geraram polêmica. Os que propõem exigências à União, como a contratação de energia de termelétricas nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, a criação de uma reserva de mercado para Pequenas Centrais Hidrelétricas e a prorrogação por 20 anos dos contratos do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).

Enquanto o Governo alega que as medidas visam aumentar investimentos em infraestrutura e reduzir a tarifa de energia, entidades ligadas ao setor sinalizam que os custos dessas operações podem ser repassados aos consumidores. 

Doutor em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Álvaro Martim Guedes avalia que a maneira acelerada como o Governo conduziu a tramitação da matéria e as incertezas sobre as consequências da privatização podem trazer um efeito oposto ao pretendido. Ele considera o projeto “mal feito” e realizado de forma mais ideológica do que técnica. 

Para o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Júlio de Mesquita Filho, o projeto de privatização da Eletrobras está marcado "por muitas concessões e descaracterizações do projeto original".

"O que está sendo apresentado no âmbito do Congresso pode não repercutir no mercado, no sentido de os empresários entrarem nesse processo, que, de tão mal feito, pode resultar simplesmente em perda de patrimônio público e nada mais, por causa do endividamento, do aporte de recursos, do que vai ser feito depois com o passivo que está sendo discutido. Isso pode afastar interessados do processo”
Júlio de Mesquita Filho
Professor

Para Álvaro Martim Guedes, uma privatização desse porte e importância merecia uma discussão mais aprofundada com os setores afetados e a sociedade.

“Medida provisória para privatização é no mínimo estranho. Privatização se faz com um pouco mais de cautela, e aí o açodamento, que é característico do Governo Bolsonaro, não ajuda. Isso sugere muito mais uma ação de propaganda do que exatamente uma ação econômica que vai gerar novos dividendos em uma área estratégica. O que a gente vê nesse governo é que ele não passa confiança sequer para o mercado”, afirma. 

Na Câmara 

A Medida Provisória foi aprovada por 313 votos a 166 na Câmara dos Deputados. Entre os parlamentares cearenses, o placar ficou em 10 a 10. Dois deputados não votaram.

Heitor Freire (PSL) foi um dos favoráveis. "Votei favorável à desestatização da Eletrobras porque acredito que uma das saídas para o equilíbrio financeiro do nosso país se dá obrigatoriamente desinchando o Estado, entre outras questões. Além disso, a Eletrobras, sob os cuidados da iniciativa privada, vai resultar numa melhor eficiência energética com menor custo para os nossos cofres”, justificou. 

Danilo Forte (PSDB) também votou a favor da privatização, mas criticou alguns pontos. O deputado considera que a oferta de ações vai “modernizar a relação de capital e aumentar a eficiência da empresa”, mas não com concorda a política de incentivos do projeto, especialmente em relação às termelétricas.  

“É um erro, o futuro era a gente estimular e incentivar as energias renováveis, no nosso caso eólica e solar, que é o híbrido perfeito”, argumenta. 

Nesse ponto, o argumento também ganha coro entre os que votaram contra a aprovação, como Célio Studart (PV). “O projeto de privatização da Eletrobrás obriga as empresas a comprarem energia de plantas térmicas, estimulando o uso de energia de fontes não renováveis”, projeta. 

José Guimarães (PT) considera a desestatização um “duro golpe”. “A União perde a capacidade de regulação do setor elétrico, que passa a ser regulado pelo investimento privado, portanto não há segurança nenhuma da eficiência na geração e transmissão de energia, e principalmente se o setor privado fará ou não investimentos”, argumentou o petista. 

Veja como votaram os cearenses: 

  • AJ Albuquerque (PP) - Sim 

  • André Figueiredo (PDT) - Não 

  • Aníbal Gomes (DEM) - Sim 

  • Capitão Wagner (Pros) 

  • Célio Studart (PV) - Não 

  • Danilo Forte (PSDB) - Sim 

  • Domingos Neto (PSD) 

  • Dr. Jaziel (PL) - Sim 

  • Eduardo Bismarck (PDT) - Não 

  • Genecias Noronha (Solidariedade) - Sim 

  • Heitor Freire (PSL) - Sim 

  • Idilvan Alencar (PDT) - Não 

  • José Airton (PT) - Não 

  • José Guimarães (PT) - Não 

  • Júnior Mano (PL) - Sim 

  • Leônidas Cristino (PDT) - Não 

  • Luizianne Lins (PT) - Não 

  • Moses Rodrigues (MDB) - Sim 

  • Odorico Monteiro (PSB) - Não 

  • Pedro A Bezerra (PTB) - Sim 

  • Totonho Lopes (PDT) - Não 

  • Vaidon Oliveira (Pros) - Sim 

No Senado 

Os três senadores cearenses foram procurados pela reportagem, mas apenas Eduardo Girão (Podemos) se pronunciou sobre o assunto.

“Em princípio sou favorável à privatização da Eletrobrás.  Mas ainda não vimos o projeto. Precisa ser bem analisado. Defendo um Estado eficiente que cumpra seus deveres perante a sociedade, sem desvios nem desperdícios”
Eduardo Girão
Senador

No ano passado, Cid Gomes (PDT) já havia se posicionado em relação à proposta, durante a crise energética no Amapá.

“Faz 19 anos, mas o Brasil não esquece o que foi o ‘apagão’. Agora, o Amapá sofre com a interrupção na oferta de eletricidade, com grandes prejuízos para a população. E sem uma solução ou ação, o governo quer privatizar a Eletrobrás. Um erro que pode gerar novos apagões.”, escreveu Cid em postagem no Twitter feita no dia 10 de novembro. 

No entanto, na avaliação do cientista político Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apesar das polêmicas, o projeto não deve ter dificuldades de passar no Senado. 

“Esse projeto de privatização da Eletrobras será aprovado com muita facilidade no Senado, inclusive no próprio decorrer da CPI da Covid-19. Essa matéria é uma pauta que tem ampla maioria no Senado Federal desde a época do Governo Michel Temer”, afirma. 

Para Paulo Baía, o Governo tem aproveitado o impacto da CPI para avançar em suas pautas. “A CPI da Covid-19, que toma conta de todos os cenários midiáticos, toma conta de todas as discussões públicas, está sendo ótima para o Governo Bolsonaro, que acelerou a aprovação da privatização da Eletrobras na Câmara dos Deputados e tem passado uma série de outras medidas por atos administrativos. A CPI tem algo de cênico para a oposição, que acha que ganha espaço, mas enquanto isso Governo vai tocando sua agenda em várias áreas”, analisa o professor.