Por que os fósseis do Cariri vão para o mundo e nunca voltam?

Existem duas derivações do colonialismo ocidental: o colonialismo brasileiro do Sul para com o Norte e o colonialismo brasileiro da Capital para o Interior. E, nesse ponto, o Cariri vira alvo duas vezes.

Acredito que todo brasileiro deveria passar por um curso de decolonialismo. A gente tem uma maniazinha muito feia de achar que tudo que é de fora é bom e/ou exemplo. Quando todo mundo sabe que a conduta correta não é essa. Nada é bom ou ruim por ser de fora ou nacional. É-se e aí a gente avalia se presta ou não.

É o tal complexo de vira-lata, do escritor Nelson Rodrigues. A própria expressão tem origem no nosso colonialismo. Os cães sem raça definida são inteligentes e não parecem ter problema de autoestima. Quem tem preconceito com eles são aqueles que, presos ao colonialismo, só acham belos os cães com pelugem longa e bufante.  

Como cearense e caririense, gostaria de abordar um pouco mais o tema, falando inclusive que há derivações do colonialismo ocidental. São duas: o colonialismo brasileiro do Sul para com o Norte e o colonialismo brasileiro da Capital para o Interior. E, nesse ponto, o Cariri vira alvo duas vezes.

Abordemos esse assunto com um exemplo pré-histórico: fósseis. A bacia sedimentar do Araripe -- que compõe o relevo da nossa região -- é uma das principais jazidas de fósseis do mundo. Pterossauro aqui os escavadores encontram em quantidade e qualidade. Peixes, plantas, crustáceos acham-se aos montes. E as peças chamam atenção pela tridimensionalidade e pela preservação.

Pois, nesta semana, o fóssil de um crânio de pterossauro que estava na Bélgica há anos foi repatriado para o Brasil, com ajuda do Ministério das Relações Exteriores. É da família Tapejaridae. Raro! E para onde foi levado o fóssil? Para um museu do Rio de Janeiro, a mesma cidade em que outro centro de memória pegou fogo e parte irreparável foi consumida pelas chamas, inclusive fósseis nossos.

Em outro momento, fósseis também do Cariri foram interceptados pela Polícia Federal a caminho de um porto para exportação ilegal. Adivinha para onde foram levados após recuperados, inclusive um Tupandactylus navigans? Decidiram pelo depósito na Universidade de São Paulo.

Ou seja, os fósseis saem do Cariri, muitas vezes por tráfico. O principal destino continua sendo fora do país, porque o colonialismo ocidental considera que é melhor estar na Europa do que aqui. Porém, quando é repatriado, sequer volta para o Ceará. Para o Cariri, para o Interior então...

"Sem dúvida. Todos querem o material do Araripe. O museu que tem peças importantes daqui é destaque. Se os gringos querem por ser importante, o sudeste não é diferente".
Antônio Álamo Feitosa Saraiva
Professor e um dos principais pesquisadores da paleontologia brasileira e que vive no Cariri.

Assim como milagres, fósseis só na Europa

Esse tipo de situação é corriqueira e lembra a frase atribuída ao padre francês que fora reitor da Prainha quando do milagre da beata negra do Cariri: "Nosso Senhor não iria deixar a Europa para fazer milagres no Brasil", como bem relatou Lira Neto, também colunista deste diário.

Pois parece que o mesmo deve ocorrer com os fósseis contrabandeados. Nunca deveriam deixar a Europa, feito o Ubirajara jubatus, apreendido na Alemanha. E, se deixarem, que fiquem no eixo Rio-São Paulo. Mas nunca, em hipótese alguma, retornem para o Ceará, muito menos para o Cariri, que foi de onde foram retirados.

Só que o nosso orgulho caririense é ancestral. E dele vou continuar tratando num próximo texto, quando será abordada a outra derivação do colonialismo: o da Capital para com o Interior.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.