Qual o perfil das vítimas do trabalho análogo à escravidão?

Nos últimos anos tem aumentado as denúncias e o resgate de vítimas do trabalho análogo a escravidão em muitos estados da federação.

Nada mais distante da realidade acreditar que a escravidão ficou no passado, que se trata de uma herança colonial superada com a abolição no século XIX. No Brasil atual a escravidão tornou-se linguagem, trazendo impactos perversos para a população negra.

Nos últimos anos tem aumentado as denúncias e o resgate de vítimas do trabalho análogo a escravidão em muitos estados da federação. Segundo o Ministério do Emprego e Trabalho foram resgatadas 918 pessoas em trabalho degradante nos três primeiros meses de 2023.

Segundo o Código Penal esse tipo de trabalho caracteriza-se pela submissão ao trabalho forçado, longas e exaustivas jornadas e sujeição a condições degradantes com restrição de direitos. Estando esses trabalhadores em condição vulnerável de servidão por dividas, sofrendo maus tratos e desumanização.

As pesquisas têm evidenciado o perfil destes trabalhadores: pessoas que sobrevivem em cenário de pobreza, buscam melhores condições de vida, salários dignos, analfabetos, com pouco conhecimento de seus direitos, procedentes das regiões Norte e Nordeste, imigrantes e maioria de pretos e pardos (negros).

O modo de produção e reprodução da vida, o patriarcado e a supremacia branca não podem ser lidos como sistemas separados, ao contrário todos são modos de opressão (classe, gênero e raça). Estes eixos sobrepostos definem os sujeitos a explorar e a expropriar sua força de trabalho. O campo da reprodução e expropriação tem a raça e o gênero designado - as populações feminilizadas e racializadas de modo subalterno.

Dados da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo- DETRAE afirmam que das mulheres resgatadas em condições de trabalho análogo à escravo no Brasil de 2003 a 2022 elucidam que 64% eram mulheres pretas e pardas, 22%brancas e 11% amarelas.

Assim, o perfil das vítimas do trabalho escravo na atualidade demonstra a vulnerabilidade de alguns grupos sociais subalternizados e revela o quão presente é o racismo estrutural numa sociedade desigual. O racismo é um problema atual, e não apenas um legado histórico. Esse legado histórico se legitima e se reproduz todos os dias.

Um olhar atento revela a relação direta entre trabalho escravo e racismo nas dinâmicas sociais de um país que não tem sequer unanimidade de que é racista. Maior nação escravista das Américas e a última a decretar a abolição da escravidão, que sistematicamente preserva seus legados escravistas e ditatoriais, nas relações interpessoais, institucionais e na formulação das políticas públicas.

A manutenção do trabalho análogo a escravidão traz vantagem para os grupos historicamente hegemônicos. Por isso tem relevância romper o silenciamento sobre as desigualdades raciais no mundo do trabalho. Denunciar estereótipos baseados na escravidão, de conceber as pessoas negras como destituídas de ética e de moral para o trabalho e responsabilizar pessoas, empresas que cometem esse crime.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.