Guerra no Oriente Médio e torcidas organizadas nas redes sociais

Do conforto do lar, pessoas torcem para um dos lados, minimizando a morte de crianças e civis do time oposto

Cada tempo histórico traz consigo suas atrocidades e desafios. Entretanto, não sei se em uma tentativa de tornar este mundo um pouco mais palatável ou porque, como Romain Gary, tenho, acima de tudo, necessidade de crer na humanidade a fim de seguir vivendo, me consolava dizendo que nossa espécie estava evoluindo, já não éramos tão selvagens como antigamente.

Apesar de ser testemunha das barbáries de meu tempo, acreditava, ou queria acreditar, nas palavras de Yuhal Harari que dizia: calma, estamos vivendo o maior período de paz que a história já presenciou, nunca o mundo permaneceu com tão poucos conflitos ativos.

Constatava, com certo orgulho histórico, que atos cruéis que outrora foram considerados legítimos, hoje seriam impensáveis, considerados absurdos. E quando, por algum motivo, emergem do esgoto do coração humano, é unanimidade a opinião de que esses atos precisam ser eliminados e seus responsáveis punidos.

Acreditava que estávamos melhores, afinal, já não legitimamos, pelo menos oficialmente, a falta de direitos civis dos negros, as mais diversas formas de escravidão e servidão; mulheres já não são condenadas a serem queimadas vivas, campos de concentração de trabalhos forçados e câmeras de gás estão distantes, são “apenas” uma dolorosa memória em museus, nada próximo de nossa realidade.

Entretanto, há quase quinze dias minha esperança na humanidade parece tão ingênua que chega a me envergonhar: ataque terrorista surpresa, pessoas sequestradas, civis mortos, hospital bombardeado, famílias dilaceradas. Apesar disso tudo, não são exatamente essas atrocidades que esmagam minha esperança, afinal, desconhecemos todas as nuances dos jogos políticos que apoiam e financiam atos de ambos os lados.

O que acentua a dor e aniquila a esperança é constatar o quão desumanizadas estão as pessoas que, como se estivessem diante de uma partida de videogame ou de futebol, torcem para um dos lados, minimizando a morte de crianças e civis do time oposto.

Houve até quem comemorasse pelo único voto na ONU que vetou uma recomendação de cessar-fogo.

De um lado, muitas dessas pessoas que, no conforto de seus lares, parecem vibrar com a morte alheia, curiosamente, se dizem cristãs – pessoalmente, chego a acreditar que a face divina há muito se apagou dessas pessoas que se portam como torcedores que acham que seu time está apenas cobrando um pênalti após uma falta do rival.

No íntimo, sei que seria cruel demais seguir achando isso. Então, para amenizar minha própria repulsa, penso que estes torcedores se dizem cristãos por não saberem o que isso significa - certamente nunca leram os Evangelhos, nunca leram Romanos 12:9-21 e não sabem o que lá está escrito: “A ninguém pagueis o mal com mal! (...) Não tomeis vingança por vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira divina, pois está escrito ‘A mim a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor!’. Ao contrário: se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer, se tiver sede, dá-lhe de beber...”.

No alto de suas arquibancadas confortáveis, os supostos cristãos que nunca leram os evangelhos se tornam especialistas em conflitos no Oriente Médio; cientistas políticos sem qualquer formação – à parte o grupo de Whatsapp do qual fazem parte com entusiasmo. Do outro lado, tão cruéis quanto o grupo dos ignorantes, estão aqueles que banalizam atos terroristas contra civis, escondendo sua desumanidade por trás de argumentos intelectuais e conhecimento geopolítico.

Ambos os lados ignoram que os sinos que anunciam as mortes diárias não se referem unicamente a palestinos ou israelenses, mas a todos nós. A morte de qualquer ser humano, como nos ensina John Donne, nos diminui porque somos todos, independente de nacionalidade, parte do gênero humano.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora