Sérgio Reis, a política não é uma panela velha

Após ameaças ao STF, o cantor precisa aprender a respeitar o Brasil, a Constituição e a democracia

Quando um artista entra na arena política, fico temeroso com as consequências que isso pode causar. Não que seja opositor de tal classe nos mais altos cargos do governo ou adotando posicionamentos (democráticos, espera-se), ao contrário, precisamos que eles ganhem destaque nesse cenário administrativo e de defesa de causas. O receio vem da compreensão dos papéis, tanto do ídolo como de seu público, de que eventuais apoios não sejam movidos pelo sentimento que a arte mobiliza, mas pela razão.

A política requer razão. E nada tem a ver com isso episódios como aqueles quando a popularidade e/ou o capital político sobem à cabeça. Foi ao que infelizmente o Brasil assistiu na última semana. O cantor Sérgio Reis, que também já ocupou o cargo de Deputado Federal, convocou uma greve geral dos caminhoneiros em forma de ameaça ao Supremo Tribunal Federal.

Tudo isso veio à tona após áudio e vídeo do cantor serem divulgados em suas redes sociais mostrando não só intimidação ao STF como também à democracia. O autoritarismo do ex-político é tanto que no material ele afirma querer uma reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para “dar uma ordem” de aceite à deposição dos Ministros do Judiciário e ao voto impresso.

Felizmente, a atitude não foi aceita pela categoria dos caminhoneiros e toda a falatória só fez mostrar que o telhado do cantor tem mais goteira do que na música. Com as declarações, Sérgio Reis só acrescentou ao currículo o cancelamento de shows e investigações sobre possíveis crimes, podendo até ser preso.

Na minha cabeça só vem a questão: quanto vale o show? O artista, diante da vaidade por ser popular, ultrapassou as barreiras da sanidade e, em meio à um delírio coletivo, embarcou no que a arte mais abomina: ferir democracia.

Até onde vai o artista?

A repercussão da fala de Sérgio Reis está sendo enorme, com desdobramentos jurídicos. É impossível dissociar, em um momento como esse, o artista, do cidadão; “a pessoa jurídica, da física”. Agora, saber separá-la de sua obra e não taxá-la é fundamental.

O compositor é daqueles astros que entram em milhares de lares diariamente por meio de suas músicas. Seu repertório é de um valor enorme para o cancioneiro popular e toda sua história. Sérgio, ao sair da Jovem Guarda, relançou o sertanejo de “raiz”, aquele que mescla também com as modas caipiras de viola.

“Menino da Porteira”, por exemplo, maior sucesso do Sergião, é uma das músicas mais regravadas pelos cantores do gênero no Brasil. Sua interpretação de “Filho Adotivo” é de uma beleza que emociona, assim como as divertidas “Panela Velha” e “Pinga em mim” que já colocaram muita gente para dançar.

A discografia do artista é vasta e jamais merece perder o brilho tão pouco deixar de ganhar a devida atenção. Mesmo diante disso, é preciso repensar sua imagem dentro da visão de ídolo, já que com tal declaração o artista vai contra a mesma cultura brasileira que teima resistindo até quando esta não possui nenhum Ministério para representá-la.

A democracia também é música

Todos possuem o direito de escolher seu posicionamento político, o partido ou candidato com que se identifica e até o time de futebol do coração. Agora, nos momentos em que suas atitudes interferem diretamente nos direitos amplos, na base de funcionamento social; atua-se pró sistema anti democrático, que independe de ser de direita ou esquerda.

Parceiro de décadas de Sérgio Reis, o compositor Renato Teixeira fez questão de expor seu olhar diante tudo isso e foi taxativo em suas redes sociais: “jamais usarei o meu prestígio para tentar usurpar o nosso sistema democrático”. A frase é perfeita e resume bem uma verdade que seu amigo não compreendeu.

Destituir qualquer poder público sem motivo cabível nem juridicamente respaldado é crime, principalmente no que diz respeito ao Supremo Tribunal Federal, centro de importante equilíbrio dentro do sistema de Governo Brasileiro, e todo cidadão deve, ou pelo menos deveria, defender isso.

Sérgio Reis precisa assimilar que o sistema democrático brasileiro não é uma panela velha no qual qualquer um pode meter a colher e mexer como bem quiser. Temos uma Constituição, um código de leis que merece respeito, assim como toda a população no qual ela rege. Punir o ex-político é fundamental para que possamos ter um exemplo de que nenhum líder ou famoso é maior que a própria democracia.