Ter convicções e crenças não dá a ninguém o direito de ser cruel

Um vestido para Miguel Maravilha e necessidade do respeito nas casas e nas redes sociais

Dia desses, ao acordar e imediatamente buscar por atualizações das redes sociais no celular, me deparei com uma postagem que me levou às lágrimas, tanto pelo conteúdo, quanto pelos comentários, em uma montanha russa de emoções distintas. Chorei de felicidade e, logo em seguida, de tristeza.

A postagem era um vídeo cheio de carinho e de respeito de um pai que, ao chegar de viagem, presenteia o filho ainda pequeno com um vestido da Mulher Maravilha, sua personagem favorita. A criança veste o vestido ainda incrédulo por ter ganhado do pai aquele presente, corre para abraçá-lo e depois rodopia pelo quarto mostrando o balanço da peça.

Livre e amado pelos pais, não tenho dúvidas de que este menino crescerá seguro de que é respeitado por ser quem é, ainda que um vestido não signifique nada determinante em gênero e sexualidade. Foi isso que me levou às lágrimas.

A minha criança interna, o pequeno Silvero que ainda guardo em mim, vibrou e pulou de alegria junto com o menino do vídeo. Fiquei com o sentimento de que avançamos, evoluímos.

A postagem, claro, viralizou na internet e não demorou para que uma enxurrada de insultos e críticas surgissem. O vídeo foi republicado por vários perfis de cristãos conservadores, que usavam a imagem daquela criança para vomitar ódio, dizer que o mundo está perdido, amaldiçoar os pais e outros grandes absurdos.

Foi isso que também me levou às lágrimas. Enquanto lia tantos comentários cruéis, instantaneamente, meu sentimento mudou. Parecia mais que tínhamos parado no tempo, nós, a nossa sociedade.

Eram as mesmas sentenças e palavras preconceituosas que eu ouvia quando criança, a diferença que deixaram de gritar na nossa frente, para esbravejar por detrás de uma tela, como se isso os tornasse intocáveis.

Quase todos os dias, ouvimos a expressão: “Internet é terra de ninguém”. Por vezes, é isso mesmo que parece ser, algo sem dono, sem regras, sem decoro. São incontáveis os perfis que se aproveitam de oportunidades para disparar ofensas, violências, mentiras e ódio e saírem, em sua maioria, impunes, contabilizando diversas situações com comentários homofóbicos, transfóbicos, racistas, misóginos e xenofóbicos.

Sem dúvidas, o acesso à internet é de um valor incalculável para a sociedade e deveria ser um direito básico, assim como educação, saúde, moradia, alimentação, já que hoje estamos cada vez mais conectados e dependentes, mas a verdade é que desde o surgimento dessa ferramenta pouco se falou dos efeitos colaterais ou o preço que se paga por isso.

Os benefícios que ela nos traz, nós já conhecemos, mas é preciso entender também que nunca houve preocupação e ação efetiva para regulamentação da internet e as consequências dessa demora são extremamente prejudiciais para a saúde e o bem estar das pessoas. Claro que já existem leis no Brasil para punir crimes cibernéticos, mas por que será que isso não intimida ou conscientiza as pessoas?

Violências em redes sociais têm crescido, já que ofensas e mentiras também geram lucro, mas de uma vez por todas precisamos entender que tais ações afetam diretamente a autoestima e a saúde mental de várias pessoas, levando inclusive a fatalidades.

No meu manual de conduta imaginário para redes sociais, respeito, compaixão e empatia são fundamentais (bem ao lado de interpretação de texto).

Ter suas próprias convicções e crenças não dá a ninguém o direito de ser cruel ou violento, nem mesmo na internet.

Parafraseando Antoine de Saint-Exupéry, em O Pequeno Príncipe: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que destrói no outro”. E por fim, fico com a frase de Marlene Couto Lisboa, mãe do pequeno Miguel: Amem seus filhos!

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor