Apesar de autorização, estados e municípios encaram entraves na compra de vacinas

Laboratórios responsáveis pela produção de imunizantes têm adotado política de negociar apenas com governos nacionais

Tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) como o Congresso Nacional autorizaram estados e municípios a comprar vacinas contra a Covid-19. Contudo, mesmo semanas após o aval, governadores e prefeitos continuam encontrando entraves para conseguir efetivar a aquisição de doses de imunizantes. Até o momento, as poucas iniciativas já encaminhadas não conseguiram concretizar negociações.

Entre os principais obstáculos apontados por represenantes dos entes federados, está a política adotada por laboratórios responsáveis pela produção da vacina de negociar apenas com os governos federais no mundo. A ausência de imunizantes suficientes para a demanda mundial também tem afetado as negociações. 

Além disso, mesmo em vigência desde março, a legislação que autoriza estados, municípios, consórcios e empresas privadas a adquirirem vacinas contra a Covid-19 ainda não foi regulamentada pelo Ministério da Saúde. 

Uma das poucas vacinas negociadas com governadores e prefeitos foi a russa Sputnik V, produzida pelo Instituto Gamaleya, mas o uso emergencial dela não foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

Apenas o Ceará adquiriu mais de 5,8 milhões de doses do imunizante produzido pelo laboratório russo. No total, foram mais de 37 milhões de doses compradas pelo Consórcio Nordeste. Foram enviadas novas informações sobre a Sputnik V para a Anvisa e os governadores pediram a reavaliação da autorização de importação. 

Negociações só com o Governo Federal

Em abril, o presidente da Federação Nacional dos Prefeitos (FNP), Jonas Donizette, falou sobre o assunto durante audiência pública na Comissão Temporária da Covid-19 no Senado Federal. "A verdade é que a aquisição está muito difícil”, afirmou. 

Consultor em Saúde da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Denilson Magalhães conta que a entidade entrou em contato com quase todos os fabricantes de vacinas e obteve respostas semelhantes.  

"Eles nos responderam que têm adotado uma política de só dialogar com governos nacionais. Esta política foi adotada mundialmente. (Além disso) Não tem disponibilidade de vacina para articular com estados e municípios". 
Denilson Magalhães
Consultor em Saúde da CNM

A produção nacional também está comprometida com contratos com o Governo Federal,  explica Magalhães. 

Enquanto o Butantan, responsável pela produção nacional da vacina CoronaVac, não possui doses suficientes para negociar com estados e municípios, a Fiocruz tem a produção da Astrazeneca financiada pela União, logo vinculada à gestão federal. 

A corrida mundial pela vacina, que ocorre desde o final de 2020, acaba, portanto, colocando gestões municipais e estaduais em desvantagem na compra de doses. 

"A complicação é a disputa no mercado de vacinas no mundo. Por mais que estados, municípios e consórcios busquem comprar a vacina, eles vão entrar na fila", destaca o consultor da CNM.  

Responsabilidade da União 

Além da dificuldade na aquisição, Denilson Magalhães ressalta que o Plano Nacional de Imunização (PNI) define a responsabilidade de cada ente federado no processo de vacinação. 

Segundo a legislação, é responsabilidade da União a compra da vacina e distribuição de doses a estados e municípios. Para a CNM, argumenta o consultor, a aquisição por prefeituras sobrecarrega o ente federativo com mais uma responsabilidade nesse processo. 

"Toda a operacionalização para a vacina chegar à população é nossa responsabilidade. Não concordamos que mais essa responsabilidade de aquisição, importação e acompanhamento seja dos municípios", afirma. 

A Confederação tem orientado os gestores a optarem pelo fortalecimento do PNI. "A gente não discorda que eles comprem, (mas) temos  orientado toda a responsabilidade que eles vão assumir". 

O Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems-CE) faz defesa semelhante. A entidade destaca a responsabilidade do Governo Federal na aquisição das vacinas, garantindo, assim, uma distribuição igualitária entre os entes federados. 

Além disso, argumenta o Cosems-CE em nota, "a compra centralizada em maior escala permite obter preços mais favoráveis à administração pública". 

Regulamentação da autorização de compra

Uma das iniciativas de compra já colocadas em prática, o Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras - Conectar reúne mais de 2,6 mil cidades brasileiras para tentar facilitar a compra de vacinas contra a Covid-19, além de insumos necessários no combate à pandemia nos municípios. 

No Ceará, 133 das 184 prefeituras aderiram ao Conectar.

No último dia 7, o Consórcio se reuniu com o secretário executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo Cruz, para discutir as negociações com a farmacêutica chinesa Sinopharm para a compra de imunizantes. 

Segundo o vice-presidente do Conectar e prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, houve contato da entidade com diferentes laboratórios, mas apenas a aquisição de doses da Sinopharm e da Sputnik V tem avanço nas negociações. 

Ele explica ainda que as negociações têm sido feitas em parceria com o Governo Federal para facilitar o processo de articulação, além de garantir a logística de importação de vacinas. 

Além disso, no encontro da última semana, também foi discutida a regulamentação da legislação que trata da compra de imunizantes por estados e municípios. 

"Nós pedimos a regulamentação da lei para que a gente tenha segurança jurídica. Para que o município que se dispõe a investir tenha a segurança que as vacinas sejam aplicadas no próprio município".
Edmilson Rodrigues
Vice-presidente do Conectar e prefeito de Belém

Para avançar na discussão dos entraves, o Ministério da Saúde deve criar um grupo de trabalho formado por representantes da Pasta e do Consórcio Conectar. "Os municípios vão estar ali para serem ouvidos. E houve um comprometimento do secretário de que irá nos ajudar", afirma.