Romeiro de ocasião, Bolsonaro busca o ‘milagre’ de Padre Cícero

Com a reprovação na casa dos 60% no Nordeste (Datafolha), o presidente Jair Bolsonaro apelou ao milagre de um cabo eleitoral que tem força religiosa em toda a região: o Padre Cícero. A romaria oficial a Juazeiro do Norte é uma estratégia para falar, do alto da colina do horto, com os devotos espalhados pelos nove estados nordestinos.

Ao erguer uma pequena estátua como se fosse uma taça de futebol, a empolgação marqueteira do presidente tenta atrair o apoio dos fiéis do “meu Padim”. A mistura de messianismo e política, no entanto, leva também ao risco de desagradar os líderes e eleitores evangélicos, legião que ainda mantém índices razoáveis de popularidade a Bolsonaro e reprova a idolatria ao “santo popular”.

Para os conservadores de todos os credos, porém, o presidente reabilitou o surrado delírio do perigo comunista no Brasil. Só faltou repetir uma lenda que corre na região do Cariri desde as eleições de 1989, quando os partidários do ex-presidente Fernando Collor de Mello pregavam que o então candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, iria pintar de vermelho a estátua do padre Cícero, caso eleito ao Palácio do Planalto.

Com a dramaturgia de um pagador de promessa, Bolsonaro subiu também, em caravana, à estatua do patriarca de Juazeiro. De máscara durante toda a quarentena da Covid-19, o monumento se tornou, ao contrário do presidente negacionista, um símbolo dos cuidados e da proteção na pandemia.

O apelo a um milagre de popularidade não funcionou nem mesmo durante a breve visita à “meca do Cariri”. Em desfile na carroceria de uma picape, o desmascarado Bolsonaro ouviu, em algumas esquinas, no percurso até a colina do horto, o grito de “genocida”, protesto que tem marcado a sua passagem por várias cidades do país.

Sem maiores cuidados estratégicos no seu discurso, o “agrado” presidencial aos nordestinos utiliza — além do recurso de dublê de romeiro — clichês arcaicos como o tratamento de “cabra da peste” aos eleitores e autoridades da região. Mesmo em tom político bajulatório, é muito pobre de espírito. Diz pouco para uma região tão rica em linguagem e simbologias especiais.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.