O lugar da leitura em tempos de pressa

Talvez exista algum leitor no mundo, muito metódico e organizado, que saiba a conta exata de todos os livros que leu na vida. Uma lista anotada em uma agenda antiga, um caderninho de arame, títulos e autores escritos com canetas de cores diferentes, páginas manchadas de café. Seria um diário de leituras, documento raro e precioso. 

Hoje é fácil ter esse controle com os aplicativos que não só organizam o que foi lido, mas classificam a experiência com estrelinhas. São tempos de pressa, não existem mais os amantes de cadernos como antigamente.

Fazendo um cálculo aproximado, é possível saber o número de livros que podemos ler ao longo de uma vida. Supondo que alguém leia um livro por semana, dos dez aos setenta anos, chegamos ao número de dois mil oitocentos e oitenta livros nesse intervalo. Não é nada mal, mas a conta não fecha, muitas vezes. 

Existem bibliotecas pessoais com mais de dez mil exemplares, por vezes de um dono só, o que nos leva a pensar que: ou esse leitor está devorando mais de um livro por semana, ou está conformado em comprar mais do que realmente pode ler.

A dura realidade é que nunca poderemos ler tudo o que nos interessa. São livros demais, tempo de menos.

E cada vez mais livros são lançados, é muito fácil publicar hoje em dia. A pilha aumenta, as prateleiras encolhem em progressão geométrica e pode restar somente a sensação de falta, mais do que presença. 

A internet tem sido uma ferramenta propulsora da leitura, já que abriga clubes, canais de vídeos, blogs e comunidades em torno dos livros. Existe até a moda das maratonas anuais. As pessoas publicam fotos do que foi lido ao longo dos meses e vão numerando, criando um clima de competição para ver quem lê mais. Os números são assombrosos. 

Acredito que mesmo quem lê a faixa de um livro por semana, o que é muito bom, deve ter uma lista dos dez mais importantes de uma vida inteira. São esses os que vão marcar. 

A escritora e professora americana Francine Prose defende o método da leitura lenta e focada, calma, pausada. Segundo ela é só assim que se pode apreciar um texto de verdade, entender os mistérios das entrelinhas, os segredos e pistas que os grandes autores vão deixando no caminho. 

Uma boa ideia é construir uma coleção de frases durante as leituras. Além de riscar as páginas, organizar em um lugar a parte. Todo texto tem um centro de força.

Às vezes uma frase condensa toda a maravilha de um livro inteiro. Pode ser uma boa ideia, também, criar um inventário das frases perfeitas. 

No fim das contas, a quantidade, a velocidade, os modos e os hábitos de quem lê precisam ter uma única função: melhorar a vida. A literatura nada mais é do que um manual que nos ensina o que é, de verdade, estarmos vivos e em combate constante contra todos os antagonismos. 

Se por acaso alguém tiver lido um livro só e aprendeu nele qualquer coisa que melhorou seu olhar para a humanidade, já valeu. Três mil livros não fazem nada por um coração endurecido, mas uma única frase pode mudar a vida inteira.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.