Eu queria nos desejar feliz Dia das Mães com alguma fórmula pronta sobre o maternar, ressaltando algo que toda mãe deveria ter para ser uma mãe, ou com alguma receita infalível que conferisse o “atestado de boa mãe” a quem a seguisse. Mas trazer uma característica – de caráter ou de ação – que toda mãe deveria ter não seria mais do que uma simples redução, idealização absoluta. Escrever sobre mães pode ser mais desafiador do que parece.
Há incontáveis modos de maternar - alguns bem mais felizes do que outros. Porém, apesar de vivermos na era da pós-verdade, de flexibilização dos conceitos de “bom” e “mau”, seria ignorância, ou ingenuidade, acharmos que todos os modos de maternar são válidos. Infelizmente, às vezes, o melhor de uma mãe ainda é insuficiente para o que uma criança precisa.
Nossas mães nos deixam marcas, independente de terem sido boas ou duvidosas, mas alguns modos de maternar deixam cicatrizes indeléveis. Nosso corpo, inclusive, carrega a marca física de nossas mães, e certa vez escutei uma frase certeira, intensa, de que nosso umbigo é uma cicatriz profunda de nossa primeira separação. Em todos nós há a presença de uma ausência.
Talvez, por isso, tantos de nós passem a vida a ruminar as marcas deixadas pelas mães e atribuam, às lacunas de suas vidas, falhas maternas. Entretanto, embora se idealize o que uma mãe deve ou não deve ser, sobre o que dever ou não deve fazer, não há um modo universal de maternar a ser seguido. Refletir sobre mães é pensar em uma diversidade tão grande - mães amorosas, mães mártires, mães narcisistas, mães instagramáveis, mães ausentes, mães sufocantes, mães ansiosas, mães relapsas, mães aconchegantes, mães competitivas – que se torna impossível estabelecer uma fórmula infalível sobre a maternidade.
Há tantos tipos de mães quanto de seres humanos - somos mais de 8 bilhões de pessoas e, portanto, há um tipo de mãe para cada um de nós. Ainda que uma mãe tenha vários filhos, ela será uma mãe diferente para cada um deles. Idade, maturidade, tempo, contexto. Somos pessoas diferentes a depender do tempo de nossas vidas – e, com as mães, não é diferente. E isso é prova que o maternar não depende somente da personalidade da mãe, mas de uma série de questões contextuais. A vida financeira, a disponibilidade de tempo, a rede de apoio, a qualidade da conjugalidade - tudo isso interfere diretamente no tipo e na qualidade do maternar.
Como exemplo banal recordo como a qualidade do meu maternar é diferente quando meu esposo e babá estão em casa disponíveis e quando me encontro sozinha com meu pequeno, privada até mesmo de ir ao banheiro. Lembrar do desespero de ter vontade de ir ao banheiro na rua com um bebê e lutar contra minha própria fisiologia me lembrou de mais um provérbio: “é preciso de uma aldeia inteira para criar uma criança”. Não tenho como discordar. A despeito de meu amor profundo por meu filho, sei que sou uma mãe mais feliz em minha maternidade, ou menos, a depender da aldeia que me circunda.
Boa parte de minha aldeia diz de minha história de vida, de minhas escolhas, as pessoas que cultivei ao longo da vida. Entretanto, parte desta aldeia se refere a um contexto macrossocial que me ocorre à revelia. As contradições sociais e legais inclusas. E quando penso nisto só consigo ruminar “a conta não fecha”. Sem dúvidas há muitas formas de maternar que vêm da personalidade materna, mas a “aldeia” contextual também molda profundamente a experiência entre mãe e filho.
Afinal, como as crianças possuem dois (ou mais) meses de férias escolares e as mães que trabalham somente têm um mês por ano? A conta não fecha. Como as mães construirão relações com maior equidade de gênero, convocando seus companheiros para cumprirem suas funções paternas, quando a lei dá aos pais apenas 5 a 20 dias de licença paternidade? A conta não fecha. Como as crianças devem ser alimentadas exclusivamente de leite materno até os 6 meses, se as mães devem voltar a trabalhar após 4 meses? A conta não fecha.
De que vale ter direito a dois intervalos de 30 minutos para amamentação se muitas mães trabalham longe de suas casas e levam bem mais que 30 minutos no trajeto ida-volta? A conta não fecha. Como esperar que uma mãe possa promover uma introdução alimentar, sem sal e sem açúcar, e com variabilidade nutricional, se determinados alimentos, indicados por pediatras e nutricionistas, estão cada mais inacessíveis? A conta não fecha.
Como esperar que uma mãe seja amorosa quando ela está completamente exausta e com privação de sono? A conta não fecha. Essa lista é longa, a conta não fecha em várias situações.
Então, nesse Dia das Mães, acredito que a melhor forma de celebrar o maternar seja, justamente, lembrando que não existem fórmulas prontas, fugindo das idealizações sobre “mãe é isso” ou “mãe é aquilo”, tão comuns no dia de hoje. A maternidade é um caminho magnífico, repleto de ternura, mas também envolto por curvas sinuosas, muitas das quais são impostas pelo contexto macrossocial. Neste Dia das Mães, espero que seja possível renegar a maternidade como um conceito único e universal: há muitas formas de maternar.