Um bom cunhado é tudo na vida, uma autarquia nacional de respeito, uma bênção. Aquele gente fina que te agrada, no churrasco ou em uma festa, com as melhores bebidas e comidas. O boa praça que conta as melhores histórias, divide o sofá nos jogos de futebol, empresta uma grana no momento de arrocho e ainda descola o ingresso para aquele show com bilhetes esgotados.
Nesse aspecto, o veterano político Jair Bolsonaro não deu lá muita sorte, como revelaram esta semana as gravações de áudios publicadas no portal Uol pela colunista Juliana Dal Piva. Muito pelo contrário. O destino colocou no seu caminho um cunhado que parece ter saído da galeria de personagens do dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues.
Esse cunhado conseguiu ser pior, caríssimo Nelson, que o Palhares, o canalha de marca maior da sua vitrine de crápulas. O André Siqueira Valle —anote este batismo— passou a perna em um homem com uma vasta experiência na política carioca e no baixo clero da Câmara dos Deputados. Um cunhado maldito que foi capaz de engambelar o capitão em um esquema familiar que funcionava por música, em uma harmonia de orquestra sinfônica.
Repare o que diz a Andrea Valle, irmã de André, em um dos áudios:
"O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6.000, ele devolvia R$ 2.000, R$ 3.000. Foi um tempão assim até que o Jair pegou e falou: 'Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo'’’.
Sim, o cara, em vez de agradecer a mamata e cumprir tudo à risca, não repassava a grana pública ao então deputado federal (2007), como os outros fiéis funcionários do gabinete. Poxa, nem precisava trabalhar, a única função era receber o salário e transferir uns 80% para Vossa Excelência. “Ingrato, pulha, abjeto”, definiria o próprio Palhares.
O tipo do cunhado que põe água no chope e mosca na sopa. Um estraga-prazeres. Triste. Ao contrário do ex-parlamentar, sempre dei sorte na prática do cunhadismo. Aproveito a oportunidade, inclusive, para agradecer a todos pelos agrados, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza.
Antes do ponto final, porém, uma advertência necessária em tempos de incompreensões internéticas: esta crônica contém ironia. Rachadinha, apesar do nome singelo, é desvio de dinheiro público, crime de peculato, artigo 312 do Código Penal, com cadeia prevista de dois a doze anos, além de multa.
* Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.