A abolição da escravatura no Brasil deu-se por meio de uma norma jurídica, diferentemente do que ocorreu no Haiti pela via de um movimento revolucionário. Em 13 de maio de 1888, a lei Áurea foi assinada por ato da princesa Isabel, e não veio acompanhada de ação de reparação pelo passado criminoso da escravidão.
Esse regime de trabalho durou quase 400 anos, gerando riqueza à nação, porém deixou sérias consequências na vida dos ex-escravizados e seus descendentes. Com a abolição proliferou-se uma visão discriminatória em relação a essa população, que passou a inspirar medo, cuja sociabilidade foi acusada de não contar com regras, destituída de moral e ética para o trabalho, representando um perigo a ordem social vigente.
Como é possível ver, após a abolição não veio nenhum reconhecimento pelo trabalho prestado, ao contrário, a preocupação ampliada foi com conjunto de medidas de cunho repressivo para conter esses “não trabalhadores”, “classe perigosa” e incapazes de contribuir com a identidade nacional. Os postos de trabalho não foram ocupados pelos negros/as, e sim pelos imigrantes europeus, permanecendo escanteados nas ocupações mais precarizadas e desprestigiadas. Esses processos de exclusão, legitimado e naturalizado pelo liberalismo, atribuiu a cada ex-cativo inteira responsabilidade pela sua inserção qualificada na sociedade que se urbanizava e se industrializava.
O Brasil hoje segue como campeão em desigualdade, maior nação escravista das Américas e a última a decretar a abolição da escravidão. Os desdobramentos negativos têm sido enormes, porque infelizmente o País preserva seus legados escravista e autoritário, impactando na formulação das possíveis respostas às desigualdades raciais, como aumento pobreza, violência, desemprego e fome, cujo índices são maiores na população negra, concentrada majoritariamente entre as mulheres, mães, negras e nordestinas.
Embora pouco se conheça do escravismo colonial, é importante considerar as resistências plurais negras, com a formação dos quilombos, das famílias, religiosidades, e outros associativismos. Estes ativismos funcionam como faróis até hoje nas lutas antirracistas.
Na atualidade estes agenciamentos reivindicam reconhecimento étnico e políticas de distribuição econômica. Os movimentos sociais negros, questionam como o povo negro tem sobrevivido nesses 134 anos de abolição. Para eles importa ressignificar essa data para o Dia Nacional de Luta contra o Racismo, momento de denúncias das condições de vida dos grupos étnicos racializados de forma subalterna.
Cabe o desmantelamento da manutenção dessa ordem excludente. Nessa direção, tem valor as vozes dos sujeitos políticos dos territórios segregados, e sua cultura voltada à promoção da vida. Enquanto forma de luta pela emancipação, movimento organizado de denúncia permanente do racismo estrutural que apresentam novos pactos civilizatórios, numa verdadeira quilombagem.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.
Zelma Madeira é professora da UECE e Assessora Especial de Acolhimento aos Movimentos Sociais do Estado Ceará.