Em 2024, completo 25 anos de carreira. Às vezes, nem eu acredito que estou há tanto tempo me dedicando ininterruptamente à arte de atuar, à magia de criar histórias e o poder de dar vida a personagens.
Quando criança, ainda na cidade de Mombaça, interior do Ceará, tentaram me ensinar que quando um pobre nasce, ele deve seguir a sina da sua condição social, quase como uma imposição do destino.
No meu caso, por exemplo, filho de pedreiro e lavadeira, inevitavelmente minha sina deveria ser a de seguir os passos de meu pai: começar como auxiliar de pedreiro e crescer até me tornar, no máximo, um mestre de obras. Sonhar com uma formação em Engenharia nem era permitido.
O mesmo valia para as minhas irmãs, mas por serem mulheres, o destino arcaria de encaminhá-las para a vida de lavadeiras, faxineiras ou empregadas domésticas. Se fizessem bom casamento, poderiam ainda ter a “sorte” de ser “apenas dona de casa”.
Não que essas não sejam profissões tão dignas quanto qualquer outra, meu ponto é sobre o que estava dentro do nosso “perfil”, a partir das nossas origens.
Tanto me ensinaram isso que acreditei, mas tudo mudou quando a televisão entrou na minha casa. No momento em que passei a me apaixonar por novelas, à medida que fui assistindo atores em diferentes personagens, fui passando a acreditar noutras possibilidades de vida, fui enxergando que não nascemos predestinados, somos capazes de construir nossas próprias histórias.
Ao chegar em Fortaleza e iniciar minha formação acadêmica em Artes Cênicas, o que mais me excitava era o poder de me transformar em diferentes personas. Eu vi que podia ser um príncipe dinamarquês shakespeareano, um jovem delicado de Nelson Rodrigues, ter a força de Medeia ou a sagacidade de um João Grilo, de Suassuna.
Como amante da televisão, fui ensinado que não existem fronteiras, territórios ou sotaques, já que sempre vi diversos atores e atrizes do Sudeste fazendo personagens cearenses, paraenses, pernambucanos, baianos ou até de fora do país. Mas quando, enfim, chegou a minha vez, para a minha surpresa, ouvi algumas vezes que eu não cumpria alguns requisitos.
“Vou ver se temos um personagem no seu perfil”, me falou um produtor de elenco certa vez. Fiquei tentando entender o que seria “no meu perfil”. Um nordestino? Um gay?
O mais estranho era que, especificamente, essa produção em questão era justamente sobre uma história nordestina, mas repleta de artistas sudestinos nos papéis de protagonistas e vários artistas nordestinos em papéis coadjuvantes ou como elenco de apoio. Isso me deixou um pouco confuso.
Nós, nordestinos, estamos de fato, alcançando mais espaço nas produções audiovisuais brasileiras ou estamos, sem perceber, servindo de cortina para continuarmos sendo atropelados pela Máquina-Sudeste?
Questiono isso enxergando, inclusive, que estou dentre os poucos artistas nordestinos no audiovisual, dentro aqueles que conseguiram “furar a bolha”, mas cansado de seguir ouvindo que não pertenço a um “perfil” ou que meu destino é outro, sigo a sina de buscar outras possibilidades de vida.
E você, tem “perfil” de que?
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor