Transicionar é um ato de amor

No Dia da Visibilidade Trans, esta coluna é escrita por uma grande artista do Ceará

Se permitir transicionar é sobre amor próprio. Começo esse texto com essa frase, porque me permitir viver como realmente sou foi o maior ato de amor que já fiz. Amor e coragem, porque é preciso muita coragem para dar a cara à tapa e a mão à palmatória ao viver nossa verdade absoluta.

Talvez você me conheça por meu nome artístico: Layla Sah. Mas me chamo oficialmente e legalmente Layla Rodrigues. Sou uma mulher multiartista, trans, atriz, diretora e roteirista audiovisual cearense. Ao contrário do que esperam de uma pessoa como eu, estou viva aos 45 anos e tenho uma família que me respeita e me acolhe. Sou filha de Maria Iracy Rodrigues e irmã de David Rodrigues e acho importante enfatizar isso, tenho amor.

Sou uma artista e uma cidadã que goza de uma branquitude que me faz existir com privilégio em relação às manas pretas. Sou formada em Interpretação pelo Curso de Princípios Básicos de Teatro (CPBT) do Theatro José de Alencar e em Direção e Interpretação pelo Colégio de Direção Teatral do Instituto Dragão do Mar. Me sinto feliz e realizada profissionalmente. Atuei em vários espetáculos de teatro e filmes ao longo da minha carreira, apresento shows e eventos, trabalhei com locução de rádio e recebi muitos prêmios de Melhor Atriz em festivais Brasil afora.

O mercado de trabalho de maneira geral ainda não nos enxerga como capazes de exercer toda e qualquer função, de contar nossas próprias histórias, de sermos inseridas como profissionais, porque nossos corpos ainda incomodam, mesmo com nossos talentos. As pessoas ainda estão ligadas à imagem da travesti marginalizada, da carne mais barata da esquina.

Então agora, aproveito esse espaço no jornal, coisa que seria impossível há alguns anos atrás, para escrever sobre minhas vitórias, porque sei que quando estou numa tela de cinema ou ocupando um lugar como este, outra de nós pode sonhar em estar também nas telas, nos palcos e em colunas de cultura.

Faço da minha arte uma militância e através dela quero ser referência para que outras pessoas trans (mulheres e homens trans) sonhem em ser médicas, professoras, advogadas, jornalistas, artistas, o que quiserem ser. Que tenham orgulho da própria sexualidade e não tenham medo de exercê-la com saúde e cidadania, assim como eu.

A luta é contínua, fácil não é e nunca será, mas resistimos. As portas vão se abrindo e não há como voltar para o passado e nem para as esquinas. Estamos em 2024 e o desafio segue sendo conquistar o direito de nos manter vivos. Somos gente, com dores e amores, com necessidades e vivências e nossas histórias precisam ser contadas com humanidade e dignidade.

Já passou o tempo de estamparmos os noticiários de polícia, de sermos estatística de desgraça. Não podemos estarmos mais fadadas à rua, à vulnerabilidade e ao que nos rotulam como única fonte de trabalho, como a prostituição ou, no máximo, um salão de beleza. Temos nossos afetos, nossas lutas e conquistas como qualquer outra pessoa e por isso também precisamos ter assegurados nossos direitos à saúde, à educação, à emprego, à visibilidade, amor e futuro.

 

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora