A acusação de Ed Motta só reforça o desejo: Toca Raul!

Após críticas do sobrinho de Tim Maia, fãs do roqueiro baiano protestam na internet e a história do artista é relembrada como um marco no rock nacional

Uma polêmica tem rondado o mundo musical brasileiro nos últimos dias. Essa aconteceu devido à uma afirmação do cantor Ed Motta que coloca em cheque o talento do saudoso compositor Raul Seixas. Em live nas redes sociais, o sobrinho de Tim Maia disse que o eterno Maluco Beleza não tinha caráter e tão pouco competência musical.

Para defender a opinião, o artista alegou que Raul era funcionário de gravadora e por muito agiu contra colegas. Outra acusação é que o cantor baiano não era autor de suas letras e sim seu parceiro, Paulo Coelho. Tais ataques, apesar de serem já característicos de Ed Motta, terminam ganhando efeito reverso e ainda ganhando maior antipatia do público, se é que isso é possível.

O autor de “Manuel” coleciona desafetos e isso não é por acaso. Emplacando pouquíssimos “hits”, ele termina carregando o peso de uma descontentação com a própria carreira, algo que chega a ser até narcisista. Ainda que tenha talento vocal, segue longe de ser um gênio da música e tão pouco um nome que marcará a história do nosso cancioneiro.
 

O mesmo, evidentemente, não podemos dizer de Raul Seixas, artista que tanto agregou e ainda acrescenta em vários dos nossos campos culturais. Ele já preferia nos anos 80, ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo e, essa lição, já descarta qualquer ataque egoísta.

Uma Brasa Mora? Não!

Para compreender a relevância do nosso roqueiro na história da música popular brasileira, precisamos voltar no tempo e entender a cronologia cultural do país. Na década de 1960, surge no Brasil a chamada “Jovem Guarda”. Ao contrário de outros movimentos culturais do período que visavam contestar a Ditadura Militar virgente no país, o grupo cantava um “Rock’n Roll” visto como alienado pelos intelectuais.

Nomes do gênero são conhecidos até hoje como o próprio Roberto Carlos, Erasmo, Wanderléa, Jerry Adriani, Martinha, Wanderley Cardoso, Ronnie Von e muitos outros. Agora o que pouca gente sabe é que um aspirante a compositor também surgiu no período e chegou até a emplacar um sucessinho: Raulzito!

Claro que você, caro(a) leitor(a), já imagina de quem estou falando, mas acredite que a música “Sha-La-La” (Quanto Eu Te Adoro) foi composição do nosso eterno Raul Seixas, gravado por Leno (que viria posteriormente fazer dupla a Lilian). A letra virou um compacto simples do cantor em 1970. Antes disso, junto do grupo “Os Panteras”, também deixou gravados registros para o estilo. 

Acontece que, mesmo de outra forma, a matriz da “Jovem Guarda” sempre foi o “Rock’n Roll” e este já pulsava há décadas nas veias do compositor baiano. Agora, como produtor de uma gravadora, a CBS, Raul se fez de coragem para lançar um álbum inovador de sua carreira mudando os caminhos do rock no país. 

Em 1971, já contratado pela Philips, junto de Edy Star, Miriam Batucada e Sérgio Sampaio, ele lança o libertário álbum “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das 10”, um marco dentro da nossa história fonográfica, até hoje assustando de tamanho impacto que ele causa em qualquer ouvinte.

Desde então, não sei se graças a Raul Seixas mas com toda certeza por meio dele, o rock brasileiro ganha uma nova identidade, mais anarquista, rebelde e contestatória, o que poderia haver de mais oposto de como este era visto na Jovem Guarda. Essa divisão é fundamental para entender a figura do Raul não como gênio mas dentro de uma referência no cenário musical.

De Luiz Gonzaga à Elvis Presley

As influências de Raul Seixas eram as mais diversas, talvez isso tenha o tornado tão brasileiro e de tantas formas que absolveu extremos da música para marcar o seu próprio estilo. Há quem imagine que isso possa ser mera coincidência, mas sigo acreditando que ele faz jus ao manifesto antropofágico de Oswald de Andrade, o que induz que a maluquez e a lucidez do roqueiro faziam algum sentido. 

O artista baiano sempre se colocou no papel no qual sua música já ditava "preferia ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Em sons psicodélicos, Raul juntou o baião de Luiz Gonzaga e o rock’n roll de Elvis Presley para compor letras como “Let me Sing, Let me Sing” e a “Mosca na Sopa”.

Seria impossível definir a inquietude de Raul Seixas em um único texto. Suas parcerias, principalmente com Paulo Coelho, só agregaram ao cancioneiro popular e não merecem ser postas em jogo e nem minimizam sua inteligência.

Seja por letras conhecidas do grande público como “Tente Outra Vez”, “Gita” e “Eu nasci há dez mil anos atrás” ou pelas não tão vistas “Ave Maria da Rua” e “A Maçã”, nosso roqueiro deixou seu nome cravado em fã clubes na história.

Longe da pretensão de responder Ed Motta, mas as frases do cantor seguem sendo desnecessárias e só enterram uma carreira que nunca chegou a florir. Sem mais delongas, para o músico, reproduzo a frase do rei João Carlos I da Espanha ao presidente venezuelano Hugo Chávez “¿Por qué no te callas?” e acrescento mais uma observação: “Toca Raul!”.