Segunda-feira é dia de músico descansar e assim foi para um dos maiores nomes do cancioneiro cearense, o grande Tarcísio Sardinha. Há sete dias saía de cena um dos artistas mais importantes do cenário cultural do nosso Estado, quiçá do Brasil, após longos meses lutando contra uma infecção severa.
Falar do instrumentista é resgatar um sorriso sincero, um coração generoso e dedos que tocaram a emoção de muita gente com sons que iam do violão ao piano. Não tive muita convivência com o Sardinha, mas sempre o encontrava nos shows e nas noites da cidade. Somos amantes da boemia, e quem vive sob a luz das estrelas parece pertencer a um mesmo elo.
Tive a honra também de me tornar amigo, além de grande admirador da Bárbara Sena, cantora e filha do maestro, então seu nome sempre esteve presente comigo, algo quase que familiar. Mesmo que muito já tenha sido dito nesses dias sobre ele, preciso falar do encanto de sua despedida que mais parece um “até breve”.
O instrumentista foi velado no tradicional Teatro São José por muitos amigos e discípulos. Aliás, parte desses, em semanas anteriores, já haviam se reunido em um show beneficente em prol do tratamento do Sardinha, na época internado. A esperança que perpetuou essa última união, foi substituída pela saudade. Porém, em ambos momentos, o amor pelo veterano foi que prevaleceu.
Apesar do luto juntando tantos corações pulsantes, a vida do músico não poderia ser celebrada com tristeza, ao contrário, foi reverenciada por tamanha luz. Quem conhecia o compositor sabia que uma das suas frases mais famosas era: “hoje não vou beber, só vou tomar uma cervejinha”.
Um fim de tarde
Com o peito repleto de tristeza, fui me despedir do maestro. Claro, que a dor da perda é grande, mas foi impossível não ficar emocionado ao assistir o reconhecimento da história de Sardinha neste momento. O Teatro São José, que já recebeu tantos espetáculos e peças, ficou com a incumbência de ser o último palco do musicista.
Logo que adentrei no local, mesmo com aquele clima duro embalado pela saudade, foi comovente ouvir o soar da sanfona melódica do Aderson Viana que trilhava o local. Aos poucos, a plateia ia sendo contemplada de admiradores e lágrimas. Uns cochichavam as boas lembranças que Sardinha costurava como ninguém.
Eu me juntei aos seus admiradores enlutados que ali emanavam energias boas ao veterano, quando de repente a noite virou um “Fim de tarde”, composição de Tarcísio, interpretada por seus pupilos. O artista foi professor de muitas gerações, formou uma grande classe de músicos e quase duas dezenas entraram em cortejo tocando o “mestre”.
Aquele “choro foi verdadeiramente chorado” naquela noite. Sardinha saiu de cena dois dias depois do aniversário do Pixinguinha, o que segundo a família, era uma das datas preferidas do maestro. Tudo pareceu receber uma composição musical daquelas que nos impacta com tamanha sensibilidade.
Foi impossível não marejar os olhos quando entrou no salão, também ao som do bandolim, o veterano Macaúba, que apesar das limitações da idade, foi lá se despedir do eterno amigo. Ele se juntou aos demais músicos que pareciam se multiplicar naquela noite estrelada em semanas chuvosas.
Um sonho não morre
“Quem me levará sou eu” foi uma das canções cantadas na última segunda-feira. A letra foi perfeita para anunciar a chegada de Sardinha em outros planos, agora tocando ao lado de tantos parceiros e espero que assim esteja sendo. Sempre repleto de risos, abraços e muita música como ele gostava.
Aliás, uma despedida não poderia ser mais a cara do maestro. Além das homenagens no São José, na esquina da R. 25 de Março com a R. Rufino de Alencar, os mesmo amigos se revezavam em uma noite boêmia homenageando o amigo entre brindes de cerveja e cachaça. O choro dos violões, cantos e olhos pareciam um só e aplaudiam aquele grande mestre.
Infelizmente, às vezes o reconhecimento de certos astros vem de forma tardia, mas o músico nunca se importou com isso, o que sempre valeu foi o amor e este o cercou até o fim, que na verdade nem existe, pois ainda o escutaremos muito por aí.
Pode ser de mau gosto narrar um velório, mas aquela homenagem não teve ligação com a morte e sim com a vida. Sardinha não deu adeus, foi só um até breve! E mesmo com sua ausência física, ainda o encontraremos muitas vezes pelos bares, noites, calçadas, teatros e no olhar dos amantes da boa música.
Para a minha grande amiga Bárbara Sena, um abraço forte e toda a minha solidariedade. Acredite, querida, todos ficamos um pouco órfãos com a partida do maestro, mas você ainda seguirá dando muito orgulho, não só a mim e aos seus, mas ao pai que segue radiante em seu coração. Sardinha, Vive! Pois para quem ama a vida, não existe a morte, apenas um outro lado do caminho.