Era 1994, aos 13 anos de idade, deixei Mombaça, minha terra natal, para tentar a vida na capital Fortaleza. Para trás, eu deixei também Dona Rita Invenção, minha mãe, Seu Zé Granduá, meu pai e junto deles os meus três irmãos. Ficou também o pequeno Silvero, uma criança cheia de sonhos, mas que não enxergava um futuro de qualidade vivendo naquele sertão do Ceará.
Mombaça é conhecida como “terra de mulher bonita e de homem valente”, é conhecida também como “Porronca” ou ainda como a “Princesinha do Mel”, graças a sua grande produção em apicultura. Mas mesmo com esse “título de nobreza”, as condições sociais e políticas da época da minha infância me obrigavam a sair de lá.
E assim fui, como nas canções de Belchior, seguindo o meu caminho, andando sozinho, ganhando esse mundo de meu Deus, com o olhar lacrimoso de esperança e alegria, mas sempre com saudade de ver as fileiras de milho-verde da roça de meu pai.
Na Capital, estudei, me formei em Artes Cênicas, fiz teatro, cinema, novela e ganhei projeção nacional com meu trabalho de artista, mas sempre com uma lacuna profunda, um desejo latente de voltar a minha terra novamente e mostrar as minhas conquistas. Eu queria poder provar que quando há oportunidades, é possível criar novas perspectivas e trajetórias.
Esse “Complexo de Tieta” é um sentimento comum entre muitos que saem de suas terras um pouco decepcionados com as condições ofertadas, mas que nunca deixaram de amar suas origens e, inclusive, retornam no intuito de serem referências para outras gerações que buscam novas possibilidades.
Eis que em 2023, graças às novas políticas públicas federais, com recursos oriundos da Lei Paulo Gustavo e a sensibilidade de uma gestão municipal atenta e interessada em promover as potências locais, pude retornar ao meu lugar e apresentar meu show interpretando Belchior na Praça da Matriz para centenas de conterrâneos, o maior espetáculo de toda a minha trajetória.
Dirigi até Mombaça observando a paisagem seca que se apresentava em cada nova curva. Quando cheguei, soube que meu pai mais cedo andava pela cidade sozinho, informando a todos que seu filho cantaria naquela noite, orgulhoso do feito. Minha mãe fez comida como se esperasse um batalhão. Meu sobrinho Dougllas e minha irmã Cristiana ajudavam em tudo na produção do show.
Tentando manter minha pose de durão, segurei o choro o tempo inteiro. Até subir no palco. Logo na primeira música, a voz começou a embargar. Era um misto de sentimentos por estar ali, diante daquelas pessoas, com minha família na frente do palco, meu pai emocionado, meus sobrinhos, minha mãe em festa.
Pra conseguir fazer o show, passei a mirar no outro lado. Encontrar o meu olhar com os deles me deixava ainda mais nervoso e com vontade de chorar. Finalmente eu tive a chance de apresentar a minha história pelos versos de Belchior, que, assim como na música FOTOGRAFIA 3x4, não é tão diferente de muitos dos que estavam na plateia.
Eu cantava para meu povo como um grito de igualdade e paixão, cantava como se expurgasse as dores e as belezas de ter saído do interior, mas que nunca deixou de enxergar o luar do sertão onde quer que estivesse.
Ao final, minha família subiu ao palco e eu recebi o título de Patrimônio Imaterial da Cultura de Mombaça, em reconhecimento ao meu trabalho. Saí com a sensação de que é o começo de uma grande mudança para a arte da minha cidade e agora sigo na torcida de sejam reconhecidos outros tantos talentos, de que surjam outros muitos artistas mombacenses.
No dia seguinte, antes de voltar a Fortaleza, almocei na casa de minha família. Dona Rita preparou galinha caipira com cuscuz e fava. É, eu realmente sou um sujeito de sorte e minha mãe sempre me faz lembrar que, ainda bem, eu sempre tenho para onde voltar: Mombaça, Princesa do meu lugar.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor