Lembro-me perfeitamente do dia em que comecei a estudar para concurso. Estava formada, tinha voltado de uma viagem mais longa, cabeça solta e mente presa. Acho que muitos vão se identificar, né? Não com a viagem ou com a formatura, mas com a mente presa. Pensamos alto, voamos alto, mas cortamos nossas asas, quando não, cortam por nós.
Não vou aqui dizer que não devemos deixar que nossas asas sejam cortadas porque a realidade, a realidade é dura. Mas diria sabiamente Ariano Suassuna: “a vida é bela apesar de tudo”.
Formatura em Direito, claro... concurso. Nunca foi do meu interesse advogar. É concurso, Mila. Você nem é mais tão novinha assim. Tem umas três matérias que você curte, por que não ir para esse lado, ver o que te agrada? E assim decidi seguir carreira policial. Fui para uma salinha de estudos (concentração nunca foi meu forte, grandes asas sim).
Foi tão legal esse período. De muito crescimento. Conheci gente, fiz amigos já “velha”, tomava uma cerveja no final do cronograma. Que tempo bom, que tempo legal. Não porque o caminho tava menos difícil do que dos outros concurseiros, mas porque, de alguma maneira, eu sabia que aquele tempo acabaria logo. Não por achar que ia passar logo, mas porque eu achava, de alguma maneira, que ali, não era meu lugar.
O que eu deveria começar pra dar o start no que seria o meu lugar? Meu pai sempre falava para mim: os anos vão passar do mesmo jeito e, quando passarem, você vai ter desejado ter começado daquele dia.
Foram dois anos assim. Criei um instagram de concurso, acreditam? Vida de concurseiro é bem atípica, mas deixa eu contar isso outro dia.
Um dia, vi uma seleção de emprego com uma outra área que eu era apaixonada. Fui, passei, fui contratada. O tempo para o concurso foi ficando menor e eu gostava. Como eu ia explicar para os meus pais que eu não queria mais aquilo, que foram dois anos gastos para nada (adianto que foram gastos de maneira incrível)?
Depois de muita terapia, saí. Terapia porque eu tinha muito medo de decepcionar, de parecer perdida. E daí fui para outra cidade, outra empresa e, nesse período de descoberta, foi quando desenterrei o plano que sempre foi o A de dentro de mim. Pude entender que eu mesma, nunca fui feita para recolher minhas asas.
E aí, passou ou desistiu? Nenhum. Eu simplesmente entendi que esse nunca foi o meu plano A.
E a vida que, apesar de difícil, é bela, me permitiu ser feliz durante aqueles dois anos mesmo sabendo que agora minhas asas, por vezes cortadas, não se escondem mais. Fatores externos nos fazem ficar presos tantas vezes ao nosso plano B como se fossem o A, mas diria que uma grande parte desse fatia se deve ao medo: de não dar certo, de ser julgado, de derrotar.
Sonhos sustentam a casa? Sonhos pagam contas? Difícil mesmo concluir. Mas podemos tentar assim que der, assim que vermos alguma brechinha que nos dê coragem. Quando a gente cria coragem, é como se nos dessem de volta nossas asas.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.