Na esquina praça Marques de Herval, a atual Praça José de Alencar, se erguia com destaque o prédio da Phenix Caixeiral – a mais relevante entidade de classe da primeira república em Fortaleza. Ali funcionaram, além da entidade dos caixeiros, escolas, cineteatro, atendimentos médicos e de lazer aos associados, impressão de jornais, academias literárias e sociedades intelectuais e trabalhistas como a Associação Comercial do Ceará, o Instituto Politécnico e a Associação dos Jornalistas Cearenses (ACJ).
Foi neste imponente e dinâmico espaço que ecoou o primeiro som transmitido por um rádio no Ceará, logo gente de todo canto chegava para tomar pé da novidade que misturava um quê de ciência, um quê de misticismo e muitos quês de encantamento.
Foi em um salão da Caixeiral que, em 20 de janeiro de 1924, funcionários do Distrito Telegráfico de Fortaleza (os correios) e membros destacados da sociedade cearense que haviam fundado a sociedade Rádio Clube Cearense realizaram o “milagre da modernidade”. Com apenas dois anos de diferença do início formal das transmissões radiotelefônicas no país e três anos antes da que foi a primeira estação radio-difusora do Norte-Nordeste (a Rádio Clube de Pernambuco, iniciada em 1927), Fortaleza ouvia a música e as informações transmitidas sem fio pelos ares do Brasil e do mundo.
O engenheiro Elesbão de Castro Velloso idealizou a entidade de Radiotelefonia. Encantado pela inovação e pelas promessas que aquela ciência revolucionária traria para as comunicações, o funcionário dos correios da época contaminou muitos com seu amor pela ciência das transmissões. A Rádio Clube Cearense logo ganhou nomes destacados da cearensidade como o desembargador Carlos Livino de Carvalho, Carlos Mesiano, Francisco Riquet Nogueira, Clovis Meton de Alencar, Augusto Mena Barreto, Mister Watson e Henrique Soares.
A rapidez de propagação da paixão pela tecnologia era muito maior que a velocidade da própria tecnologia. Esses homens sonhavam em dominar aquelas máquinas e linguagens como fazem hoje youtubers, podcasters e tiktokers. Mudam contextos e facilidades de acesso, mas continuam fúlgidos e intensos as amores pelo novo, pelo conhecimento e pela difusão de sonhares.
Hoje, dia 7 de novembro, é Dia do Radialista, por isso a memória da emoção de ouvir pela primeira vez a música transmitida por ondas invisíveis a quilômetros de distância ainda ressoa nos corações dos muitos milhões de ouvintes que ainda tem no rádio uma paixão e uma companhia para todas as horas.
O rádio e a sociedade
Muitos radialistas comemoram o dia de sua profissão no 21 de setembro, data original da celebração do meio radiofônico. Porém, uma lei alterou a data de comemoração oficial da categoria, passando para 7 de novembro. O primeiro dia remete ao Governo Getúlio Vargas. Quando o presidente/ditador, que fez do rádio seu canal privilegiado com o povo, sancionou uma Lei com fixando piso salarial para os profissionais da categoria. Seria como Lulas, Bolsonaros e Trumps entre outros políticos que hoje lotam as redes sociais regulamentassem os profissionais de mídia, trazendo para si um nicho de trabalho que era sinônimo de poder e influência popular.
Na primeira comemoração do Dia do Radialista, as emissoras da capital federal, centro difusor das ondas comunicativas, pararam. Os rádios do País silenciaram para homenagear os profissionais com exibições, corridas de calhambeques e churrasco na Quinta da Boa Vista.
Hoje a data alude não à lei, mas à voz e ao trabalho do músico e radialista Ary Barroso. O compositor nascido em 7 de novembro de 1903 ajudou a fazer do rádio um fenômeno de massas e que recebe a homenagem em nome de todas as vozes que fizeram e fazem o rádio e a cultura do país.
O pequeno aparelho que ainda pulsa junto a corações cearenses
O rádio pode não estar mais em um imenso móvel no centro da sala, reunindo familiares e vizinhos como era comum na Era Vargas, mas ele está em todo estádio, colado às mãos e ouvidos de torcedores que querem ouvir, tanto quanto ver, o decorre nos gramados do país. Milhões rezam, oram, choram e cantam em fones coletivos, nos transportes públicos e individuais, nos ouvidos, nas academias e praças. O rádio e todos os seus profissionais continuam a desempenhar um papel fundamental na sociedade brasileira e no estado do Ceará.
Seja como veículo de informação, seja como entretenimento, seja como educação o rádio, suas vozes e sons moldaram a cultura e a identidade do país e do Ceará de maneira significativa. Foram músicas, ritmos, tradições, ideias e conflitos que ganharam voando pelas ondas radiofônicas.
Pelo rádio, Vargas tomou o poder no Brasil em 1937. Pelo rádio, o Brasil comemorou o fim da II Guerra Mundial. Pelo rádio, a nossa vida coletiva e individual ganhou sonoplastias e trilhas sonoras. Foi no rádio que o mundo descobriu ícones como Carmen Miranda, Luiz Gonzaga, Elza Soares, Adoniram e tantos do samba ao maxixe, do coco ao fandango. O regional pode se tornar nacional, o local pode se expandir. O rádio, as rádios e os profissionais do meio foram fundamentais na construção da identidade nacional.
No Ceará, várias emissoras se fizeram referências como a Rádio Assunção Cearense, a Rádio Iracema e a Verdinha, entres muitas outras. Estas emissoras desenvolvem e promovem a cultura cearense, integram as comunidades locais e servem de plataforma para artistas e comunicadores regionais. Ainda hoje são importantes para a promoção da música nordestina e para a divulgação de informações de relevância local.
A voz poderosa que agora domina streamings, podcasts e outros estrangeirismos tecnológicos ainda é a voz do centenário rádio que busca e consegue conversar com a geração dos tataranetos daqueles apaixonados cearenses reunidos na Phenix Caixeiral. A era da internet e das redes sociais engoliu e foi engolida por aqueles que vivem e viveram do rádio, que ama o rádio e que ainda o fazer ser o que é: Paixão em Hertz e Ondas.