Sou um artista, essencialmente, do teatro. Foi entre as coxias que nasci, foi no palco que cresci, foi frente a uma plateia que conquistei grandes vitórias. São mais de 20 anos de ofício, uma graduação em Artes Cênicas, mais de 30 produções teatrais, múltiplas funções dentro da cena, seja criando, escrevendo, dirigindo… para agora, neste exato momento, eu me sentir um completo novato.
Em breve, vou estrear um novo espetáculo e isso tem me tirado o sono. A última vez que entrei em uma sala de ensaios como um ator pesquisador foi em 2012, ou seja, há mais de dez anos eu entrei pela última vez para um processo criativo de escrita, atuação e encenação de um solo. Então, hoje, parece que desaprendi, parece que esqueci como faz teatro, não sei bem como fazer isso.
Meu último solo foi BR-Trans. A peça estreou em 2013, em Porto Alegre, e encerrou sua trajetória na mesma cidade, em 2022, fechando um ciclo muito importante na minha história artística, do qual sou imensamente grato. Porém, apesar de minha última apresentação não ter sido há muito tempo atrás, não era algo novo.
Durante a fase crítica da pandemia, em 2020 e 2021, com todo o isolamento social e aquela ascensão de lives e novos formatos para a internet, me uni a um grande amigo e ator, Gyl Giffony, e acabei me aventurando em uma adaptação do espetáculo Metrópole, da Inquieta Cia de Teatro, para o formato on-line, feito no Instagram.
Após essa experiência ser bem sucedida, me senti animado para criar mais. Iniciei, então, a montagem do solo “BIXA, VIADO, FRANGO”, meu primeiro espetáculo completamente idealizado para existir na rede social, fazendo do Instagram o meu teatro, dos filtros da plataforma os meus figurinos e da câmera do meu celular a janela para a plateia.
Éramos uma equipe de três pessoas: eu e duas produtoras, Luana Caiubi e Renata Monte. Da minha casa, eu cuidava do cenário, do som, da luz e, claro, do meu trabalho enquanto ator. Da casa delas, a dupla cuidava da venda de ingressos, da comunicação e da liberação de quem podia “adentrar à sala de teatro virtual”. Funcionava muito bem!
Entretanto, por se tratar de uma montagem com exibição on-line e utilização do recurso da câmera, acabei de certa forma me acomodando na criação corporal e espacialidade. Era a minha casa, a minha sala, existiam limitações naquele espaço. Não era um teatro.
Além disso, desde a minha estreia na televisão com A Força do Querer, novela de Glória Perez, meus caminhos foram sendo trilhados muito no audiovisual, seja na TV, no cinema ou no streaming, me distanciando ainda mais do teatro e, consequentemente, me deixando destreinado no modo de pensar, criar e produzir como um artista teatral.
Não é como andar de bicicleta, que não há como esquecer o pedalar. Teatro é um ofício que exige prática, estudo e reciclagem constante. É a arte do exercício. É difícil esquecer como fazer teatro? É, mas se você não estiver em constante treinamento, o músculo da imaginação atrofia e te impede de executar com excelência e qualidade.
Há umas duas semanas, voltei para a sala de ensaios. Se antes adaptei um espetáculo presencial para o virtual, agora faço o caminho contrário. Em breve, estreio a presencial do solo “BIXA VIADO FRANGO”. Aí é que está meu desconforto.
Quem me conhece sabe que sou um ator imersivo, que adora o trabalho de mesa, investigativo e que tem prazer em, nos primeiros dias, estar sozinho no espaço para criar e apresentar propostas de cena aos diretores. Só que dessa vez me vi completamente perdido e angustiado, era como se eu nunca tivesse feito teatro na vida.
Fiquei dias tentando fazer composições que me soavam fracas e amadoras. Assim, fui percebendo minha distância com a arte de atuar nos palcos e, justamente, a necessidade desse desconforto para ser provocado e, possivelmente, produzir algo interessante.
Tudo isso tem me assustado, mas ao mesmo tempo - e ainda bem - não tem me intimidado. Essa inquietação, angústia e perda de sono tem feito com que eu me sinta ainda mais instigado a dar o meu melhor.
Agora tenho a certeza de que todo profissional, se é profissional, tem que se manter antenado, estudioso e em prática com seu ofício. E isso não é sobre o ator, é sobre qualquer profissão.
No final de março, volto aos palcos do teatro repleto de medos e correndo vários riscos. Não consigo prever se será um sucesso, se a estreia vai ser ótima, se tudo vai correr bem, se não vou esquecer o texto, mas fazer arte não é sobre ser sempre bem sucedido em tudo. Fazer arte é sobre desafiar-se e correr atrás do êxito naquilo que você busca imprimir no trabalho.
Depois de tantos anos, posso dizer que é incrível a sensação de completa imprevisibilidade que o teatro me traz novamente, essa mistura de pânico com cócegas na barriga por me sentir um novato, um aprendiz de algo que me é tão familiar.
As mãos tremem, o suor pinga, a zona de conforto fica cada vez mais distante de mim e agora rezo para que os deuses do teatro não me esqueçam!
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor