Peregrinos do Padre Cícero percorrem 600 km a pé, caminho comparável ao de Compostela

Sem os holofotes da mídia, os romeiros do Padim seguem caminhando, carregando no corpo cansado a alma desta nação silenciada.

A imprensa brasileira, tão eurocêntrica que é, já fez algumas reportagens sobre os caminhos de Santiago de Compostela. Eles têm como destino a capital da Galícia, no noroeste da Espanha, partindo da França, de Portugal ou mesmo de alguma cidade espanhola. Mas não me lembro de trabalho de fôlego reportando o que acontece no interior do nordeste do Brasil.

Claro que as romarias para o Cariri cearense são bem conhecidas, mas a partir dos transportes motorizados: ônibus e pau-de-arara. O que se passa e pouco se amplifica é que romeiros também fazem o trajeto a pé para Juazeiro do Norte. 

São percursos que, diferentemente dos que são feitos na Europa, não estão sinalizados, não têm uma rede de albergues à disposição dos peregrinos. Os romeiros sequer podem usar calçados apropriados. Alguns servem-se apenas de chinelos de borracha. Os calos e as feridas sanguinolentas nos pés são o resultado dessa peregrinação.

É na tora, como a gente costuma dizer. Além de fé, eles dão provas de coragem e sorte.

Esta semana, para celebrar o dia do santo sertanejo (o da morte, 20 de julho), 13 romeiros chegaram à terra do Padre Cícero depois de deixar, havia 17 dias, o município de Lagoa Salgada, interior do Rio Grande do Norte, rumo ao sudoeste. Foram quase 600 km, coincidentemente o equivalente ao caminho português, de Lisboa a Compostela.

"A gente saía à 1h da madrugada e caminhava até 6h da manhã. Depois, lanchava. Caminhava mais, até meio-dia, aí deitava um pouco. Aí saía de novo e caminhava até 6h da tarde, parava de novo, tomava um banho, deitava, para sair de madrugada de novo", contou o agricultor José Wilton Nascimento.

Outro agricultor, que se identificou como Ednaldo Nunes de Mesquita, disse que percorre esse caminho há 25 anos. Ele afirmou ainda que algumas pessoas vieram pela primeira vez. 

Esta semana, também chegaram romeiros vindos da Paraíba e do Piauí, todos desmotorizados. Chegaram a pé ou de bicicleta. Aqui, somaram-se aos milhares que vão passar pela cidade durante este período. Na estimativa oficial, 50 mil pessoas querem visitar o túmulo onde está sepultado o padre, na capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

São pessoas que percorreram dezenas de quilômetros, sem ajuda de guias, sem a prestação de serviço de agentes de turismo. É um exemplo da imensidão deste país, da fé do povo e da precariedade em que vivem. 

Você teria coragem de fazer esse percurso? Rumo a Juazeiro do Norte ou a Santiago de Compostela? Qual é o mais convidativo?

A julgar pelo que amplifica parte da imprensa brasileira, o trajeto europeu parece ser mais importante para a nossa cultura. Vemos tantos correspondentes internacionais na Europa, nenhum na África. E o mesmo pode-se dizer sobre o interior do Nordeste. Esse deserto de notícia diz muito sobre prioridades.

Sem os holofotes da mídia, os romeiros do Padim seguem caminhando, carregando no corpo cansado a alma desta nação silenciada.