Após 12 anos de espera, as águas do Rio São Francisco chegaram ao Ceará. O trecho do projeto que traz os recursos hídricos ao Estado e que saiu do papel no governo do ex-presidente Lula (PT), em 2007, passando pelas gestões de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), foi inaugurado nesta sexta-feira (26) pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
"Nossa recomendação desde o início do Governo era de que não deixaríamos nenhuma obra parada, e, agora, estamos fornecendo água para quem mais precisa. Isso faz parte do nosso compromisso e ficamos muito felizes. O projeto vai ajudar na agricultura, na irrigação das terras e levará água à casa do cidadão nordestino que tem carência disso", disse o presidente ao acionar as comportas do Reservatório de Milagres, em Pernambuco, na manhã desta sexta.
Motivo de esperança para quem vive na terra seca do Nordeste, a obra é considerada histórica. A promessa de levar as águas do Velho Chico a estados da região é do tempo de Império, como mostram documentos da época. A entrega do maior empreendimento hídrico do País é resultado de ousadia administrativa, mas também de conflitos de ordem política e falta de planejamento financeiro.
A inauguração da estrutura que promete beneficiar cerca de 4,5 milhões de cearenses foi feita durante o isolamento social por conta da pandemia da Covid-19. Maior autoridade estadual, o governador Camilo Santana (PT), que era esperado na solenidade, acabou não participando ao alegar a necessidade de prevenção da disseminação do vírus.
"Hoje é um dia importante para o nosso Ceará: o dia da chegada das águas do Rio São Francisco, uma obra de imensa relevância para nosso estado. Que foi concebida e tocada no governo Lula, com o apoio do ex-ministro Ciro Gomes, e continuada pelos Governos Dilma, Temer e, agora, Jair Bolsonaro", escreveu, em rede social.
"Agradecemos a todos pela contribuição para o desenvolvimento dessa obra histórica para o Nordeste, cujo andamento acompanhei de perto nos últimos seis anos, e muito lutei para sua realização", completou o governador, em publicação antes do evento presidencial.
A chegada de Bolsonaro ao Ceará, pela primeira vez desde que assumiu o Palácio do Planalto, causou aglomeração. Apesar de ter conquistado 14,14% do apoio do eleitorado de Penaforte nas eleições de 2018, o presidente estimulou involuntariamente a presença de apoiadores - no município e de outras localidades - nas redondezas da liberação das águas. Vestidos com a camisa da seleção brasileira de futebol e com bandeiras do Brasil nos veículos, os apoiadores se reuniram na entrada do canteiro de obras pedindo a presença do presidente.
O ato de inauguração ocorreu na divisa do Ceará com Pernambuco. Após acionar a barragem de Milagres, no município de Verdejante (PE), ainda pela manhã, Bolsonaro seguiu via terrestre para Penaforte, no Ceará, para aguardar o momento da chegada das águas na barragem de Jati.
Distante do espaço reservado para a comemoração do presidente e aliados, a imprensa acompanhou o evento. O presidente não falou com os jornalistas e indicou o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, para falar pelo Governo.
"Essa é uma obra do Estado brasileiro. Desde o início da nossa gestão o presidente nos orienta de que não paralisemos as obras importantes para o País. Essa obra interessa ao conjunto dos brasileiros, ao Nordeste em particular e ao Ceará de uma forma muito especial. A chegada das águas aqui ao Ceará é um momento para ser comemorado por todos os brasileiros, porque nós vamos permitir segurança hídrica aqui no Estado", disse.
Caminho das águas
A chegada das águas não é imediata. O volume deverá levar cerca de dois meses para abastecer todo o reservatório. A expectativa do Estado é que em agosto, com o reservatório cheio, os recursos hídricos comecem a ser enviados para o trecho emergencial do Cinturão das Águas do Ceará (CAC), responsável por transportar por gravidade a água até o município de Missão Velha, onde será direcionada ao Riacho Seco, seguindo pelo Rio Batateira e Rio Salgado, principal afluente do Açude Castanhão, que abastece a Capital e a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).
