A maioria das famílias brasileiras tem uma história para contar sobre o dia em que o governo Collor confiscou a caderneta de poupança, em 1990. Meu avô João Patriolino, por exemplo, deu seu voto ao ex-presidente alagoano por acreditar que Lula (o adversário) “pegaria o dinheiro dos velhos aposentados” — botou fé em uma das tantas fake news espalhadas no interior do Nordeste pela campanha collorida.
Com seu jeito gaiato de rir da própria desgraça, Patriolino não podia ouvir o nome de Collor no noticiário. Desligava o rádio e saía blasfemando aos céus. Os netos amavam aquele show de “nomes feios” e resmungos. “Murrinha, istampô calango, peste bubônica, rola-bosta de atoleiro, infeliz-das-costas-ocas, moléstia dos cachorros, cabrunco, besta fubana, cão dos seiscentos, bixiga taboca, amarelo empombado, papa-figo, carne de tetéu, febre do rato...”
Relembro a tragédia econômica no momento em que escuto, também no rádio, a possibilidade da condenação do ex-presidente a uma pena de 33 anos. A maioria dos ministros do STF votou por esse castigo. O crime do julgamento atual (corrupção do senador no caso BR-Distribuidora) não é o do confisco, mas é inevitável que a lembrança da crueldade com a poupança dos brasileiros venha à tona nessa hora.
A parte romântica – ou anedótica – da história também é inesquecível. Recordo das juras de amor, ao som de um bolero (“Besame mucho”), do então ministro da Justiça Bernardo Cabral para a colega e ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello.
Zélia, ainda naquele tenebroso começo dos anos 1990, casou com o cearense Chico Anysio, o maior comediante do país. Ainda não vivíamos os tempos dos “memes” e das redes sociais, mas a chacota correu de boca em boca em todos os botequins: “Pela primeira vez na história, o humorista casou com a piada”.
Zélia era piada não como mulher, mas sim por ter comandado o confisco do amigo Collor. O próprio Chico, antes do casamento, havia criado uma personagem chamada Zélia ´Caridosa´ de Mello na Escolinha do Professor Raimundo, sua atração na TV Globo.
Onde você estava durante essa tragicomédia brasileira, amigo, amiga leitora? Tem alguma recordação do acontecimento? Recordar, nesse caso, é se vingar um pouco daquela desgraça. O humor corrige os costumes e os traumas.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.