Nas últimas semanas uma celeuma jurídica envolve a nomeação do ex-prefeito de Quixadá, Ilário Marques (PT), para a Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social de Fortaleza.
Tudo começou quando o Ministério Público do Ceará recomendou ao prefeito José Sarto (PDT) que exonerasse o secretário recém-empossado do cargo.
A justificativa do pedido é que a nomeação havia infringido a Lei Orgânica do Município de Fortaleza por conta de uma condenação por improbidade administrativa quando o petista era prefeito.
A Lei Orgânica veda "expressamente a nomeação para cargo, função ou emprego público de natureza comissionada, de qualquer dos Poderes do Município, de quem for condenado em ação de improbidade administrativa por dolo ou culpa grave, ou por crime contra a administração pública, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado".
Em meio à decisão, a prefeitura de Fortaleza deverá recorrer judicialmente. Ilário, no entanto, insiste que tem em mãos as "certidões negativas necessárias que demonstram as condições para ele assumir o cargo".
O caso
Em 2019, o Superior Tribunal de Justiça entendeu como irregular o uso do site institucional da prefeitura de Quixadá para divulgar a posse da então deputada estadual Rachel Marques (PT), que é esposa de Ilário Marques que na época era prefeito da cidade.
O caso foi classificado como improbidade administrativa e reflete consequências jurídicas até os dias de hoje.
A coluna procurou o especialista em direito eleitoral, Fernandes Neto, para ajudar a entender como as regras da administração pública podem interferir nas prefeituras – seja em casos mais graves ou mais amenos.
Pela lei, são considerados atos de improbidade qualquer ação de um servidor público – seja ele concursado ou em cargos eleitivos – que tragam benefício de forma irregular, como enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação dos princípios e deveres da administração pública.
O conceito, que está muito claro na lei, engloba diversas práticas, intencionais ou não. No âmbito da justiça, a rotina de processos envolvendo situações improbas é mais comum do que se imagina.
Nova lei
No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a lei 14.230 que estabelece novas regras para os processos que envolvem a chamada improbidade administrativa.
Alvo de críticas, o novo texto reduz as possibilidade de condenação por improbidade. Uma das principais mudanças é que o agente alvo de acusação só poderá receber punição se for comprovada a intenção de agir irregularmente – o dolo. Os casos envolvendo a modalidade culposa, quando não há intenção do ato, ficaram de fora dessa previsão legal.
Para o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE, Fernandes Neto, o novo texto avança legalmente quando o assunto é a gravidade da irregularidade.
Essa nova lei veio em boa hora porque ela (lei anterior) estava sendo usada de forma muito banalizada. A ideia da justiça é punir algo mais sério, improba mesmo. A improbidade hoje existe só quando é dolosa, quando o agente tem a intenção de praticar
A argumentação de Fernandes tem como base a rotina de atendimento de casos semelhantes. O advogado lembra de situações de condenação que considera "banais" como quando um agente público foi condenado por usar o fax da prefeitura para enviar um documento pessoal.
Pelo novo texto, há níveis de atos improbos. Atualmente, não são todos os casos, por exemplo, que punem o agente público com inelegibilidade.
Fernandes explica que há três maneiras de apuração de irregularidade de um ato suspeito: pode ser feita na forma penal por crime contra a administração pública; na área administrativa pelos tribunais de contas e câmaras municipais; ou no aspecto civil, que é junto à Ação Civil de improbidade administrativa.
Outra mudança, pela nova lei, é que apenas o Ministério Público tem o poder de provocar ações de improbidade. Pela regra anterior, qualquer pessoa jurídica poderia fazer. A nova legislação pode mudar, inclusive, a disputa judicial entre partidos no campo da improbidade durante as eleições.
Veja as novidades da lei
- Dolo — Os atos de improbidade administrativa passam a depender de condutas dolosas, com a comprovação da intenção da ilegalidade.
- Nepotismo e promoção pessoal — Inseridos como novos tipos de improbidade, o nepotismo (inclusive cruzado) até o terceiro grau para cargos de confiança.
- Sanções — Prazo máximo de suspensão dos direitos políticos sobe de oito para 14 anos.
- Regras de prescrição — A ação para a aplicação das sanções prescreve em oito anos, contados a partir da ocorrência do fato. Antes o prazo era de até cinco anos.
- Prazo do inquérito — Aumento do prazo do inquérito para um ano, prorrogável por mais uma única vez.
- Ministério Público — O MP passa a ter exclusividade para propor ação de improbidade.
- Transição — A partir da publicação da lei, o MP tem um ano para manifestar interesse no prosseguimento de ações em curso. Processos sem essa providência serão extintos.
- Atos contra princípios da administração pública — Atos de improbidade administrativa só são passíveis de sanção se houver “lesividade relevante” – ou seja, confirmada a gravidade da ilegalidade.
Irregularidades comuns
Os casos taxados como improbos podem ser identificados em várias situações. A Justiça já puniu episódios em que veículos da prefeitura foram utilizados para fins pessoais; quando equipamentos públicos são usados em campanhas eleitorais para benefício do atual gestor; ou quando meios de comunicação da gestão são desvirtuados em favor dos gestores, entre outros.
No entanto, os casos mais comuns são a reprovação de contas — quando os prefeitos ou prefeitas não administram com profissionalismo o dinheiro público. Essa é a forma mais grave de improbidade e que pode gerar cassação de mandato e inelegibilidade.
Não há, portanto, de forma explícita um conjunto de ilicitudes estabelecidas que agentes públicos não podem cometer sob pena da lei. O que há é o conceito muito bem formulado para evitar a prática: o de que qualquer ato para benefício próprio que tenha como base o uso do bem público poderá ser caracterizado como improbidade administrativa.