Antes de 2022, partidos têm o dever de rever condutas em nome da própria credibilidade

Mal acabou o pleito de 2020, o tabuleiro eleitoral já se movimenta em direção à próxima disputa. As eleições municipais, porém, deixam "tarefas de casa" para as legendas, ainda afetadas pela desconfiança de parte da população

É evidente que o resultado das eleições municipais deste ano (re)posiciona, no tabuleiro eleitoral, peças para 2022 no Ceará. O saldo das urnas fortalece algumas lideranças, coloca outras em xeque, dá os primeiros sinais sobre os caminhos possíveis até o próximo pleito - o que não significa, necessariamente, que eles serão trilhados, mas há espaço aberto para isso. Há certa ansiedade para antecipar cenários possíveis, já que, nestas eleições, muitos movimentos, de fato, se deram de olho no próximo pleito. Quase todas as leituras, porém, são feitas em torno de figuras específicas, trazendo à tona, mais uma vez, o caráter personalista das disputas eleitorais. O que 2020 nos diz, então, sobre os partidos políticos?  

Ao mesmo tempo em que dá às lideranças diferentes pesos na balança eleitoral, o pleito deste ano evidencia que as legendas, como instituições caras à democracia, não saem, em geral, grandes das eleições municipais. Nem mesmo aquelas campeãs em prefeitos eleitos. Pelo contrário: o processo eleitoral mostrou que velhas práticas se perpetuam nas agremiações partidárias, indicando, em muitos casos, uma centralização de poder persistente, que fragiliza processos democráticos internos.  

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Nestas eleições municipais, também não faltaram indicativos de deturpação - ou, no mínimo, subaproveitamento - de instrumentos que poderiam ser mais benéficos ao sistema eleitoral brasileiro - como o financiamento público de campanha -, além do descolamento entre linhas ideológicas e estratégias de campanha e, não raramente, a completa ausência de preocupação com uma ideologia ou uma agenda programática que fizesse sentido em relação ao histórico, ao significado de cada sigla. Muito disso em nome do pragmatismo eleitoral que tende a beneficiar os "donos" dos partidos. 

Logo após o segundo turno das eleições municipais, temas como a revisão de critérios e modos de distribuição dos fundos eleitoral e partidário e a necessidade de uma reforma política mais ampla no País foram levados à tribuna da Assembleia Legislativa do Ceará.  Se o foram é porque há distorções identificadas pela própria classe política. Mais de uma vez, durante o processo eleitoral, houve mal-estar interno – e público – em alguns partidos após decisões tomadas no âmbito municipal colidirem frontalmente com posicionamentos estaduais. É claro que há especificidades de cada realidade, em disputas municipais elas são ainda mais determinantes, mas há de se buscar conciliá-las em nome de uma coerência mínima. 

O Diário do Nordeste também noticiou casos de candidatos que, segundo registros da Justiça Eleitoral, teriam recebido dinheiro público das legendas para custear as próprias campanhas e, mesmo assim, não tiveram sequer um voto nas urnas. A proibição das coligações proporcionais, que neste ano afetou, pela primeira vez, a disputa para vereador, mostrou-se positiva em muitos aspectos, mas o fenômeno dos “puxadores de votos” ainda esteve presente, embora em menor intensidade. 

'Siglas de aluguel'

Quando a mudança foi aprovada na minirreforma política de 2017, com o aval do Congresso Nacional, um dos efeitos esperados era o fortalecimento da dimensão ideológica dos partidos, ou mesmo um entendimento mais consolidado quanto à fidelidade partidária. Ela, porém, não pôs fim ao uso de estruturas como “siglas de aluguel”, nem mesmo foi capaz de reduzir a influência individual de determinados candidatos – nos partidos e nas urnas.

O pleito deste ano mostrou que a lógica de composição das chapas para o Poder Legislativo, especialmente, ainda é, em numerosos exemplos, pragmática. A preocupação com a garantia de cadeiras é maior do que com a atuação conjunta dos que, eventualmente, passarão a ocupá-las. 

Nesta reflexão, não se trata de negar o componente personalista da política, que norteia, inclusive, o voto de parte do eleitorado, tampouco de dissociá-lo do que deveriam representar as instituições partidárias. É preciso, porém, cobrar de quem está em posições de poder nas legendas preocupação - e ação - a partir disso.  

Organização partidária

Dados do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) referentes a novembro deste ano apontam que o Estado possui 18 partidos com diretórios constituídos, enquanto 13 funcionam a partir de comissões provisórias. No âmbito municipal, são 1.416 órgãos provisórios e apenas 697 definitivos. Por ausência de CNPJ, passado o primeiro turno das eleições municipais, 315 órgãos partidários não vigentes e 67 vigentes foram suspensos no Ceará.  

Não custa lembrar que as comissões provisórias são formadas por indicações dos dirigentes que ocupam instância superior da sigla, podendo ser dissolvidas, por exemplo, a partir da vontade destes. Já aconteceu antes. Elas, as comissões provisórias, são relevantes em termos de organização partidária; garantem, muitas vezes, a presença de um partido em determinado município, mas quando deturpadas servem, sobretudo, aos interesses dos que detém poder. 

Nada disso pode ser generalizado, claro. Processos de tomada de decisão mais horizontais, com participação efetiva dos filiados, iniciativas para que as direções de algumas legendas sejam mais diversas, maior transparência no uso dos fundos eleitoral e partidário: tais condutas são, de algum modo, reformas internas em direção a mudanças maiores, mas ainda limitadas. O debate acerca de uma reforma política mais abrangente ainda é necessário – e urgente.

A desconfiança em relação aos partidos políticos, o distanciamento entre instituições e sociedade, que aprofunda uma crise de representatividade prejudicial ao Brasil, precisam ser superados, mesmo que aos poucos.  É compreensível vislumbrar 2022 a partir dos sujeitos, sim, mas é inadiável fazê-lo sem desconsiderar as relações que estabelecem com as estruturas.