Ao todo, o Cinturão das Águas deverá ter 145 quilômetros de extensão. Desse total, 53 quilômetros da obra estão concluídos, correspondentes ao trecho emergencial. A obra também enfrenta dificuldades financeiras para a conclusão.
São justamente os trechos do Cinturão das Águas, um planejamento do Governo do Estado com recursos da União, que o governador deverá inaugurar na medida em que eles forem sendo concluídos. Na mensagem publicada nas redes sociais, Camilo Santana disse que deverá visitar o local após o grave momento na saúde pública.
"Minha homenagem aos milhares de operários, engenheiros e colaboradores que dedicaram todo o seu esforço em dias incansáveis de trabalho. Só após superarmos este grave momento de pandemia, que já atingiu mais de cem mil irmãos e irmãs cearenses, deverei voltar ao local da Transposição, para ver de perto as águas do São Francisco já no nosso Cinturão das Águas, por onde seguirão para garantir segurança hídrica à população cearense", afirmou.
Projeto
O Projeto de Integração do Rio São Francisco soma 477 quilômetros de extensão. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional, quando todas as estruturas e sistemas complementares nos estados estiverem em operação, cerca de 12 milhões de pessoas serão beneficiadas em 390 municípios de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.
O Eixo Norte possui 260 quilômetros de extensão, três estações de bombeamento (EBI 1, 2 e 3), 15 reservatórios, oito aquedutos e três túneis. As estruturas responsáveis pela passagem de água até o Reservatório Caiçara estão concluídas, restando serviços complementares que não comprometem a pré-operação. O total de execução física do trecho é 97,49%. O Eixo Leste, com 217 quilômetros de extensão, está em funcionamento desde 2017 e abastece 1,4 milhão de pessoas em 46 cidades pernambucanas e paraibanas. Investimentos da União somam R$ 10,8 bilhões.
Presenças e ausências do evento
Não foi apenas a ausência do governador Camilo Santana que foi percebida no evento de inauguração da chegada das águas da Transposição do Rio São Francisco ao Ceará. Nenhum dos três senadores do Estado, Eduardo Girão (Podemos), Tasso Jereissati (PSDB) e Cid Gomes (PDT), esteve cerimônia.
Dos 22 deputados federais, cinco – Domingos Neto (PSD), que é o coordenador da bancada cearense, Jaziel Pereira (PL), Danilo Forte (PSDB), Pedro Bezerra (PTB) e Capitão Wagner (Pros) – compareceram ao ato protagonizado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Dos 46 deputados estaduais cearenses, André Fernandes (PSL), Delegado Cavalcante (PSL) e Silvana Oliveira (PL) foram até Penaforte, além da vereadora de Fortaleza Priscila Costa. Questionado sobre as ausências, o ministro Rogério Marinho minimizou a situação.
“Pessoalmente fui convidar os governadores, fui tratar de obras hídricas importantes para os estados. Aqui estão seis ou oito deputados federais do Ceará e do RN que acompanham a comitiva, alguns deputados estaduais e alguns prefeitos de região, mas evidente que em outros momentos esse seria um evento em que estaria aqui cheio de populares, de pessoas e de autoridades. Compreendemos a postura dos que não puderam vir, mas nós não queremos misturar essa questão da política partidária com a ação do Governo, e a ação do Governo vai continuar de qualquer forma”, disse.
Danilo Forte disse que as ausências não prejudicaram o evento porque a “obra está acima da política e dos políticos”. Domingos Neto afirmou que “não houve palanque” e que foi um acompanhamento de um momento “histórico”.
Diretor de Planejamento da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, Raimundo Matos argumentou que nos bastidores “não houve constrangimento” pela ausência do governador.
Segurança
Apoiadores locais do presidente Jair Bolsonaro não tiveram acesso ao chefe do Planalto. Pelo menos três caminhões do Exército foram vistos na segurança presidencial. Apesar disso, um grupo ligado a lideranças políticas conseguiu fazer fotos e abraçar o presidente na chegada ao local.
Assessoria
O filho do presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), veio ao Ceará na comitiva presidencial. Durante o evento, fez fotos, vídeos e organizou lives do pai com políticos.